Para
um completo entendimento do atual sistema de Direito Administrativo e do seu
funcionamento, cabe antes de mais avaliar a sua evolução histórica, procurando
entender as razões justificativas do seu atual regime.
A
evolução histórica do Direito Administrativo pode ser dividida em três grandes
épocas: Estado Liberal, Estado Social
e Estado Pós-social, de acordo com a terminologia adotada pelo
Professor Vasco Pereira da Silva. Cabe então analisar cada um destes períodos
históricos:
O
Direito Administrativo surge como a grande consequência da revolução liberal.
Este foi um compromisso relativo ao funcionamento dos centros de poder entre a
procura da limitação do poder estadual, consagrada nos princípios
revolucionários, e o interesse da nova classe dominante que gerava um poder
mais temível do que o do Estado absoluto. Há assim uma continuidade quanto à
Administração Pública entre as velhas instituições do Antigo Regime e as novas
instituições liberais, sendo que as anteriores passam a ser enquadradas nas
conceções do liberalismo político.
O
modelo de administração pública que surge carateriza-se por:
- Assumir o ato administrativo como modo quase exclusivo de agir, sendo a manifestação autoritária do poder estadual quanto a um particular determinado. Este concilia o autoritarismo do exercício de um poder do Estado (sendo um ato unilateral cujos efeitos são suscetíveis de ser impostos aos particulares por via coativa) com a garantia dos direitos dos cidadãos, decorrente da legalidade (na medida em que abre a via de acesso à Justiça, permitindo a defesa dos privados relativamente às lesões administrativas lesivas dos seus direitos).
- Assumir uma estrutura concentrada e centralizada da organização administrativa. Esta é a mais marcante caraterística deste regime. Este modelo de organização justifica-se pelas exigências a que liberalismo procurava responder. A burguesia necessitava de uma estrutura administrativa racional e centralizada, para eliminar as disparidades locais e conseguir a formação de um mercado nacional, bem como para eliminar os entraves feudais. Precisava também de uma Administração robusta e enérgica, que criasse infraestruturas e serviços necessários para potenciar a atividade económica e que permitisse a instauração de uma ordem pública vigorosa. A Administração adquire, então, uma estrutura unificada e hierarquizada, em que as competências dos diversos órgãos se encontram escalonadas e encadeadas. O centro da administração hierarquizada seria o Governo. Ao adotar um modelo de justiça delegada, o Estado liberal procurou conciliar os interesses da Administração (que teria primazia pela fiscalização, sendo que o contencioso seria um auto-controlo da Administração, procurando atingir a legalidade e acomodar o interesse público) com a proteção dos particulares (realizada sobretudo através da lei. A Administração era vista como agressiva e potencialmente lesiva dos direitos dos cidadãos, pelo que devia submeter-se ao princípio da legalidade, enquanto manifestação da vontade geral);
- Assumir um sistema de justiça delegada, no que toca à fiscalização.
A
Administração do Estado liberal é encarada como uma Administração agressiva,
representante de um Estado forte, que prossegue o interesse público e,
portanto, dificilmente lhe pode ser oposto um direito de um particular.
De
acordo com a conceção liberal, o problema da liberdade individual colocava-se,
sobretudo, em face do Estado, sendo a não intervenção deste e a separação
radical entre Estado e Sociedade a melhor garantia de liberdade política. O
Estado relacionava-se com a sociedade por intermédio da lei geral e abstrata,
que definia os limites dos direitos individuais em razão do interesse geral e,
simultaneamente, balizava a atuação da Administração Pública. Desse modo, a
garantia da liberdade individual era essencialmente realizada através da lei. A
crença no valor da lei conduziu a uma desvalorização da figura dos direitos
subjetivos pela dogmática jurídico-administrativa do Estado de Direito. O Estado era Estado de Direito porque a
formação da sua vontade se fazia segundo regras jurídicas, uma vez que ele era
o próprio Direito.
O
compromisso entre uma noção liberal de poder político e uma noção autoritária
de Administração era dogmaticamente traduzido pelo reconhecimento de direitos
políticos e civis, valendo contra o poder político e nas relações
interprivadas, mas simultaneamente pela negação da existência de direitos
subjetivos nas relações entre os particulares e o poder administrativo.
Dividia-se aqui a doutrina: enquanto uns consideravam que o particular não era
titular de direitos subjetivos perante a Administração, sendo entendido como um
súbdito da Administração toda-poderosa, ao serviço da qual se encontra, podendo
os seus interesses de facto vir a ser ocasionalmente protegidos pelas normas
jurídicas, outros consideravam que o particular podia ser titular de posições
jurídicas substantivas em face da Administração, mas o conteúdo desses direitos
subjetivos em nada se distinguia das normas jurídicas objetivas, não sendo eles
mais do que meros reflexos do direito objetivo, sendo esta última defendida
pelo Professor Marcelo Caetano.
Outra
característica marcada pelo Estado liberal era a natureza puramente executiva
da Administração, limitada à concretização das opções contidas nos textos
legislativos. Esta ideia não era compatível com a liberdade de escolha enorme
que a Administração possuía, logo a doutrina vai olhar com desconfiança para a
discricionariedade, mas esta vai ser aceite como uma espécie de criminalidade
tolerada.
A
passagem do Estado Liberal para o Estado social, teve como consequência a
necessidade de mudança de paradigma da Ciência do Direito Administrativo. A
mudança de modelo de Estado representou o fim da “idade de ouro” o conceito
clássico de ato administrativo, obrigado agora a defrontar-se com realidades
diferentes daquelas para as quais tinha sido criado.
O
Estado descobre então uma nova vocação. A questão social e as crises cíclicas
do capitalismo, dos finais do séc. XIX e inícios do séc. XX, vieram colocar
novos desafios ao poder político, chamando o Estado a desempenhar novas funções
de tipo económico e social. Podem distinguir-se 3 fases deste novo tipo de
Estado: a fase de intervenção estadual na regulação da relação laboral; a fase
de Intervenção Generalizada do Estado no Funcionamento da Economia; e a fase do
Apogeu do Estado Social, surgida a partir do Final da Segunda Guerra, em que o Estado
social apresenta-se como um aparelho prestador.
Com
o Estado social, as funções do Estado vão sofrer uma dupla transformação,
verificando-se, em simultâneo, o aumento da intensidade das funções
tradicionais e o surgimento de novas tarefas nos domínios económicos e sociais,
o Estado social faz sua missão de prover ao conjunto da sociedade os sistemas
vitais e de prestações que garantem o seu funcionamento e um nível mínimo de
bem-estar. O Estado social é, pois, antes de mais, um Estado de prestações.
Surge,
então, o Estado Administração, que tem como principal missão a de assegurar o
bem-estar dos indivíduos em sociedade. A Administração passa de agressiva a
prestadora, aumentando a dependência do indivíduo relativamente aos poderes
públicos.
Com
o Estado social desaparece a clássica separação entre Estado e sociedade, e
entre Administração e privados. Uns e outros encontram-se relacionados por
relações duradouras, que implicam uma interpenetração e colaboração recíprocas.
Essa alteração do relacionamento entre a Administração e os privados implica o
reconhecimento de direitos subjetivos dos particulares perante os poderes
públicos. O particular coloca-se, em face à Administração, como um sujeito de
direito perante outro, estabelecendo, de igual para igual, uma relação
jurídica. O reconhecimento do direito dos cidadãos surge como uma exigência da
opção constitucional por uma ordem jurídica assente na dignidade da pessoa
humana cujos direitos fundamentais vinculam diretamente os poderes públicos.
Com
a passagem ao Estado Social, a administração pública deixa de ser concebida
como meramente executiva para se tornar cada vez mais uma atividade prestadora
e constitutiva. A Administração prestadora chamou a si um conjunto de tarefas
que não se esgotam na noção de aplicação da lei ao caso concreto, ou de
execução do direito, mas que implicam a ideia de uma capacidade autónoma de
concretização dos objetivos estaduais. Por um lado, cresceram, em número e em
importância, as atividades de pura administração, sem nada de jurídico, por
outro lado, no que respeita à atuação jurídica da Administração Pública, a
possibilidade do legislador poder prever todas as situações e regular todas as
matérias, assim como o crescimento das tarefas administrativas, implicou a
atribuição de um maior ou menor grau de autonomia às autoridades
administrativas, na sua tarefa de satisfação das necessidades coletivas,
tornando a sua função muito mais criadora.
Num
Estado de Direito material, outra é a perspetiva do princípio da legalidade, que
surge na sua aceção mais ampla, abrangendo quer os poderes discricionários quer
vinculados, e implicando não a mera submissão à lei em sentido formal ou
material, mas todo o Direito. O princípio da legalidade constitui o fundamento,
o critério e o limite de toda a atuação administrativa. Por outro lado, a
submissão ao direito vai muito além de um entendimento positivista da ordem
jurídica, implicando a submissão a princípios gerais do Direito, à
Constituição, a normas internacionais, a disposições de caráter regulamentar, a
atos constitutivos de direitos.
No
modelo de Estado social, a atribuição de poderes discricionários à
Administração Pública é imprescindível para assegurar uma decisão correta no
caso concreto. Num Estado de Direito, o poder discricionário deve ser entendido
como uma forma da administração manifestar a vontade do ordenamento jurídico
relativamente a uma situação concreta. A lei não pode prever todas as
situações, pelo que à Administração é, muitas vezes, atribuída uma
possibilidade de escolha entre várias situações legalmente possíveis, a fim que
sejam os órgãos administrativos a concretizara vontade legislativa, em função
das situações jurídicas que vão ser reguladas.
Aplicar
a lei já não é, então, uma simples tarefa de subsunção lógica, mas uma
atividade criadora. O aplicador do direito tem uma função verdadeiramente
criadora, reconstruindo o espírito do sistema e integrando aquela concreta
manifestação de vontade do legislador no âmbito mais vasto do ordenamento
jurídico. Entendido o poder discricionário como modo de realização do direito,
e não enquanto liberdade de escolha extrajurídica, daqui resulta
necessariamente uma maior amplitude de controlo jurisdicional.
O
Estado social implicou ainda profundas transformações no que respeita à
organização administrativa. A administração unificada e hierarquizada deu lugar
à Administração descentralizada e desconcentrada.
Assim,
da Administração como bloco unitário passou-se a uma pluralidade de
Administrações, e a necessidade de prosseguir fins estaduais muito díspares vai
implicar a necessidade de proceder à repartição de competências decisórias
entre os diferentes órgãos administrativos. A Administração Pública deixou de
ter um centro, não apenas em virtude da partilha interna de competências
decisórias, e da distribuição do poder por entidades distintas, mas também em
virtude das novas tarefas nos domínios da saúde, educação, segurança social,
que o Estado prestador chamou a si, e que são desenvolvidas em função da
coletividade.
Ao
nível da fiscalização da Administração verificaram-se profundas transformações.
O período clássico pode ser caracterizado como a fase do pecado original do
contencioso administrativo, devido à íntima ligação existente entre órgãos
fiscalizadores e autoridades administrativas, que fazia dele um contencioso privativo
da Administração. Agora, dá-se o batismo do contencioso administrativo, como
afirma o Professor Vasco Pereira da Silva que consistiu na sua
jurisdicionalização plena, desaparecendo as ligações entre órgãos da
Administração e tribunais administrativos.
O
aprofundamento da noção de Estado de Direito, que vem associada ao Estado
social, vai obrigar a que os litígios entre a Administração e os particulares
sejam julgados por verdadeiros tribunais. É assim que em todos os países
europeus se vai verificar o da ligação da Administração e do contencioso
Administrativo, dando lugar a uma plena jurisdicionalização da fiscalização dos
atos da Administração.
O
ato administrativo já não tem só por missão determinar autoritariamente o
direito aplicável ao particular, mas também a prossecução de interesses
públicos através da satisfação de interesses dos privados, a quem presta bens e
serviços. Figura típica do domínio da Administração prestadora é o ato
administrativo favorável aos particulares, ou constitutivo de direitos. O
particular, numa situação de dependência perante a Administração, não somente
deseja que a Administração atue, como solicita mesmo essa intervenção. O ato
administrativo passar a ser igualmente um instrumento de satisfação de
interesses individuais.
Houve,
de facto, uma expansão da proteção judicial no domínio da Administração
prestadora, mediante o alargamento da categoria dos atos recorríveis para
abranger os atos negativos.
Também,
a possibilidade de o particular poder reagir contra atitudes omissivas ilegais
da Administração é de grande importância, sobretudo, a partir do momento em que
a Administração passa de agressiva a constitutiva, sendo chamada a desempenhada
a chamar uma atividade prestadora favorável aos particulares.
Na
organização administrativa assiste-se não apenas ao crescimento do tradicional
aparelho administrativo burocrático, como à criação de entidades de carácter
público que atuam segundo o regime de gestão privada, como ainda ao surgimento
de novas modalidades de Administração que adotam formas jurídico-privadas, de
forma a conseguir uma mais adequada realização dos fins públicos.
A
Administração concertada manifesta-se, além disso, na procura constante da
aceitação e da consensualidade, mesmo quando sejam utilizadas formas de atuação
de tipo unilateral. Busca do consenso que implica a existência de mecanismos
institucionalizados de audição e de participação dos interessados na formação
de decisões administrativas.
Em
resultado de todas as transformações ao nível das formas de atuação da
Administração Pública, o ato administrativo perdeu a sua posição de quase
exclusividade no âmbito das relações Administrativas. Está-se perante uma crise
do ato administrativo, a qual não resulta apenas da proliferação de novas, e
muito frequentes, formas de atuação distintas, mas decorre também de se ter
passado a considerar a decisão final da Administração apenas como um momento da
atuação administrativa, que tem de ser entendida em função daquilo que a
precede, assim como das ligações jurídicas a que dá origem, ou de que é
resultado, e não como uma realidade isolada, final e perfeita.
A
partir da década de 70, começa a ser evidente o esgotamento do modelo de Estado
de Providência, incapaz de continuar a dar uma resposta satisfatória aos mais
recentes problemas colocados pela evolução da sociedade. A crise do Estado Social
surge, então, em resultado de: aumento das contribuições dos indivíduos para o
Estado, mais do que proporcional às prestações dele recebidas, gerador de um
sentimento de desconfiança e de insatisfação dos privados, que se traduz num
défice de legitimação dos poderes públicos; o acréscimo de Estado nem sempre
veio ligado ao aumento do bem-estar individual, mas antes a um desmesurado
crescimento da burocracia; o risco da menor imparcialidade do Estado; o
alheamento dos cidadãos em face dos fenómenos políticos.
Existe,
por um lado, um sentimento de satisfação e de plenitude históricas mas, por
outro lado, um sentimento de insatisfação, desassossego e insegurança
decorrente do paulatino esgotamento do modelo de desenvolvimento e progresso. O
que desapareceu não foi, sem mais, o Estado, mas um certo modo de o entender. O
Professor Vasco Pereira da Silva destaca o surgimento de um novo modelo de
Estado, que representa uma tentativa de responder aos problemas com que se
defrontam as sociedades atuais.
O
modelo do Estado pós-social trouxe consigo preocupações novas, tais como a
necessidade de problematização do crescimento do Estado e das funções por ele
desempenhadas, procurando reequacionar o papel do Estado e redimensionar a
extensão do seu aparelho; o realçar da importância da participação dos
indivíduos na tomada de decisões, a importância dos direitos dos indivíduos,
como meio de defesa deste contra todas as formas de poder. Novos são, também,
os desafios que se lhe colocam e novas as necessidades a que tem de dar
resposta. O atual modelo pode, então, ser caracterizado pela coexistência de opções
em princípio contraditórias: por um lado, a generalização e a enfatização de
valores claramente individuais, por outro, a persistência e insistência em valores
de solidariedade social.
Relativamente
à Administração Pública, opta-se por formas de atuação concertadas. Característico
desta moderna Administração concertada é a crescente dificuldade, não só da
autónoma definição do interesse público, mas especialmente da sua realização
pela via autoritária e unilateral. De uma forma crescente, portanto, o
interesse público vê-se na necessidade induzir a colaboração da economia
privada e chegar a fórmulas de concerto, transação e cooperação com grupos
sociais e agentes privados.
Mas
as transformações do Direito Administrativo dizem igualmente respeito à
importância renovada do papel dos particulares, não apenas enquanto destinatários
e comparticipantes da atuação administrativa, mas também enquanto autónomos
sujeitos de um verdadeiro relacionamento jurídico com a Administração Pública.
Todas
estas manifestações se manifestam no domínio do contencioso administrativo. Os
tribunais Administrativos são chamados a refundar o Direito Administrativo, já
não enquanto Direito especial da Administração, mas enquanto Direito dos
particulares em face da Administração. Daí que as modernas constituições do
Estado de Direito tenham reafirmado a natureza jurisdicional do contencioso
administrativo e acentuado a sua função de proteção dos direitos dos
particulares nas suas relações administrativas.
Na
verdade, aquilo que caracteriza a Administração Pública de hoje, mais do que
cada um dos seus atos isolados, é a dimensão social dessa atividade, são os
efeitos que ela produz relativamente à sociedade no seu conjunto.
A
atividade administrativa complexifica-se e os seus instrumentos de atuação extravasam
dos esquemas tradicionais, implicando o surgimento de um conjunto de bens
jurídicos que não se enquadram satisfatoriamente, nem no esquema da
Administração agressiva, nem do da Administração prestadora.
A
atividade administrativa vai tornar-se num mecanismo de composição dos
interesses, que se manifestam no procedimento, e que os órgãos decisores devem
regular, de maneira a tornar a decisão mais adequada e que melhor salvaguarde
os direitos subjetivos e os interesses em presença.
A
nova realidade administrativa é caracterizada pela multilateralidade, pelo
alargamento da proteção jurídica subjetiva, pela durabilidade das relações
jurídicas, pelo esbatimento da diferenciação entre formas de atuação genéricas
e individuais.
A
multilateralidade surge como a característica mais marcante da Administração do
Estado pós-social. As decisões administrativas, típicas da administração
prospetiva ou prefigurativa, não dizem respeito a um relacionamento meramente
bilateral entre os privados e os órgãos decisores, mas correspondem antes a um
relacionamento multilateral, uma vez que produzem efeitos suscetíveis de afetar
um grande número de sujeitos.
No
domínio da moderna Administração de infraestruturas, mesmo as decisões
individuais podem possuir uma dimensão social, e o ato administrativo deixa de
ser apenas uma forma de atuação relativa a um concreto particular, já que
produz efeitos que também afetam outros sujeitos. Esta multilateralidade implica,
por conseguinte, a necessidade de alargamento da proteção jurídica subjetiva
perante a Administração, o que pode ser conseguido, quer através do alargamento
da noção de direito subjetivo (orientação subjetiva), quer mediante a tutela de
interesses difusos ou coletivos (orientação objetiva).
De
acordo com uma orientação subjetivista (direito alemão e português), o
alargamento da proteção dos privados faz-se mediante o recurso a um conceito
mais amplo de direito subjetivo, que tem por base os direitos fundamentais. De
acordo com uma orientação objetivista (direito italiano) o alargamento da proteção
dos particulares é conseguido através da criação de possibilidades de
intervenção no procedimento e no processo administrativo aos titulares de
interesses difusos e coletivos.
Característica
da Administração conformadora da atualidade é igualmente do caráter duradouro
das relações administrativas, dando sequência a uma tendência que já vinha do período
anterior, mas que se contrapõe à visão clássica.
Outra
característica ainda associada à Administração de infraestruturas é o
esbatimento da diferenciação entre meios de atuação genéricos e individuais, em
resultado da multilateralidade das decisões.
O
ato isolado integra-se numa série de atos, em principio iguais, pelo que a
dinâmica da constituição é, em regra, deslouvada uma vez que se refere menos à
especificidade do caso concreto do que à regulação geral, ao padrão. Tal como à
Administração agressiva correspondia o conceito de ato desfavorável e à
Administração prestadora a noção de ato favorável, a Administração prospetiva
vai ficar associada ao ato administrativo com eficácia em relação a terceiros.
A
relação jurídica multilateral constitui assim a modalidade de relação jurídica,
típica da Administração de infraestruturas, adequada para explicar os vínculos
jurídicos que se esbatem entre todos os intervenientes das complexas relações
administrativas modernas.
Outra
questão suscitada pela Administração de infraestruturas é a da proliferação de
decisões genéricas, nomeadamente sob a forma de disposições-programa ou de tipo
finalístico que permitem à Administração uma ampla liberdade de escolha dos
meios necessários para alcançar estes fins.
Problema
jurídico colocado por esta forma de atuação é o da necessidade de conciliação
de finalidades distintas por parte das autoridades administrativas envolvidas
no processo decisório, uma vez que as decisões-plano apontam, com frequência,
para vários fins, a ser prosseguidos conjuntamente, no mesmo ou em diferentes
momentos.
Característico
da Administração de infraestruturas é, portanto, o aparecimento de relações jurídicas
multilaterais, tendo por sujeitos autoridades administrativas e todos os
particulares envolvidos, os quais compreendem tanto os destinatários das
atuações administrativas como aqueles que por elas são meramente afetados. O
conceito de relação jurídica multilateral permite explicar todas aquelas
situações de relacionamento entre os indivíduos e a Administração onde se
admite a existência de direitos de terceiros.
Contrariamente
a esta conceção apresentada pelo Professor Vasco Pereira da Silva, podemos
apontar a doutrina do Professor Diogo Freitas do Amaral, que a contesta, apresentando
a sua própria evolução histórica. Essencialmente, crítica a visão linear da
passagem de um Estado social para um Estado liberal, de um Estado agressivo
para um Estado providência, de um Estado pequeno para um Estado tentacular.
Para
este autor, é com a administração de Estado Oriental que nascem as primeiras administrações
públicas propriamente ditas, quando os imperadores constituem corpos de funcionários
permanentes para cobrar impostos, executar obras públicas e assegurar a defesa
contra o inimigo. Assim, não considera ter a administração pública qualquer
raiz na limitação do poder para defesa ou proteção dos particulares. São criados
órgãos e serviços centrais junto do imperador, são assumidas práticas
fiscalizadoras da atividade dos particulares, são assumidas responsabilidades
diretas pelo poder público.
Salienta
depois a importância do Estado grego, mas com a condicionante da sua pequeneza,
e de como as exigências feitas pela administração pública levam à decadência da
cidade-Estado. Comparativamente, apresenta o caso romano, em que a
cidade-Estado de Atenas cresce e dota-se de um aparelho administrativo notável.
Esta adota um numeroso funcionalismo público, pago, profissionalizado e com
perspetivas de carreira. A Administração Pública romana defendia fronteiras,
mantinha a ordem e a tranquilidade, cobrava impostos, administrava a justiça, e
executava um programa de obras públicas. Naturalmente, os funcionários eram
especializados em cada uma destas cinco grandes áreas.
Segue-se,
então, a administração pública do Estado medieval. Apesar do feudalismo,
salientam-se órgãos centrais, como a Cúria Régia, delegados locais do Reis em
todo o território e os funcionários régios cobrando impostos, fazendo obras,
etc. O feudalismo provoca o aparecimento dos governos locais que chamam a si
variadas funções da administração pública. Embora inicialmente matérias do âmbito
social, como a educação, fossem maioritariamente asseguradas pela Igreja,
rapidamente a Administração Pública as começou a regular e fiscalizar,
admitindo que se tratavam de matérias do interesse público. Como antes,
mantém-se a indiferenciação entre administração e justiça, sendo que alguns órgãos
acumulavam funções executivas e judiciais, tal como o Rei, que administra e
julga. Por outro lado, as garantias individuais contra o arbítrio dos poderes
públicos são ainda deficientes. O Rei não se encontrava totalmente submetido ao
Direito, tendo alta discricionariedade.
Vem,
depois, o Estado moderno, caraterístico da Idade Moderna e Contemporânea. Esse divide-se,
segundo o autor, em subtipos, de entre os quais o Estado corporativo, o Estado
absoluto e o Estado liberal.
O
Estado corporativo é caraterístico da Monarquia. Este cresce terminando com o
feudalismo e a sua administração aumenta com o exército, as finanças, a justiça
e a expansão colonial. O direito romano inspira decisões inspiradas no modelo
imperial, contribuindo para o fortalecimento do poder real e, consequentemente,
para o relevo da Administração Pública. As próprias Ordenações incluem uma
série de normas de direito público atinentes à administração pública. A burocracia
cresce e surge o mercantilismo, que favorece a intervenção dos poderes públicos
na economia. “O Estado não era apenas autoridade, mas património”, era o Estado
patrimonial.
O
Estado absoluto é característico da Monarquia Absoluta. Aqui, a administração cresce
e aperfeiçoa-se neste período. O absolutismo político reforça o controlo do
Estado sobre a sociedade e promove uma intervenção crescente nos domínios cultural
e assistencial, influenciada pelo iluminismo. A nobreza, os jesuítas e a
Universidade são atacados, com vista a consolidar o absolutismo real. As garantias
individuais perante o Estado não eram fortes. A própria proteção conferida
pelos tribunais comuns aparecia como indesejável ao poder político.
O
Estado liberal é o subtipo de Estado moderno associado ao período pós Revolução
americana e francesa. Dá-se, com a separação de poderes, a separação histórica entre
a administração e a justiça e a entrega das competências administrativas aos órgãos
do poder executivo e a atribuição das competências jurisdicionais aos órgãos do
poder judicial. Devido à legislação sobre indústria, saúde pública, combate à pobreza
e caminhos-de-ferro, a administração central expande funções. Do ponto de vista
económico, diminui o intervencionismo. O Estado liberal não nacionaliza
empresas privadas nem cria empresas públicas, mas monta serviços públicos de
caráter cultural e social e lança políticas de obras públicas. Cresce então uma
burocracia para ajudar a resolver problemas económicos, sociais e culturais. É,
por fim, neste período que as garantias dos particulares perante a
Administração são reforçadas. O Estado liberal afirmar-se-ia como um Estado de
Direito.
Por
fim atingimos o Estado constitucional, característico do nosso século. Salientam
três principais modalidades que a Europa conheceu no século XX: o Estado comunista,
o Estado fascista e o Estado democrático. Mostra aqui discordância clara com o
Professor Vasco Pereira da Silva, porque não será correto afirmar, segundo o
autor, que se passou do Estado liberal ao Estado social, nem que essa evolução tenha
seguido as mesmas formas em todos os países.
O
Estado comunista nasce da Revolução Russa de 1917 e carateriza-se sobretudo
pela centralização, rígida concentração, aumento dos ministérios no âmbito do
governo central e por uma vasta rede de funcionários públicos. O Estado chama a
si praticamente todas as atividades com relevo no campo económico, social,
cultural, educativo, desportivo, etc., ao mesmo tempo que submete as atividades
privadas ao mais apertado controlo. O princípio da legalidade é aqui o princípio
da legalidade socialista, interpretada em função do objeto ideológica desta construção
de sociedade. Os tribunais e os juízes não são independentes e servem para
dirimir litígios entre particulares.
O
Estado fascista nasce em 1919 em Itália, com Mussolini. Este adota um sistema
de administração pública centralizado e concentrado ao máximo, apostando no
corporativismo do Estado. A banca e a grande indústria são vítimas de escrutínio.
Em todos os setores se denota o intervencionismo estatal. No plano das
garantias individuais contra atos ilegais dos Poderes públicos o Estado
fascista é intermédio: nem todas as garantias nem nenhumas. Se as decisões não têm
caráter político, os lesados podem recorrer a tribunal administrativo especial.
Mas se as decisões tiverem caráter político, a própria lei processual afasta o
perigo de recorrer. O princípio da legalidade assume aqui a conotação de defesa
da legalidade governamental.
Por
fim cabe analisar o Estado democrático, que assenta na soberania popular. Este é
descentralizador e desconcentrado e respeita as autonomias locais e regionais. No
plano das garantias individuais fornece a mais ampla panóplia de instrumentos jurídicos
de proteção. No âmbito das tarefas, este modelo de Estado é caraterizado pelo
intervencionismo económico e pela ação cultural e social do Estado.
Nota-se
assim que a doutrina não é consensual quanto à evolução histórica do Direito
Administrativo e da Administração Pública, e que cabe a cada um procurar
estudar toda esta histórica evolução e avaliar as suas transformações de forma
pessoal e sustentada.
Bibliografia:
Pereira
da Silva, Vasco, Em Busca do Acto
Administrativo Perdido, 1. ed., reimpressão 2016, Almedina, Coimbra, pp. 11
– 150
Freitas
do Amaral, Diogo, Curso de Direito
Administrativo, Vol. I, 4ª edição, 2016, Almedina, Coimbra, pp. 45-81
Beatriz
Pestana Canada, subturma 10, Turma B, 2ºano
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