Ora,
nem todos estes assuntos têm consequências jurídicas. Contudo, pode acontecer
que a lei atribua ao silêncio da Administração um determinado significado com
efeitos jurídicos.
O
problema de ficcionar o silêncio como uma atuação administrativa será a sua
falta de fundamentação.
Tomando
em consideração a posição do Professor Marcelo Rebelo de Sousa e do Professor
André Salgado de Matos, em que o ato administrativo é um ato positivo, não
existem decisões por omissão. As omissões não são atos administrativos, ainda
que a lei lhes associe o regime do ato administrativo.
O
artigo 13º do Novo Código de Procedimento Administrativo (daqui adiante denominado
NCPA), correspondente ao antigo artigo 9º do CPA revogado, diz-nos que existe
dever legal de decisão, isto é, quando é que as diferentes estruturas
administrativas estão juridicamente vinculadas à resolução dos assuntos que
lhes são apresentados.
A
delimitação do dever jurídico de decisão faz-se por via positiva, como resulta
do estipulado no nº1 do artigo 13º do NCPA, e por via negativa, como decorre do
que se consagra no nº2. No nº2, o órgão pode ser competente e não ter dever
legal e procedimental de decidir.
De
acordo com o nº3 do artigo 13º do NCPA, a Administração não fica sujeita ao
pedido, no sentido de que pode ir para além daquilo que é solicitado pelos
interessados sem que estes se possam opor.
Tal
significa que, nas situações em que se verifique o dever de decisão, a eventual
discricionariedade administrativa de ação não abrange a possibilidade de omitir
a decisão. A Administração é obrigada a decidir; a eventual discricionariedade
de ação restringe-se ao conteúdo da decisão, que poderá ser favorável ou não à
pretensão apresentada pelo particular.
Para
o Professor Ricardo Araújo, o princípio da decisão trata-se de um princípio de
alcance procedimental.
Este
princípio reveste-se de grande utilidade para os particulares, sobretudo no
âmbito da Administração prestadora. Através dele permite-se a vinculação da
Administração a uma decisão sobre a pretensão de um particular.
Para
a Professora Fernanda Fragoso, a obtenção da decisão da Administração Pública,
na sequência da formulação de um pedido constitui um direito do interessado,
assim como um dever da Administração ao serviço do interesse público (artigos 266º
e 268º/1 e 6 da Constituição da República portuguesa).
Existe
apenas uma exceção em que a Administração não está vinculada ao dever de
decidir, que consta do artigo 13º/2 NCPA. Pretende evitar-se o assédio
permanente à Administração, que fica desonerada de pronunciar-se contínua ou
recorrentemente sobre o mesmo assunto.
Esta
exceção só vale durante dois anos. Passado esse período, a Administração está
novamente obrigada a decidir sobre qualquer requerimento apresentado.
Surge
nesta sequência a figura do ato tácito, que se enquadra no âmbito da decisão e
das causas de extinção do procedimento do ato administrativo, mais
especificamente nos artigos 126º a 133º do CPA.
O
ato tácito resulta do silêncio da Administração Pública, da sua omissão e da
não resposta a um pedido de um particular, mesmo que um ato haja sido emitido,
mas não tenha existido notificação.
Existe
divergência doutrinária acerca da explicação da natureza jurídica do ato
tácito.
O
Professor Marcello Caetano e o Professor Sérvulo Correia referem que o ato
tácito é como qualquer outro ato administrativo.
O
Professor Diogo Freitas do Amaral considera que o ato tácito é uma ficção legal
de ato administrativo, aplicando-se o regime correspondente, enquanto o
Professor Paulo Otero defende ser um ato criado por lei, mas imputado por ela à
Administração, independentemente de ser de deferimento ou de indeferimento.
Já
o Professor Marcelo Rebelo de Sousa sustenta que o ato tácito é mais do que um
mero facto jurídico, mas menos que um ato administrativo ou a sua ficção, sendo,
portanto, uma omissão juridicamente relevante, já que corresponde à não adoção
de ações possíveis, em violação de um dever de agir. A omissão subjacente ao
ato tácito é sempre ilegal por violação do dever legal de decisão e do respetivo
direito subjetivo do particular requente à emissão de um ato administrativo
decisório.
Historicamente,
o ato tácito surge para evitar a ausência de controlo do silêncio e a inércia
das estruturas da Administração Pública, tendo por principal finalidade a de
impedir que esta encontre no silêncio uma forma de evitar ser fiscalizada pelos
tribunais.
Atualmente,
o NCPA menciona apenas o ato tácito de
deferimento. Todavia, na vigência do CPA anterior, agora revogado, existiam
dois tipos de atos tácitos.
Primeiramente,
tínhamos o ato tácito de indeferimento, que
traduzia a negação da pretensão do particular. O particular requeria algo à
Administração Pública e no silêncio desta, tudo decorria como se a sua
pretensão tivesse sido recusada, podendo assim abrir-se a via contenciosa e
recorrer-se aos tribunais administrativos para impugnar esta decisão.
Em
segundo lugar, tínhamos o ato tácito de
deferimento, que traduzia a satisfação da pretensão do particular. O
silêncio teria efeitos positivos, tudo decorria como se do órgão administrativo
proviesse uma resposta positiva ao administrado.
De
acordo com o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o deferimento tácito teria um
alcance processual e substantivo, na medida em que possibilitava ao interessado
exercer imediatamente a posição jurídica subjetiva em causa, sem esperar por
qualquer decisão administrativa ou jurisdicional sobre ela.
O
ato tácito de indeferimento era a regra geral no Direito Administrativo
português, admitindo-se o deferimento tácito apenas nos casos expressamente
previstos na lei (artigo 109º do CPA, hoje revogado).
Fruto
do desaparecimento do indeferimento tácito, desde 2004, com a reforma do
contencioso administrativo, são estipulados três tipos de consequências aplicáveis
às omissões legais da Administração: recurso aos meios de tutela administrativa;
recurso aos meios de tutela jurisdicional; e deferimento tácito da pretensão
formulada.
O
efeito que se pretendia obter com o indeferimento tácito consegue agora
alcançar-se através das regras do contencioso administrativo, nomeadamente
através da ação administrativa especial
de condenação à prática do ato devido, que permitem aos particulares verem
satisfeitos os seus direitos (artigo 129º, parte final do NCPA, artigo 268º/4
da CRP e artigos 66º e seguintes do CPTA).
Hoje
em dia, o silêncio tem efeitos neutros. Para ter efeitos positivos, é
necessário expressa disposição legal nesse sentido.
O
deferimento tácito é, portanto, a única modalidade de ato tácito atualmente
existente no direito administrativo português.
O
deferimento tácito pode não resultar diretamente do silêncio decisório da Administração, mas antes da ausência de
notificação da decisão final (art. 130º/1 do NCPA).
Os
pressupostos legais para a verificação do ato tácito de deferimento encontram-se
explanados no art. 130º do NCPA, sendo eles: a apresentação de um requerimento
com pedido para a prática de ato administrativo que defina a situação jurídica
do particular; que esse requerimento tempestivo seja dirigido ao órgão
competente (artigo 130º/1 do NCPA); que exista por parte do referido órgão o
dever legal de decisão (artigo 13º/2 NCPA); que tenha decorrido o prazo legal,
sem que haja sido tomada uma decisão expressa sobre o pedido (artigos 87º, 128º
e 130º/2 e 3 do NCPA); e que a lei ou regulamento atribuam o significado de
deferimento tácito ao silêncio.
O
NCPA remete, agora, para leis especiais que, em concreto, particularizam o
regime geral e os pressupostos dos atos tácitos.
O
NCPA dá também, nos dias de hoje, relevância à notificação da decisão (e não à
própria decisão administrativa) para efeitos de deferimento tácito, como forma
de garantir a eficácia e segurança jurídica.
Segundo o Professor João Miranda, o deferimento tácito não se confunde com a comunicação
prévia, consistindo numa forma de superar a inércia da Administração (artigo 134º/3
NCPA). A ausência de pronúncia administrativa em relação à comunicação
apresentada pelo particular não permite inferir a formação de um deferimento
tácito.
De
acordo com o Professor José Fontes, não existe um elenco previsto no NCPA de
casos de atos deferimento tácito, o que, a seu ver, simboliza um retrocesso
garantístico dos particulares.
Na
opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, a previsão do deferimento tácito
constitui uma ameaça para a realização do interesse público e para a garantia
dos direitos dos terceiros interessados no procedimento administrativo. Os
deferimentos tácitos protegem unilateralmente os direitos de uma das partes,
quando a maior parte das relações jurídicas de hoje são de natureza multilateral.
Tal revela a sua incapacidade para lidar com os problemas da Administração infraestrutural.
O
Professor Vasco Pereira da Silva e o Professor Tiago Macieirinha sustentam que
o deferimento tácito é uma ficção legal, mas que a este não se pode aplicar o
regime próprio dos atos administrativos. Pretender sujeitar o deferimento
tácito ao regime dos atos administrativos conduziria à sua ilegalidade, pelo
menos por preterição de formalidades essenciais, já que o silêncio da
Administração não as poderia satisfazer.
Como
tal, o deferimento tácito não tem a natureza de ato administrativo, não podendo
desempenhar a função estabilizadora que a ordem jurídica reserva à prática dos
atos jurídicos.
O
Professor Marcelo Rebelo de Sousa defende que seria proveitosa a eliminação do
deferimento tácito da ordem jurídica portuguesa, acompanhada da introdução de
mecanismos alternativos de resolução dos problemas substantivos criados pelas omissões
administrativas.
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Administrativo Geral - Atividade administrativa, 1ª edição, volume III,
Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2007
Joana Cardoso, subturma 10, nº 57075
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