domingo, 22 de abril de 2018

O ato tácito no Direito Administrativo português

Acontece por vezes que a Administração nada faz ou nada diz acerca de assuntos de interesse público que lhe chegam.

Ora, nem todos estes assuntos têm consequências jurídicas. Contudo, pode acontecer que a lei atribua ao silêncio da Administração um determinado significado com efeitos jurídicos.

O problema de ficcionar o silêncio como uma atuação administrativa será a sua falta de fundamentação.

Tomando em consideração a posição do Professor Marcelo Rebelo de Sousa e do Professor André Salgado de Matos, em que o ato administrativo é um ato positivo, não existem decisões por omissão. As omissões não são atos administrativos, ainda que a lei lhes associe o regime do ato administrativo.

O artigo 13º do Novo Código de Procedimento Administrativo (daqui adiante denominado NCPA), correspondente ao antigo artigo 9º do CPA revogado, diz-nos que existe dever legal de decisão, isto é, quando é que as diferentes estruturas administrativas estão juridicamente vinculadas à resolução dos assuntos que lhes são apresentados.

A delimitação do dever jurídico de decisão faz-se por via positiva, como resulta do estipulado no nº1 do artigo 13º do NCPA, e por via negativa, como decorre do que se consagra no nº2. No nº2, o órgão pode ser competente e não ter dever legal e procedimental de decidir.

De acordo com o nº3 do artigo 13º do NCPA, a Administração não fica sujeita ao pedido, no sentido de que pode ir para além daquilo que é solicitado pelos interessados sem que estes se possam opor.
Tal significa que, nas situações em que se verifique o dever de decisão, a eventual discricionariedade administrativa de ação não abrange a possibilidade de omitir a decisão. A Administração é obrigada a decidir; a eventual discricionariedade de ação restringe-se ao conteúdo da decisão, que poderá ser favorável ou não à pretensão apresentada pelo particular.

Para o Professor Ricardo Araújo, o princípio da decisão trata-se de um princípio de alcance procedimental.

Este princípio reveste-se de grande utilidade para os particulares, sobretudo no âmbito da Administração prestadora. Através dele permite-se a vinculação da Administração a uma decisão sobre a pretensão de um particular.

Para a Professora Fernanda Fragoso, a obtenção da decisão da Administração Pública, na sequência da formulação de um pedido constitui um direito do interessado, assim como um dever da Administração ao serviço do interesse público (artigos 266º e 268º/1 e 6 da Constituição da República portuguesa).

Existe apenas uma exceção em que a Administração não está vinculada ao dever de decidir, que consta do artigo 13º/2 NCPA. Pretende evitar-se o assédio permanente à Administração, que fica desonerada de pronunciar-se contínua ou recorrentemente sobre o mesmo assunto.

Esta exceção só vale durante dois anos. Passado esse período, a Administração está novamente obrigada a decidir sobre qualquer requerimento apresentado.


Surge nesta sequência a figura do ato tácito, que se enquadra no âmbito da decisão e das causas de extinção do procedimento do ato administrativo, mais especificamente nos artigos 126º a 133º do CPA.

O ato tácito resulta do silêncio da Administração Pública, da sua omissão e da não resposta a um pedido de um particular, mesmo que um ato haja sido emitido, mas não tenha existido notificação.

Existe divergência doutrinária acerca da explicação da natureza jurídica do ato tácito.

O Professor Marcello Caetano e o Professor Sérvulo Correia referem que o ato tácito é como qualquer outro ato administrativo.

O Professor Diogo Freitas do Amaral considera que o ato tácito é uma ficção legal de ato administrativo, aplicando-se o regime correspondente, enquanto o Professor Paulo Otero defende ser um ato criado por lei, mas imputado por ela à Administração, independentemente de ser de deferimento ou de indeferimento.

Já o Professor Marcelo Rebelo de Sousa sustenta que o ato tácito é mais do que um mero facto jurídico, mas menos que um ato administrativo ou a sua ficção, sendo, portanto, uma omissão juridicamente relevante, já que corresponde à não adoção de ações possíveis, em violação de um dever de agir. A omissão subjacente ao ato tácito é sempre ilegal por violação do dever legal de decisão e do respetivo direito subjetivo do particular requente à emissão de um ato administrativo decisório.


Historicamente, o ato tácito surge para evitar a ausência de controlo do silêncio e a inércia das estruturas da Administração Pública, tendo por principal finalidade a de impedir que esta encontre no silêncio uma forma de evitar ser fiscalizada pelos tribunais.

Atualmente, o NCPA menciona apenas o ato tácito de deferimento. Todavia, na vigência do CPA anterior, agora revogado, existiam dois tipos de atos tácitos.

Primeiramente, tínhamos o ato tácito de indeferimento, que traduzia a negação da pretensão do particular. O particular requeria algo à Administração Pública e no silêncio desta, tudo decorria como se a sua pretensão tivesse sido recusada, podendo assim abrir-se a via contenciosa e recorrer-se aos tribunais administrativos para impugnar esta decisão.

Em segundo lugar, tínhamos o ato tácito de deferimento, que traduzia a satisfação da pretensão do particular. O silêncio teria efeitos positivos, tudo decorria como se do órgão administrativo proviesse uma resposta positiva ao administrado.

De acordo com o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o deferimento tácito teria um alcance processual e substantivo, na medida em que possibilitava ao interessado exercer imediatamente a posição jurídica subjetiva em causa, sem esperar por qualquer decisão administrativa ou jurisdicional sobre ela.

O ato tácito de indeferimento era a regra geral no Direito Administrativo português, admitindo-se o deferimento tácito apenas nos casos expressamente previstos na lei (artigo 109º do CPA, hoje revogado).

Fruto do desaparecimento do indeferimento tácito, desde 2004, com a reforma do contencioso administrativo, são estipulados três tipos de consequências aplicáveis às omissões legais da Administração: recurso aos meios de tutela administrativa; recurso aos meios de tutela jurisdicional; e deferimento tácito da pretensão formulada.

O efeito que se pretendia obter com o indeferimento tácito consegue agora alcançar-se através das regras do contencioso administrativo, nomeadamente através da ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido, que permitem aos particulares verem satisfeitos os seus direitos (artigo 129º, parte final do NCPA, artigo 268º/4 da CRP e artigos 66º e seguintes do CPTA).

Hoje em dia, o silêncio tem efeitos neutros. Para ter efeitos positivos, é necessário expressa disposição legal nesse sentido. 

O deferimento tácito é, portanto, a única modalidade de ato tácito atualmente existente no direito administrativo português.

O deferimento tácito pode não resultar diretamente do silêncio decisório da Administração, mas antes da ausência de notificação da decisão final (art. 130º/1 do NCPA).

Os pressupostos legais para a verificação do ato tácito de deferimento encontram-se explanados no art. 130º do NCPA, sendo eles: a apresentação de um requerimento com pedido para a prática de ato administrativo que defina a situação jurídica do particular; que esse requerimento tempestivo seja dirigido ao órgão competente (artigo 130º/1 do NCPA); que exista por parte do referido órgão o dever legal de decisão (artigo 13º/2 NCPA); que tenha decorrido o prazo legal, sem que haja sido tomada uma decisão expressa sobre o pedido (artigos 87º, 128º e 130º/2 e 3 do NCPA); e que a lei ou regulamento atribuam o significado de deferimento tácito ao silêncio.

O NCPA remete, agora, para leis especiais que, em concreto, particularizam o regime geral e os pressupostos dos atos tácitos.

O NCPA dá também, nos dias de hoje, relevância à notificação da decisão (e não à própria decisão administrativa) para efeitos de deferimento tácito, como forma de garantir a eficácia e segurança jurídica.

Segundo o Professor João Miranda, o deferimento tácito não se confunde com a comunicação prévia, consistindo numa forma de superar a inércia da Administração (artigo 134º/3 NCPA). A ausência de pronúncia administrativa em relação à comunicação apresentada pelo particular não permite inferir a formação de um deferimento tácito.

De acordo com o Professor José Fontes, não existe um elenco previsto no NCPA de casos de atos deferimento tácito, o que, a seu ver, simboliza um retrocesso garantístico dos particulares.

Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, a previsão do deferimento tácito constitui uma ameaça para a realização do interesse público e para a garantia dos direitos dos terceiros interessados no procedimento administrativo. Os deferimentos tácitos protegem unilateralmente os direitos de uma das partes, quando a maior parte das relações jurídicas de hoje são de natureza multilateral. Tal revela a sua incapacidade para lidar com os problemas da Administração infraestrutural.

O Professor Vasco Pereira da Silva e o Professor Tiago Macieirinha sustentam que o deferimento tácito é uma ficção legal, mas que a este não se pode aplicar o regime próprio dos atos administrativos. Pretender sujeitar o deferimento tácito ao regime dos atos administrativos conduziria à sua ilegalidade, pelo menos por preterição de formalidades essenciais, já que o silêncio da Administração não as poderia satisfazer.

Como tal, o deferimento tácito não tem a natureza de ato administrativo, não podendo desempenhar a função estabilizadora que a ordem jurídica reserva à prática dos atos jurídicos.

O Professor Marcelo Rebelo de Sousa defende que seria proveitosa a eliminação do deferimento tácito da ordem jurídica portuguesa, acompanhada da introdução de mecanismos alternativos de resolução dos problemas substantivos criados pelas omissões administrativas.


BIBLIOGRAFIA

Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2016

Antunes, Tiago, A decisão no novo Código do Procedimento Administrativo in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, 3ª edição, volume I e II, AAFDL Editora, Lisboa, 2016

Araújo, Ricardo Raposo, O princípio da decisão e a reforma do Código de Procedimento Administrativo, Tese de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2004/2005

Fontes, José, Curso sobre o Novo Código do Procedimento Administrativo, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2017

Fragoso, Fernanda, O dever legal de decidir na Administração pública, Tese de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010

Miranda, João, A comunicação prévia no novo Código do Procedimento administrativo in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, 3ª edição, volume I e II, AAFDL Editora, Lisboa, 2016

Silva, Vasco Pereira da; Macieirinha, Tiago, Agir não agindo – Da insustentabilidade do Deferimento Tácito in Direito e Justiça – Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa: Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, volume III, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015

Silveira, João Tiago da, A simplificação administrativa in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, 3ª edição, volume I e II, AAFDL Editora, Lisboa, 2016

Silveira, João Tiago da, O deferimento tácito, Tese de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1999

Sousa, Marcelo Rebelo de; Matos, André Salgado de, Direito Administrativo Geral - Atividade administrativa, 1ª edição, volume III, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2007

Joana Cardoso, subturma 10, nº 57075

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