Neste post pretendo abordar as situações em que o subalterno recebe uma
ordem ilícita ou ilegal do seu superior e como deve reagir.
O dever de obediência está intinsecamente relacionado
com a hierarquia, sendo que será imprescindível compreender este conceito para
compreender este dever.
Existem dois tipo de
hierarquias:
A hierarquia interna cuja finalidade é
estabelecer o ordenamento das actividades do serviço e a divisão vertical de tarefas entre
os diferentes agentes de um mesmo serviço Não tem projecção no exterior;
A hierarquia externa, que consiste
na divisão vertical de tarefas entre os diferentes órgãos da Administração Os
seus actos são externos, projectando-se na esfera jurídica de outros sujeitos
de direito.
No que diz respeito à organização dos serviços
públicos, estes podem ser organizados segundo três critérios:
Organização horizontal (segundo distribuição de
serviços pelas pessoas colectivas públicas e, dentro destas, a matéria e o tipo de actividades que
desempenham), territorial (segundo o território e o âmbito nacional da organização central e periférica) e vertical
(segundo a hierarquia, exprime a estruturação dos serviços em função da sua
distribuição por diversos graus ou escalões relacionados entre si em termos de
supremacia e subordinação).
Será de relevo a organização vertical para a
compreenção do dever de obediência.
Conceito de
hierarquia administrativa
Para o Professor Freitas do Amaral,
hierarquia “é o modelo de organização administrativa vertical, constituído por
dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo
jurídico que confere ao superior o poder de direcção e impõe ao subordinado o
dever de obediência”.
Já para o Professor Marcello Caetano
“A hierarquia dos serviços consiste no seu ordenamento em unidades que
compreendem subunidades de um ou mais graus e podem agrupar-se em grandes
unidades, escalando-se os poderes dos respetivos cheves de modo a assegurar a harmonia
de todo um conjunto”
Para se poder falar em hierarquia é
necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos:
- A existência de um vínculo jurídico entre dois ou mais órgãos e agentes administrativos,
superior e subalterno;
- Tanto o superior como o subalterno devem actuar para a prossecução de
atribuições legais
- Vínculo jurídico constituído pelo poder de direcção e pelo dever de obediência
entre superior e subalterno
Os poderes do superior
Nas relações hierárquicas os
superiores hierárquicos possuem um conjunto de poderes, entre os quais são de
destacar os seguintes:
O poder de direcção - faculdade de
dar ordens e instruções ao subordinado: Ordens
correspondem a comandos individuais e concretos, e instruções consistem
em comandos gerais e abstractos;
O poder de supervisão - capacidade
de confirmar, revogar ou suspender os actos do subordinado;
O poder disciplinar – possibilidade
de aplicar sanções disciplinares ao
subordinado em virtude das infracções deste à disciplina da administração.
Dever de Obediência
O dever de obediência é o principal
dever típico da relação hierárquica. É o dever de acatar e cumprir as ordens do
legítimo superior hierárquico, estando consagrado no art. 73º nº8 da Lei Geral do
Trabalho em Função Pública (LGTFP), que dispõe: “O dever de obediência consiste
em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em
objecto de serviço e com a forma legal”.
Para haver dever de obediência a
ordem/instrução deve cumprir certos requisitos: Deve provir de legítimo
superior hierárquico do subalterno em causa; deve ser dada em matéria de
serviço; tem de revestir a forma legal
prescrita.
Coloca-se a questão de saber se a
ordem conferida for ilegal ou ilícita se subalterno terá ou não a obrigação de
a acatar.
Correntes
Existem duas correntes, hierárquica
e legalista, que procuram responder a esta questão.
A corrente hierárquica defende a
existência de um dever de obediência, não competindo ao funcionário apreciar a
legalidade da ordem recebida, o que seria ir contra a razão de ser da hierarquia,
já que ficaria na mão do subalterno decidir a legalidade das ordens do seu
superior. O subalterno poderá apenas expor as suas dúvidas, embora tenha sempre
de cumprir com aquilo que for decidido pelo seu superior.
Esta posição foi defendida pelos
autores estrangeiros Otto Mayer, Laband e Nézard
O Prof. Marcello Caetano terá
adoptado a corrente hierárquica, embora “ temperada nos termos em que está
regulada na lei portuguesa”.
Para corrente legalista, não há um
dever do funcionário de obedecer às ordens que considere ilegais. Esta corrente
engloba diversas opiniões, desde uma concepção mais restrita onde o funcionário
apenas pode desobedecer legitimamente a uma ordem caso o cumprimento da mesma
implicasse prática de um crime; até uma concepção mais alargada em que nunca
seria devida obediência em casos de ilegalidade, pois a lei encontra-se
acima. Na posição intermédia, o dever de obediência cessa se a ordem for patente ou
inequivocamente ilegal, por ser contrária à letra ou ao espírito da lei.
Esta corrente foi defendida por
Hauriu e Jezé ou Orlando e Santi Romano. João Tello de Magalhães Collaço
defensor de uma solução legalista, considera que não deve o subalterno obedecer
a nenhuma ordem ilegal, dada a necessária supremacia da lei sobre a hierarquia.
A principal argumentação da corrente
legalista corresponde ao respeito pelo princípio do Estado de Direito
Democrático e pelo princípio da legalidade da actuação da Administração Pública.
O Professor Freitas do Amaral, também
com base nestes princípios, opta por uma posição legalista moderada, e afirma ainda que “o
dever de obediência a ordens ilegais é, na verdade, uma excepção ao princípio da legalidade, mas é uma excepção
que é legitimada pela própria Constituição”.
Na opinião do Prof. Vasco Pereira da
Silva termina o dever de obediência sempre que estejam em causa direitos
fundamentais ou a dignidade da pessoa humana (art.º 133º alínea d) do CPA).
Corrente consagrada
em Portugal
Procuraremos agora identificar a
corrente consagrada pelo ordenamento jurídico português.
Durante a vigência da Constituição de
1933 podemos dizer que a corrente hierárquica era a que prevalecia devido à natureza
autoritária do regime.
Actualmente vigora no ordenamento
português o sistema legalista mitigado, uma vertente mais suave da corrente
legalista, sendo resultado do art. 271º /2 e 271º/3 da CRP, do art.177º nº2 e
nº5 da LGTFP, bem como no art. 10º do Estatuto Disciplinar da Função Pública.
Os traços essenciais do regime
jurídico são os seguintes.
·
Cessa o
dever de obediência se o cumprimento da ordem em questão implicar a prática de
um crime pelo subordinado;
·
Se o
subordinado tiver determinada ordem recebida por ilegal fica excluído da
responsabilidade pelas consequências da execução da ordem se antes da sua
execução tiver reclamado ou exigido a transmissão ou confirmação delas
por escrito, fazendo menção de forma expressa de que considera ilegais as ordens
recebidas (Estatuto Disciplinar, art. 10.º n.º 1 e 2). Já nos casos em
que tenha sido dada uma ordem com menção de cumprimento imediato, será
suficiente para a exclusão da responsabilidade que a reclamação seja
eviada logo após a execução desta (Estatuto Disciplinar, art. 10.º, n.4).
·
Caso antes
de proceder à execução, o agente tiver reclamado ou exigido a transmissão ou
confirmação da ordem por escrito, duas hipóteses se podem verificar (Estatuto
Disciplinar, art. 10.º, n.3). No caso em que a execução demorada da ordem não
cause prejuízo ao interesse público, o agente pode retardar a execução sem
que esteja a incorrer em desobediência. Já nos casos em que cause prejuízo, o
agente deverá comunicar por escrito ao seu superior os termos da ordem recebida
e o respetivo pedido formulado e logo executar a ordem, sem que possa assim ser
responsabilizado.
Também não existe dever de obediência quando as ordens
provenham de um acto nulo (art.º 134º n.º1 do CPA)
Conclusão
Após esta análise concluo que a obediência não
é um dever absoluto já que ficou demosntrada a existência de várias excepções e
que possibilidade de desobediência a ordens ilegais provenientes do superior
hierárquico, apesar de poder ser factor de indisciplina nos serviços públicos, é
absolutamente necessária como forma a impedir que normas ilegais sejam acatadas
e executadas e para prevenir que a Administração Pública use os seus
subalternos para prosseguir fins ilícitos, baseando-se no dever de obediência destes.
Mesm assim continua em muitos casos a
existir dever de cumprir ordens ilícitas ou ilegais o que cosidero
contrapruducente e contrário ao princípio
da legalidade a que está sujeita a Administração, já que ordem ilegal
mesmo sendo acatada, mantém-se ilegal.
Bibliografia
AMARAL Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo,
volume I, 4.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2015
CAETANO, Marcelo, Manual de Direito Administrativo, I e II;
CAUPERS João , Introdução ao Direito
Administrativo, 10ª edição, 2009
OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Vol. I,
Almedina, 2013;
Inês
Silva, 29879
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