quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

O dever de obediência na hierarquia administrativa

  Neste post pretendo abordar as situações em que o subalterno recebe uma ordem ilícita ou ilegal do seu superior e como deve reagir.
O dever de obediência está intinsecamente relacionado com a hierarquia, sendo que será imprescindível compreender este conceito para compreender este dever.

Existem dois tipo de hierarquias: 
A hierarquia interna cuja finalidade é estabelecer o ordenamento das actividades do serviço e a divisão vertical de tarefas entre os diferentes agentes de um mesmo serviço Não tem projecção no exterior;
A hierarquia externa, que consiste na divisão vertical de tarefas entre os diferentes órgãos da Administração Os seus actos são externos, projectando-se na esfera jurídica de outros sujeitos de direito.
           
No que diz respeito à organização dos serviços públicos, estes podem ser organizados segundo três critérios:
Organização horizontal (segundo distribuição de serviços pelas pessoas colectivas públicas e, dentro destas, a matéria e o tipo de actividades que desempenham), territorial (segundo o território e o âmbito nacional da  organização central e periférica) e vertical (segundo a hierarquia, exprime a estruturação dos serviços em função da sua distribuição por diversos graus ou escalões relacionados entre si em termos de supremacia e subordinação).   
Será de relevo a organização vertical para a compreenção do dever de obediência.
Conceito de hierarquia administrativa

Para o Professor Freitas do Amaral, hierarquia “é o modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direcção e impõe ao subordinado o dever de obediência”.
              
Já para o Professor Marcello Caetano “A hierarquia dos serviços consiste no seu ordenamento em unidades que compreendem subunidades de um ou mais graus e podem agrupar-se em grandes unidades, escalando-se os poderes dos respetivos cheves de modo a assegurar a harmonia de todo um conjunto”

Para se poder falar em hierarquia é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos:
            - A existência de um vínculo jurídico entre dois ou mais órgãos e agentes administrativos, superior e subalterno;
            - Tanto o superior como o subalterno devem actuar para a prossecução de atribuições legais
            - Vínculo jurídico constituído pelo poder de direcção e pelo dever de obediência entre superior e subalterno

Os poderes do superior

Nas relações hierárquicas os superiores hierárquicos possuem um conjunto de poderes, entre os quais são de destacar os seguintes:

O poder de direcção - faculdade de dar ordens e instruções ao subordinado: Ordens  correspondem a comandos individuais e concretos, e instruções consistem em comandos gerais e abstractos;

O poder de supervisão - capacidade de confirmar, revogar ou suspender os actos do subordinado;
O poder disciplinar – possibilidade de aplicar  sanções disciplinares ao subordinado em virtude das infracções deste à disciplina da administração.

Dever de Obediência

O dever de obediência é o principal dever típico da relação hierárquica. É o dever de acatar e cumprir as ordens do legítimo superior hierárquico, estando consagrado no art. 73º nº8 da Lei Geral do Trabalho em Função Pública (LGTFP), que dispõe: “O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal”.

Para haver dever de obediência a ordem/instrução deve cumprir certos requisitos: Deve provir de legítimo superior hierárquico do subalterno em causa; deve ser dada em matéria de serviço; tem de revestir a forma legal prescrita.       

Coloca-se a questão de saber se a ordem conferida for ilegal ou ilícita se subalterno terá ou não a obrigação de a acatar.

Correntes

Existem duas correntes, hierárquica e legalista, que procuram responder a esta questão.

A corrente hierárquica defende a existência de um dever de obediência, não competindo ao funcionário apreciar a legalidade da ordem recebida, o que seria ir contra a razão de ser da hierarquia, já que ficaria na mão do subalterno decidir a legalidade das ordens do seu superior. O subalterno poderá apenas expor as suas dúvidas, embora tenha sempre de cumprir com aquilo que for decidido pelo seu superior.
Esta posição foi defendida pelos autores estrangeiros Otto Mayer, Laband e Nézard
O Prof. Marcello Caetano terá adoptado a corrente hierárquica, embora “ temperada nos termos em que está regulada na lei portuguesa”.
 
Para corrente legalista, não há um dever do funcionário de obedecer às ordens que considere ilegais. Esta corrente engloba diversas opiniões, desde uma concepção mais restrita onde o funcionário apenas pode desobedecer legitimamente a uma ordem caso o cumprimento da mesma implicasse prática de um crime; até uma concepção mais alargada em que nunca seria devida obediência em casos de ilegalidade, pois a  lei encontra-se acima. Na posição intermédia, o dever de obediência cessa se a ordem for patente ou inequivocamente ilegal, por ser contrária à letra ou ao espírito da lei.

Esta corrente foi defendida por Hauriu e Jezé ou Orlando e Santi Romano. João Tello de Magalhães Collaço defensor de uma solução legalista, considera que não deve o subalterno obedecer a nenhuma ordem ilegal, dada a necessária supremacia da lei sobre a hierarquia.

A principal argumentação da corrente legalista corresponde ao respeito pelo princípio do Estado de Direito Democrático e pelo princípio da legalidade da actuação da Administração Pública.

O Professor Freitas do Amaral, também com base nestes princípios, opta por uma posição legalista moderada, e afirma ainda que “o dever de obediência a ordens ilegais é, na verdade, uma excepção ao princípio da legalidade, mas é uma excepção que é legitimada pela própria Constituição”.

Na opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva termina o dever de obediência sempre que estejam em causa direitos fundamentais ou a dignidade da pessoa humana (art.º 133º alínea d) do CPA).


Corrente consagrada em Portugal

Procuraremos agora identificar a corrente consagrada pelo ordenamento jurídico português.
Durante a vigência da Constituição de 1933 podemos dizer que a corrente hierárquica era a que prevalecia devido à natureza autoritária do regime.

Actualmente vigora no ordenamento português o sistema legalista mitigado, uma vertente mais suave da corrente legalista, sendo resultado do art. 271º /2 e 271º/3 da CRP, do art.177º nº2 e nº5 da LGTFP, bem como no art. 10º do Estatuto Disciplinar da Função Pública.
Os traços essenciais do regime jurídico são os seguintes.

·         Cessa o dever de obediência se o cumprimento da ordem em questão implicar a prática de um crime pelo subordinado;

·         Se o subordinado tiver determinada ordem recebida por ilegal fica excluído da responsabilidade pelas consequências da execução da ordem se antes da sua execução tiver reclamado ou exigido a transmissão ou confirmação delas por escrito, fazendo menção de forma expressa de que considera ilegais as ordens recebidas (Estatuto Disciplinar, art. 10.º n.º 1 e 2). Já nos casos em que tenha sido dada uma ordem com menção de cumprimento imediato, será suficiente para a exclusão da responsabilidade que a reclamação seja eviada logo após a execução desta (Estatuto Disciplinar, art. 10.º, n.4).

·         Caso antes de proceder à execução, o agente tiver reclamado ou exigido a transmissão ou confirmação da ordem por escrito, duas hipóteses se podem verificar (Estatuto Disciplinar, art. 10.º, n.3). No caso em que a execução demorada da ordem não cause prejuízo ao interesse público, o agente pode retardar a execução sem que esteja a incorrer em desobediência. Já nos casos em que cause prejuízo, o agente deverá comunicar por escrito ao seu superior os termos da ordem recebida e o respetivo pedido formulado e logo executar a ordem, sem que possa assim ser responsabilizado.


Também não existe dever de obediência quando as ordens provenham de um acto nulo (art.º 134º n.º1 do CPA)

Conclusão

 Após esta análise concluo que a obediência não é um dever absoluto já que ficou demosntrada a existência de várias excepções e que possibilidade de desobediência a ordens ilegais provenientes do superior hierárquico, apesar de poder ser factor de indisciplina nos serviços públicos, é absolutamente necessária como forma a impedir que normas ilegais sejam acatadas e executadas e para prevenir que a Administração Pública use os seus subalternos para prosseguir fins ilícitos, baseando-se no dever de obediência destes.
Mesm assim continua em muitos casos a existir dever de cumprir ordens ilícitas ou ilegais o que cosidero contrapruducente e contrário ao princípio da legalidade a que está sujeita a Administração, já que ordem ilegal mesmo sendo acatada, mantém-se ilegal.

Bibliografia

AMARAL Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume I, 4.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2015
CAETANO, Marcelo, Manual de Direito Administrativo, I e II;
CAUPERS João , Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição, 2009
OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, 2013;



Inês Silva, 29879

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