quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

As Instituições Particulares de Interesse Público

Apesar do principal estudo do Direito Administrativo recair sobre a Administração Pública, que é composta por várias instituições públicas, esta área do Direito tem também de estudar algumas categorias de entidades privadas, nomeadamente aquelas que pela atividade a que se dedicam têm de ser consideradas na ótica do interesse geral. Estou aqui a referir-me a instituições particulares com interesses públicos. Tratam-se de entidades privadas, criadas por iniciativa particular, que prosseguem fins de interesse público e, por isso, ficam sujeitas por lei a um regime parcialmente traçado pelo Direito Administrativo.
A estas entidades chamava o Professor Marcello Caetano de "pessoas coletivas de direito privado e regime administrativo". No entanto, não é a definição mais correta pois o seu regime jurídico não é só administrativo, sendo então um misto deste com direito privado. Dizia-nos também que a prática de atos executórios e o exercício de poderes de autoridade por privados deveriam ser explicados pelo instituto da representação – “As pessoas coletivas de direito privado exercem poderes de autoridade quando concessionadas e, portanto, em nome alheio, isto é, representando a pessoa pública concedente e por delegação dela.”
O facto de serem entidades privadas com interesse público faz com que o seu regime jurídico seja traçado com normas de direito privado e direito público.
O professor Diogo Freitas do Amaral define estas entidades como "pessoas coletivas privadas que, por prosseguirem fins de interesse público, têm o dever de cooperar com a Administração Pública e ficam sujeitas, em parte, a um regime especial de Direito Administrativo."
Estas entidades são necessárias pois nem sempre a Administração Pública pode arcar com todas as tarefas que é necessário desenvolver, encarregando particulares e empresas privadas de desempenharem funções administrativas, como as concessões de serviços públicos ou de obras públicas. Tratam-se de atividades administrativas cujo desempenho é confiado a entidades particulares – exercício privado de funções públicas.
A privatização é um processo de deslocação de uma tarefa ou função pública para o setor privado. Esta pode resultar, não do abandono, mas de uma erosão de qualidade dos serviços públicos, favorecendo o mercado ao criar a convicção social de que o Estado não se encontra em condições de produzir, em quantidade e qualidade, certos serviços de que os cidadãos carecem. Este facto mostra uma retração do Estado, que promove a substituição da sua intervenção pela ação dos particulares.
A lei pode também considerar que certas coletividades privadas são tão relevantes no plano do interesse coletivo que decide submetê-las a uma fiscalização permanente,  como ocorre com as sociedades de interesse coletivo junto das quais é designado um delegado do governo. São atividades privadas sistematicamente fiscalizadas pela Administração Pública, o chamado controlo público de atividades privadas.
Por último, a lei pode admitir em determinadas áreas de atividade, que sejam criadas entidades privadas, por iniciativa particular, para se dedicarem à prossecução de tarefas de interesse geral, que serão realizadas em simultâneo com a realização de atividades idênticas pela Administração Pública, como ocorre com as instituições de beneficência. Ocorre um exercício simultâneo da mesma atividade por entidades de direito público e privado – coexistência colaborante entre atividades públicas e privadas.
As instituições particulares de interesse público têm as seguintes características:

  •     São pessoas coletivas privadas, resultantes de iniciativa privada
  •     Desempenham tanto uma atividade administrativa de gestão pública como de gestão privada
  •     O regime jurídico a que estão sujeitas é um misto de direito privado e de Direito Administrativo.
Trata-se de um modo de descentralização funcional do setor público, por transferência de poderes próprios deste para a órbita do setor privado, ou por autorização da concorrência dos particulares com a Administração no desempenho de certas tarefas comuns.
Segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, podemos falar de quatro espécies de instituições particulares de interesse público:

  •  As sociedades de interesse coletivo;
  •    As pessoas coletivas de mera utilidade pública;
  •   As instituições particulares de solidariedade social;
  • As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa
Segundo o Decreto-Lei 460/77, de 7 de Novembro, todas as espécies de instituições supra referidas, com exceção da primeira, são pessoas coletivas de utilidade pública. Podemos então concluir que as instituições particulares de interesse público se dividem em duas espécies – sociedades de interesse coletivo e pessoas coletivas de utilidade pública -, sendo que esta última espécie se subdivide em três subespécies – pessoas coletivas de mera utilidade pública, instituições particulares de solidariedade social, pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.

Sociedades de Interesse Coletivo
As sociedades de interesse coletivo podem ser definidas como “empresas privadas, de fim lucrativo, que por exercerem poderes públicos ou por estarem submetidas a uma fiscalização especial da Administração Pública, ficam sujeitas a um regime jurídico específico traçado pelo Direito Administrativo.”
Podemos então assinalar que o principal traço caracterizador destas sociedades é o facto de terem fins lucrativos. A lei sujeita estas empresas privadas a um regime jurídico-administrativo, que se sobrepõe ao regime de direito comum aplicável às empresas privadas.
Passarei de seguida a enunciar as principais espécies de sociedades de interesse coletivo:

  •     Sociedades concessionárias de serviços públicos, de obras públicas, ou de exploração de bens de domínio público; 
  •     Empresas que prestem serviços públicos ou de interesse geral;
  •     Empresas participadas que prestem serviços públicos ou de interesse geral;
  •     Outras empresas que exerçam poderes públicos;
  •     Empresas que exerçam atividades em regime de privilégio não conferido por lei geral
O regime jurídico destas sociedades é um regime duplo, na medida em que é definido tanto por privilégios especiais como por deveres especiais, a que a generalidade das empresas privadas não se submete. Entre os privilégios podemos citar as isenções fiscais ou a possibilidade de beneficiar, quanto às obras que empreendem, do regime jurídico das empreitadas de obras públicas. Quanto às sujeições, as principais são o princípio de que o salário mensal de base não pode exceder o vencimento de Ministro e que o funcionamento destas empresas pode achar-se submetido à fiscalização efetuada por delegados do Governo.
Quanto à sua natureza jurídica, é sabido que as pessoas coletivas privadas não fazem parte da Administração Pública. No entanto, quanto a estas entidades, há duas teses: a tese clássica diz que estas entidades, por serem privadas, não fazem parte da Administração Pública, são somente colaboradores, não podendo ser considerados parte integrante; a segunda tese diz que estas entidades, por exercerem funções públicas, tornam-se órgãos indiretos da Administração.

Pessoas Coletivas de Utilidade Pública
As pessoas coletivas de utilidade pública consistem em associações e fundações sem fins lucrativos, e são vistas pela lei como entidades de utilidade particular ou como entidades de utilidade pública. São de utilidade particular as pessoas coletivas privadas que desenvolvem atividades que não tenham especial interesse para a comunidade, mas apenas para grupos privados e as pessoas coletivas privadas que, embora visem interesses gerais, não cooperem com a Administração Pública.
São pessoas coletivas de utilidade pública, segundo o DL 460/77, de 7 de Novembro, “as associações e fundações de direito privado que prossigam fins não lucrativos de interesse geral, cooperando com a Administração central ou local, em termos de merecerem da parte desta a declaração de utilidade pública.”, Como as Misericórdias, as associações de bombeiros voluntários, as creches e jardins-de-infância, os lares de idosos, a sopa dos pobres, entre outras.
Estas pessoas coletivas podem ser classificadas segundo diferentes critérios:
·         Quanto à natureza do substrato, dividem-se em associações, fundações e cooperativas;
·         Quanto ao âmbito territorial de atuação, são pessoas coletivas de utilidade pública geral, regional ou local, conforme os fins que prossigam;
·         Quanto aos fins que prosseguem e ao regime jurídico a que estão sujeitas, há três espécies de pessoas coletivas de utilidade pública:
- Pessoas coletivas de mera utilidade pública, como clubes desportivos – Compreendem todas as pessoas coletivas de utilidade pública que não sejam instituições particulares de solidariedade social nem pessoas coletivas de utilidade pública administrativa;
- Instituições particulares de solidariedade social, sendo disso exemplo as Misericórdias – As que se constituem pelo dever moral de solidariedade, como fins de apoio à família, a crianças e jovens, entre outros;
- Pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, por exemplo as associações de bombeiros voluntários.
Há uma graduação da intervenção da Administração Pública nestas três espécies de pessoas coletivas de utilidade pública, sendo que tal intervenção é mínima nas pessoas coletivas de mera utilidade pública, de tipo intermédio nas instituições particulares de solidariedade social e máxima nas pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.
O regime jurídico das pessoas coletivas de utilidade pública, apesar de privadas, têm um regime específico traçado pelo Direito Administrativo, legislado no Decreto-Lei 460/77, de 7 de Novembro. Sendo instituições que reúnem avultados patrimónios, são fiscalizadas para garantir que a utilização desse mesmo património não ocorre no interesse pessoal do administrador. Este regime jurídico é o regime geral das pessoas coletivas de utilidade pública, aplicando-se às três espécies desta categoria. O regime de Direito Administrativo a que ficam sujeitas é um regime misto, pois estas entidades beneficiam de privilégios vedados às pessoas coletivas privadas em geral, bem como a sua sujeição a encargo especiais a que também não estão sujeitas as demais pessoas coletivas.
Quanto à natureza jurídica destas pessoas coletivas, também se discute se têm natureza privada ou pública, portanto, se se limitam a cooperar com a Administração sem dela fazerem parte, ou se são elementos integrantes do setor público. Na opinião do Professor Diogo Freitas do Amaral, as pessoas coletivas de utilidade pública são entidades privadas. Menciona também o conjunto formado pelas associações e fundações de utilidade pública, que não têm fins lucrativos e cooperam com a Administração Pública, devendo-lhes ser aplicada a expressão anglo-saxónica “third sector”, por ser um setor à parte dos setores privado e público.

Para concluir, e nas palavras do Professor Pedro Costa Gonçalves, o interesse público não constitui um monopólio do Estado ou da Administração Pública. É necessário considerar que os interesses privados aparecem frequentemente interligados aos interesses públicos e que por esse motivo e pelo “overload” de funções do Estado, este delega algumas responsabilidades na Sociedade. Verifica-se então um incremento da participação de setores privados na prossecução de interesses públicos.

Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo: Volume I. 4.edição. Almedina, 2016

GONÇALVES, Pedro Costa. Entidades Privadas com Poderes Públicos. Almedina, 2008


Decreto-Lei 460/77, de 7 de Novembro


Madalena Dória, aluna nº 56754

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