quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Caso Prático "Notícia da Gazeta do Sousa"

Em primeiro lugar importa explicar que estamos perante um município. O município é uma pessoa coletiva pública que prossegue interesses próprios. Trata-se de um tipo de Autarquia local nos termos em que vem definida no artigo 235º/2 da CRP. Tratando-se de uma pessoa coletiva diferente do Estado e que prossegue interesses próprios, o município integra a Administração autónoma. Isto quererá dizer que, de acordo com o artigo 199º/d) da CRP, ficará somente sujeito ao poder de tutela administrativa do Governo.
São órgãos do município, nos termos da CRP e da LAL (Lei nº 75/2013 de 12 de Setembro): a câmara municipal, a assembleia municipal e o Presidente da câmara.

No caso em análise deparamo-nos com a atuação de Manuel Limpo, vereador da câmara municipal de Celorico do Sousa. 

Comecemos por analisar as atribuições desta pessoa coletiva.


Está em causa o “Combate ao narcotráfico”. Ora, esta matéria não se enquadra em nenhuma das alíneas do artigo 23º da LAL, que estabelece as atribuições desta pessoa coletiva, pelo que, ainda que o preceito use o advérbio de modo “designadamente”, se deverá concluir que não cabia ao município a prossecução deste fim.

Ainda que existam Conselhos de Segurança municipais, cujos objetivos englobam o acompanhamento e apoio de ações destinadas à prevenção da toxicodependência (alínea g do artigo 4º da Lei dos conselhos municipais de segurança  ou Lei nº 33/98), as competências destes conselhos são meramente no âmbito de emissão de pareceres.

Dever-se-á ainda considerar que esta matéria também não se enquadra em nenhuma das competências da Polícia municipal enumeradas no artigo 2º da Lei da polícia municipal ( Lei nº 19/2004, de 20 de Maio).

Este domínio pertence antes às atribuições de uma outra pessoa coletiva: o Estado. Mais concretamente, à Guarda Nacional Republicana (GNR), enquanto força de segurança integrada na Administração direta.

Segundo o artigo 3º/1, alínea c) da Lei Orgânica da GNR (Lei n.º 63/2007 de 6 de Novembro), constitui uma atribuição desta entidade, a “prevenção da criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança”. Ainda de acordo com a alínea e) cabe à GNR “desenvolver as ações de investigação criminal e contraordenacional que lhe sejam atribuídas por lei, delegadas pelas autoridades judiciárias ou solicitadas pelas autoridades administrativas”.


Cabe ainda referir que o combate ao narcotráfico também é uma atribuição da PSP, de acordo com o disposto no artigo 3º/2, alíneas c) e e) da Lei nº 53/2007 de 31 de Agosto (Lei orgânica da Polícia da Segurança Pública).
O desvalor aplicável a um ato praticado na prossecução de atribuições de outra pessoa coletiva é a nulidade, nos termos do artigo 161º/2, alínea b) do CPA.
Desde logo, a ordem do vereador seria nula por incompetência absoluta.
Ainda que esta matéria fosse atribuição do município, que não é o caso, sempre teria que haver uma delegação de poderes, segundo os artigos 34º/1 e 36º/2 da LAL no vereador para que ele tivesse competência para tomar uma decisão destas.
Respondendo à questão: “tinha o vereador Limpo competência para tomar a decisão que tomou?” A meu ver, a resposta seria não. Tratava-se de uma incompetência absoluta.
Será também importante destacar que a decisão tomada pelo vereador se encontra ferida por um outro vício. Um vício agora material. O seu comando consubstancia uma violação do princípio da igualdade, constitucionalmente previsto no artigo 13º, segundo o qual “ninguém pode ser privilegiado ou beneficiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território, origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
Nos temos do artigo 266º/2 da CRP, a Administração fica sujeita ao princípio da igualdade, no exercício das suas funções. Este princípio é igualmente consagrado no CPA (artigo 6º), nos termos do qual, nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual". 
A administração visa a proteção do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos (artigo 266º/1 da CRP). Naturalmente, o direito à igualdade fica englobado nesse elenco que a Administração deve respeitar.
O comando de Manuel Limpo evidenciava uma discrimação em função de raça, idade e sexo.
Um ato que ofende um direito fundamental como é o direito à igualdade (previsto no artigo 13º da CRP) terá como desvalor a nulidade, nos termos do artigo 161º/2, alínea d) do CPA.
Considera-se, ainda, que houve desrespeito pelo princípio da proporcionalidade previsto no artigo 7º do CPA. Isto porque, os meios empregues não foram os mais adequados para prossecução dos fins visados.

Deve então de seguida analisar-se se o comandante do posto da GNR devia obediência à determinação do vereador.
Como anteriormente ficou visto, o município e a GNR são pessoas coletivas inteiramente distintas pelo que não haveria qualquer dever de obediência do comandante do posto da GNR à determinação do vereador.
A GNR é uma força de segurança que se integra no ministério de administração interna, de acordo com o artigo 2º/1 da lei 63/2007 ( Lei orgânica da GNR), que estipula a relação de dependência entre a Guarda e o membro do Governo responsável pela administração interna, e ainda de acordo com o regulamento geral da GNR que foi aprovado por despacho do ministério de administração interna (Despacho nº 10393/2010).
Assim sendo, a haver algum dever de obediência, este teria que decorrer de uma relação hierárquica que só se estabelece dentro do interior de uma pessoa coletiva, e não entre várias. Respondendo à segunda questão, o comandante do posto GNR não devia obediência à determinação do vereador.

De seguida há que analisar se a câmara municipal tinha competência para revogar a decisão do vereador.
 Dos artigos 199º/d) e 242º da CRP, resulta que os municípios estão sujeitos à tutela por parte do Governo, sendo esta exercida, mais especificamente, pelos ministros das finanças e do equipamento, do planeamento e da administração do território nos termos do artigo 5º da Lei nº 27/96 (lei da tutela administrativa).
A tutela revogatória consistiria num poder de revogar os atos administrativos praticados pela entidade tutelada.
Nos termos do artigo 165º/1 do CPA os atos administrativos podem ser revogados, contudo, neste caso, considerei nulo o ato em análise pelo que sempre se concluirá, que em aplicação do artigo 166º/1/a) do CPA, a câmara municipal não poderia revogar revogar este ato.

Finalmente, importa averiguar da atuação de Zé Desenrasca perante a interpelação do sargento.
Nos termos do artigo 21º da CRP, “todos têm o direito de resistir a qualquer ofenda aos seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”. Podemos, desde já, assentar que na situação em causa Zé tinha a faculdade de resistir à ordem de apresentação do sargento comandante do posto da via pública, porém, já não será fácil de sustentar que a sua atuação se tenha contido nos limites do direito fundamental de resistência contra atos nulos. Com efeito, parece excessiva a “desfaçatez” de arrancar com uma navalha todos os botões do casaco da farda do comandante. O exercício do direito de resistência deve limitar-se ao estritamente necessário. Não tendo o comandante partido para o uso da força não me parece que o recurso a um ato físico fosse justificado da parte de Zé.
O direito de resistência pode ser exercido contra particulares ou agentes da autoridade pública mas, enquanto modo de autotutela (tal como é a legítima defesa), está sujeito a critérios de proporcionalidade.

Bibliografia e legislação utilizada


- AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo I, 4ª Edição, Coimbra, 2015;

- LAL (Lei nº 75/2013 de 12 de Setembro);
- Lei dos conselhos municipais de segurança (Lei nº 33/98);
- Lei da polícia municipal ( Lei nº 19/2004, de 20 de Maio);
- Lei Orgânica da GNR (Lei n.º 63/2007 de 6 de Novembro);
- Regulamento geral da GNR, aprovado por despacho do ministério de administração interna (Despacho nº 10393/2010):
- Lei nº 53/2007 de 31 de Agosto (Lei orgânica da Polícia da Segurança Pública);
- Lei da Tutela Administrativa (Lei nº 27/96);
- Código de Procedimento Administrativo e Constituição da República Portuguesa.

Catarina Louro, aluna nº 57110,
Subturma 10, Turma B

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