Caso Prático "Notícia da Gazeta do Sousa"
Em primeiro lugar importa explicar
que estamos perante um município. O município é uma pessoa coletiva pública que
prossegue interesses próprios. Trata-se de um tipo de Autarquia local nos
termos em que vem definida no artigo 235º/2 da CRP. Tratando-se de uma pessoa
coletiva diferente do Estado e que prossegue interesses próprios, o município
integra a Administração autónoma. Isto quererá dizer que, de acordo com o artigo
199º/d) da CRP, ficará somente sujeito ao poder de tutela administrativa do
Governo.
São órgãos do município, nos termos
da CRP e da LAL (Lei nº 75/2013 de 12 de Setembro): a câmara municipal, a assembleia municipal e o Presidente da
câmara.
No caso em análise deparamo-nos com a
atuação de Manuel Limpo, vereador da câmara municipal de Celorico do Sousa.
Está em causa o “Combate ao
narcotráfico”. Ora, esta matéria não se enquadra em nenhuma das alíneas do
artigo 23º da LAL, que estabelece as
atribuições desta pessoa coletiva, pelo que, ainda que o preceito use o
advérbio de modo “designadamente”, se deverá concluir que não cabia ao
município a prossecução deste fim.
Ainda que existam Conselhos de Segurança municipais,
cujos objetivos englobam o acompanhamento e apoio de ações destinadas à
prevenção da toxicodependência (alínea g do artigo 4º da Lei dos conselhos municipais de
segurança ou Lei nº 33/98), as competências destes conselhos são meramente no
âmbito de emissão de pareceres.
Dever-se-á ainda considerar que esta matéria também não se enquadra em nenhuma das competências da Polícia municipal enumeradas no artigo 2º da Lei da polícia municipal ( Lei nº 19/2004, de 20 de Maio).
Este domínio pertence antes às
atribuições de uma outra pessoa coletiva: o Estado. Mais concretamente, à
Guarda Nacional Republicana (GNR), enquanto força de segurança integrada na
Administração direta.
Segundo o artigo 3º/1, alínea c) da
Lei Orgânica da GNR (Lei n.º 63/2007
de 6 de Novembro), constitui uma atribuição desta entidade,
a “prevenção da criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e
serviços de segurança”. Ainda de acordo com a alínea e) cabe à GNR “desenvolver
as ações de investigação criminal e contraordenacional que lhe sejam atribuídas
por lei, delegadas pelas autoridades judiciárias ou solicitadas pelas
autoridades administrativas”.
Cabe ainda referir que o combate ao
narcotráfico também é uma atribuição da
PSP, de acordo com o disposto no artigo 3º/2, alíneas c) e e) da Lei nº
53/2007 de 31 de Agosto (Lei orgânica da Polícia da Segurança Pública).
O desvalor aplicável a um ato
praticado na prossecução de atribuições de outra pessoa coletiva é a nulidade, nos termos do artigo 161º/2, alínea b) do CPA.
Desde logo, a ordem do vereador seria
nula por incompetência absoluta.
Ainda que esta matéria fosse atribuição do município, que não é o caso, sempre teria que
haver uma delegação de poderes, segundo os artigos
34º/1 e 36º/2 da LAL no vereador para que ele tivesse competência para
tomar uma decisão destas.
Respondendo à questão: “tinha o
vereador Limpo competência para tomar a decisão que tomou?” A meu ver, a
resposta seria não. Tratava-se de uma incompetência absoluta.
Será também importante destacar que a
decisão tomada pelo vereador se encontra ferida por um outro vício. Um vício agora material. O seu comando consubstancia uma violação do princípio da igualdade, constitucionalmente previsto no
artigo 13º, segundo o qual “ninguém
pode ser privilegiado ou beneficiado, privado de qualquer direito ou isento de
qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território, origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, situação económica, condição
social ou orientação sexual”.
Nos temos do artigo 266º/2 da CRP, a Administração fica sujeita ao princípio da
igualdade, no exercício das suas funções. Este princípio é igualmente consagrado
no CPA (artigo 6º), nos termos do qual, nas suas relações com os particulares, a
Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo
privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de
qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual".
A administração visa a proteção do
interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente
protegidos pelos cidadãos (artigo
266º/1 da CRP). Naturalmente, o direito
à igualdade fica englobado nesse elenco que a Administração deve respeitar.
O comando de Manuel Limpo evidenciava uma discrimação em função de raça, idade e sexo.
Um ato que ofende um direito
fundamental como é o direito à igualdade (previsto no artigo 13º da CRP) terá como desvalor
a nulidade, nos termos do artigo 161º/2, alínea d) do CPA.
Considera-se, ainda, que houve
desrespeito pelo princípio da
proporcionalidade previsto no artigo
7º do CPA. Isto porque, os meios empregues não foram os mais adequados para
prossecução dos fins visados.
Deve então de seguida analisar-se se
o comandante do posto da GNR devia obediência à determinação do vereador.
Como anteriormente ficou visto, o
município e a GNR são pessoas coletivas inteiramente distintas pelo que não
haveria qualquer dever de obediência do comandante do posto da GNR à
determinação do vereador.
A GNR é uma força de segurança que se
integra no ministério de administração interna, de acordo com o artigo 2º/1 da
lei 63/2007 ( Lei orgânica da GNR), que estipula a relação de dependência
entre a Guarda e o membro do Governo responsável pela administração interna, e ainda
de acordo com o regulamento geral da GNR que foi aprovado por despacho do
ministério de administração interna (Despacho nº 10393/2010).
Assim sendo, a haver algum dever de obediência, este teria que decorrer de uma
relação hierárquica que só se estabelece dentro do interior de uma pessoa
coletiva, e não entre várias. Respondendo à segunda questão, o comandante
do posto GNR não devia obediência à determinação do vereador.
De seguida há que analisar se a
câmara municipal tinha competência para revogar a decisão do vereador.
Dos artigos 199º/d) e 242º da CRP, resulta que
os municípios estão sujeitos à tutela
por parte do Governo, sendo esta exercida, mais especificamente, pelos ministros
das finanças e do equipamento, do planeamento e da administração do território
nos termos do artigo 5º da Lei nº 27/96 (lei da tutela administrativa).
A tutela revogatória consistiria num poder
de revogar os atos administrativos praticados pela entidade tutelada.
Nos termos do artigo
165º/1 do CPA os atos administrativos podem ser revogados, contudo, neste caso,
considerei nulo o ato em análise pelo que sempre se concluirá, que em aplicação do artigo 166º/1/a) do CPA, a câmara
municipal não poderia revogar revogar este ato.
Finalmente, importa averiguar
da atuação de Zé Desenrasca perante a interpelação do sargento.
Nos termos do artigo 21º da CRP, “todos têm o direito
de resistir a qualquer ofenda aos seus direitos, liberdades e garantias e de
repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à
autoridade pública”. Podemos, desde já, assentar que na situação em causa Zé
tinha a faculdade de resistir à ordem de apresentação do sargento comandante do
posto da via pública, porém, já não será fácil de sustentar que a sua atuação
se tenha contido nos limites do direito fundamental de resistência contra atos
nulos. Com efeito, parece excessiva a “desfaçatez” de arrancar com uma navalha
todos os botões do casaco da farda do comandante. O exercício do direito de
resistência deve limitar-se ao estritamente necessário. Não tendo o comandante
partido para o uso da força não me parece que o recurso a um ato físico fosse
justificado da parte de Zé.
O direito de resistência pode ser
exercido contra particulares ou agentes da autoridade pública mas, enquanto
modo de autotutela (tal como é a legítima defesa), está sujeito a critérios de
proporcionalidade.
Bibliografia e legislação utilizada
- AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo I, 4ª Edição, Coimbra, 2015;
- Lei dos conselhos municipais de segurança (Lei nº 33/98);
- Lei da polícia municipal ( Lei nº 19/2004, de 20 de Maio);
- Lei Orgânica da GNR (Lei n.º 63/2007 de 6 de Novembro);
- Regulamento geral da GNR, aprovado por despacho do ministério de administração interna (Despacho nº 10393/2010):
- Lei nº 53/2007 de 31 de Agosto (Lei orgânica da Polícia da Segurança Pública);
- Lei da Tutela Administrativa (Lei nº 27/96);
- Código de Procedimento Administrativo e Constituição da República Portuguesa.
Catarina Louro, aluna nº 57110,
Subturma 10, Turma B
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