segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

A Europeização do Direito Administrativo

A partir dos anos 90 e até aos nossos dias, surge um novo fenómeno na administração dos Estados Europeus denominado de Europeização do Direito Administrativo. Este fenómeno representa uma consequência inevitável do processo de integração europeia ocorrido, no caso português, em 1986 e que exigiu uma alteração do sistema político e económico em vigor para que se pudesse enquadrar nos parâmetros europeus. O Direito da União Europeia é um ramo do Direito relativamente recente, que vem fornecer importantes regras em matéria de Direito Administrativo aos Estados-membros, mas que também se mistura com as suas ordens jurídicas. É um direito que, por ser tão recente e limitado, teve necessidade de se miscigenar com os diferentes ordenamentos jurídicos, encontrando-se envolvidos numa relação obrigacional de aproximação e coordenação mútuas, fazendo surgir um novo sistema administrativo europeu. De acordo com o Professor Fausto de Quadros, o ramo de Direito que mais contribuiu para a construção dogmática do Direito da União Europeia foi o Direito Administrativo.
Segundo o Professor Afonso D’Oliveira Martins, a Europeização dos Direitos Nacionais resulta do imperativo de estes se conformarem com o Direito Europeu. No caso português podemos mencionar o artigo 8º CRP, que determina que as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas, como os atos instituidores da União Europeia, vigoram na ordem interna após a publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado português. É reconhecido na doutrina que o Direito Europeu ocupa uma posição de supremacia em relação ao Direito Interno. O Direito Europeu tem produzido o resultado de aproximar entre si os sistemas administrativos nacionais dos Estados-membros e aproximar as ordens jurídicas de matriz românica e as de common law.
Há uma interdependência entre os Direitos Administrativos nacionais e o Direito Europeu, sendo que o primeiro depende do segundo pela consagração das opções em matérias de políticas públicas no domínio da concorrência, no domínio do ambiente, no domínio do consumo, etc. Esta dependência tanto tem a ver com regras e princípios de Direito Europeu, como tem a ver também com direitos fundamentais à escala europeia, como a Carta dos Direitos Fundamentais que consagra direitos que são relevantes no quadro do Direito Administrativo. No entanto, segundo o Professor Fausto de Quadros, há um princípio de autonomia dos Estados que sujeita a aplicação do Direito Europeu. “No caso de Portugal, institutos tão importantes o Direito Administrativo nacional, como o dos serviços de interesse público geral, dos contratos públicos, das empresas públicas, ou nasceram por via do Direito Comunitário, ou sofreram, por causa dele, grandes alterações.” Mas para que esta aplicação ocorra, os Estados têm de eliminar da respetiva Ordem Jurídica todos os atos contrários ao Direito Europeu. Os Estados têm então de revogar os atos administrativos que sejam inválidos por violarem o Direito Europeu, mesmo os atos constitutivos de direitos.
A aplicação do Direito Europeu constitui encargo dos Estados-membros, ou seja, da respetiva Administração Pública e dos seus tribunais. Quanto aos tribunais, o juiz nacional é também o juiz comunitário, querendo significar que é a ele que compete zelar pela aplicação, por via judicial, do Direito Europeu na ordem interna. É a ele que cabe fiscalizar o respeito, da parte da Administração Pública do respetivo Estado, pelos direitos subjetivos reconhecidos pelo Direito Europeu aos seus cidadãos.
Diz-nos o Professor Paulo Otero que a execução do Direito Europeu não é exclusivo do legislador ou do juiz, pois desenvolve-se toda uma complexa e ampla atividade administrativa implementadora deste direito. A execução administrativa da legalidade comunitária não pertence só a estruturas diretamente integradas na Comunidade Europeia, antes se verifica que a Administração Pública de cada um dos Estados-membros também atua como Administração comunitária. A execução administrativa do Direito Europeu opera-se, principalmente, pela execução indireta, ou seja, sempre que for efetuada pelas diversas estruturas integrantes da Administração Pública dos Estados-membros, ocorrendo uma espécie de desdobramento funcional que converte cada uma das Administrações internas numa “Administração indireta comunitário-europeia”.
Importa também referir o princípio da interpretação das normas dos diferentes ordenamentos jurídicos nacionais conforme ao direito da União que, segundo o Professor João Caupers, se manifesta quando se procura determinar o sentido e alcance de uma norma nacional que, pela sua imprecisão ou ambiguidade, possa ter várias interpretações sendo uma delas contrária a uma regra do Direito da União.
Durante muitos anos, o Direito Administrativo foi visto como um Direito Nacional, ou seja, um direito diferente em cada Estado, não havendo preocupação, por parte dos administrativistas, em estudar as diferentes vertentes. Pelo contrário, Ottomeyer e Maurice Hauriou sentem que não podem conhecer na sua extensão máxima o seu Direito Administrativo nacional sem conhecerem os Direitos alheios, pelo que partem de um estudo aprofundado dos outros direitos nacionais antes de estudarem o seu. A partir dos anos 70 esta vertente do Direito Comparado tornou-se uma vertente essencial.
Atualmente, a dimensão do Direito Comparado no Direito Administrativo é bastante vasta, levando a que o Professor Vasco Pereira da Silva fale em mais duas realidades que, juntamente com este Direito Comparado, formam a ideia de Direito Administrativo sem fronteiras. São elas o Direito Europeu e o Direito Global.
Quanto ao Direito Europeu, para além do que já foi dito anteriormente, importa referir que a principal tarefa do Tribunal de Justiça da União Europeia é criar princípios europeus a partir das regras nacionais dos Estados-membros. Diz-nos o Professor Vasco Pereira da Silva que então, o Direito Comparado é fonte de Direito, designadamente de Direito Europeu pois é esta a fonte utilizada pelos tribunais europeus para a criação do Direito Administrativo. Já não faz sentido, atualmente, falar em direito comunitário. Apesar da União Europeia não ter uma constituição, podemos falar de uma constituição material devido às normas que regulam a organização do poder político, normas que estabelecem a separação de poderes e as normas que regulam os direitos fundamentais.
Quanto ao denominado Direito Global, podemos considerar que é a realidade dos dias de hoje. Este Direito surge num contexto de desvanecimento de barreiras entre Estados e onde a realidade política, social, económica e financeira são cada vez mais globalizadas. Essa globalização hoje em dia também já tem dimensão jurídica pois existe um Direito Administrativo global. Consiste no surgimento à escala do globo, de regras e princípios europeus que regem problemas europeus passados entre entidades públicas e entidades privadas de diferentes estados e, portanto, problemas administrativos a uma escala global. Este é resultado das transformações ocorridas no Direito Internacional Público que era, tradicionalmente, um direito dos Estados. As relações entre os Estados eram de tipo horizontal, pois consistiam num acordo entre os Estados de regras a ser impostas nos respetivos territórios e eram eles os responsáveis pelo seu cumprimento ou incumprimento. Havia também relações verticais entre o Estado, as autoridades estaduais e os cidadãos. Num outro plano, podemos considerar os problemas entre Estados, que eram de Direito Internacional, enquanto os problemas verticais anteriormente referidos eram de direito interno.
            Só que a partir dos anos 70, o Direito Internacional passou a aplicar-se também diretamente aos indivíduos, tornando-se estes sujeitos de Direito internacional. Dessa forma, passa a possibilitar-se através dos tribunais internacionais, que um cidadão de um Estado-membro possa queixar-se do seu estado ou queixar-se de um outro estado, para uma destas instâncias internacionais. A realidade da ordem jurídica transformou-se numa realidade global em que há uma rede de relações entre diferentes entidades públicas e entre diferentes entidades públicas e privadas, criando uma nova realidade do ponto de vista jurídico, diferente do que se passava tradicionalmente, uma realidade nova tanto para o Direito Administrativo e para o Direito Internacional Público.
Podemos então considerar o “Direito Administrativo Sem Fronteiras” como a mais recente dimensão do Direito Administrativo. É importante realçar o facto de que também a Administração Pública funciona em rede, querendo isto dizer que o que é decidido por uma Administração nacional tem obrigatoriamente de ser reconhecido pelos restantes países da União Europeia, sendo que este funcionamento em rede também opera a uma escala global. Como exemplo, o Professor Vasco Pereira da Silva fala-nos da criação de uma sociedade ao abrigo do Direito português com vista à exportação de mercadorias para a Alemanha vale como ato administrativo em qualquer país da União Europeia.
Por último, falta referir a corrente jurídica alemã “nova Ciência do Direito Administrativo”, cujas ideias o Professor Vasco Pereira da Silva subscreve, que defende a ideia de que é necessário reconstruir o Direito Administrativo em função das suas novas áreas de atuação, como o Direito do Ambiente e o Direito do Consumo.

Para concluir, podemos entender com este trabalho uma evolução no Direito Administrativo, que culmina com a Europeização do mesmo e a ideia de um Direito Administrativo sem Fronteiras, que se iniciou com o Direito Comparado, passando pelo Direito da União Europeia e a sua relação com os Direitos nacionais, terminando com o Direito Global que surge através das alterações ocorridas no Direito Internacional Público.

Bibliografia:
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Aulas teóricas de Direito Administrativo I

D’OLIVEIRA MARTINS, Afonso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Volume II, 2001

OTERO, Paulo, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, Volume I, Almedina Editora, 2002

DE QUADROS, Fausto, A Nova Dimensão do Direito Administrativo – O Direito Administrativo Português na Perspetiva Comunitária, Almedina Editora, 2001

CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª Edição, Âncora Editora, 2009

DE QUADROS, Fausto, Direito da União Europeia: Direito Constitucional e Administrativo da União Europeia, 3ª Edição, Almedina Editora, 2013

Madalena Dória, nº de aluna 56754

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