A partir dos anos 90 e
até aos nossos dias, surge um novo fenómeno na administração dos Estados
Europeus denominado de Europeização do Direito Administrativo. Este fenómeno
representa uma consequência inevitável do processo de integração europeia
ocorrido, no caso português, em 1986 e que exigiu uma alteração do sistema
político e económico em vigor para que se pudesse enquadrar nos parâmetros
europeus. O Direito da União Europeia é um ramo do Direito relativamente
recente, que vem fornecer importantes regras em matéria de Direito
Administrativo aos Estados-membros, mas que também se mistura com as suas
ordens jurídicas. É um direito que, por ser tão recente e limitado, teve
necessidade de se miscigenar com os diferentes ordenamentos jurídicos,
encontrando-se envolvidos numa relação obrigacional de aproximação e
coordenação mútuas, fazendo surgir um novo sistema administrativo europeu. De
acordo com o Professor Fausto de Quadros, o ramo de Direito que mais contribuiu
para a construção dogmática do Direito da União Europeia foi o Direito
Administrativo.
Segundo o Professor
Afonso D’Oliveira Martins, a Europeização dos Direitos Nacionais resulta do
imperativo de estes se conformarem com o Direito Europeu. No caso português
podemos mencionar o artigo 8º CRP, que determina que as normas constantes de
convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas, como os atos
instituidores da União Europeia, vigoram na ordem interna após a publicação
oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado português. É
reconhecido na doutrina que o Direito Europeu ocupa uma posição de supremacia
em relação ao Direito Interno. O Direito Europeu tem produzido o resultado de
aproximar entre si os sistemas administrativos nacionais dos Estados-membros e
aproximar as ordens jurídicas de matriz românica e as de common law.
Há uma interdependência
entre os Direitos Administrativos nacionais e o Direito Europeu, sendo que o
primeiro depende do segundo pela consagração das opções em matérias de
políticas públicas no domínio da concorrência, no domínio do ambiente, no
domínio do consumo, etc. Esta dependência tanto tem a ver com regras e
princípios de Direito Europeu, como tem a ver também com direitos fundamentais
à escala europeia, como a Carta dos Direitos Fundamentais que consagra direitos
que são relevantes no quadro do Direito Administrativo. No entanto, segundo o
Professor Fausto de Quadros, há um princípio de autonomia dos Estados que
sujeita a aplicação do Direito Europeu. “No caso de Portugal, institutos tão
importantes o Direito Administrativo nacional, como o dos serviços de interesse
público geral, dos contratos públicos, das empresas públicas, ou nasceram por
via do Direito Comunitário, ou sofreram, por causa dele, grandes alterações.” Mas
para que esta aplicação ocorra, os Estados têm de eliminar da respetiva Ordem
Jurídica todos os atos contrários ao Direito Europeu. Os Estados têm então de
revogar os atos administrativos que sejam inválidos por violarem o Direito
Europeu, mesmo os atos constitutivos de direitos.
A aplicação do Direito
Europeu constitui encargo dos Estados-membros, ou seja, da respetiva
Administração Pública e dos seus tribunais. Quanto aos tribunais, o juiz
nacional é também o juiz comunitário, querendo significar que é a ele que
compete zelar pela aplicação, por via judicial, do Direito Europeu na ordem
interna. É a ele que cabe fiscalizar o respeito, da parte da Administração
Pública do respetivo Estado, pelos direitos subjetivos reconhecidos pelo
Direito Europeu aos seus cidadãos.
Diz-nos o Professor Paulo
Otero que a execução do Direito Europeu não é exclusivo do legislador ou do
juiz, pois desenvolve-se toda uma complexa e ampla atividade administrativa
implementadora deste direito. A execução administrativa da legalidade
comunitária não pertence só a estruturas diretamente integradas na Comunidade
Europeia, antes se verifica que a Administração Pública de cada um dos
Estados-membros também atua como Administração comunitária. A execução administrativa
do Direito Europeu opera-se, principalmente, pela execução indireta, ou seja,
sempre que for efetuada pelas diversas estruturas integrantes da Administração
Pública dos Estados-membros, ocorrendo uma espécie de desdobramento funcional
que converte cada uma das Administrações internas numa “Administração indireta
comunitário-europeia”.
Importa também referir o
princípio da interpretação das normas dos diferentes ordenamentos jurídicos
nacionais conforme ao direito da União que, segundo o Professor João Caupers,
se manifesta quando se procura determinar o sentido e alcance de uma norma
nacional que, pela sua imprecisão ou ambiguidade, possa ter várias
interpretações sendo uma delas contrária a uma regra do Direito da União.
Durante muitos anos, o
Direito Administrativo foi visto como um Direito Nacional, ou seja, um direito
diferente em cada Estado, não havendo preocupação, por parte dos
administrativistas, em estudar as diferentes vertentes. Pelo
contrário, Ottomeyer e Maurice Hauriou sentem que não podem conhecer na sua
extensão máxima o seu Direito Administrativo nacional sem conhecerem os
Direitos alheios, pelo que partem de um estudo aprofundado dos outros direitos nacionais antes de estudarem o seu. A partir dos anos 70 esta vertente do Direito Comparado tornou-se
uma vertente essencial.
Atualmente, a dimensão do Direito Comparado no Direito
Administrativo é bastante vasta, levando a que o Professor Vasco Pereira da
Silva fale em mais duas realidades que, juntamente com este Direito Comparado,
formam a ideia de Direito Administrativo sem fronteiras. São elas o Direito
Europeu e o Direito Global.
Quanto ao Direito Europeu, para além do que já foi
dito anteriormente, importa referir que a principal tarefa do Tribunal de
Justiça da União Europeia é criar princípios europeus a partir das regras
nacionais dos Estados-membros. Diz-nos o Professor Vasco Pereira da Silva que
então, o Direito Comparado é fonte de Direito, designadamente de Direito
Europeu pois é esta a fonte utilizada pelos tribunais europeus para a criação
do Direito Administrativo. Já não faz sentido, atualmente, falar em direito
comunitário. Apesar da União Europeia não ter uma constituição, podemos falar
de uma constituição material devido às normas que regulam a organização do
poder político, normas que estabelecem a separação de poderes e as normas que
regulam os direitos fundamentais.
Quanto
ao denominado Direito Global, podemos considerar que é a realidade dos dias de
hoje. Este Direito surge num contexto de desvanecimento de barreiras entre
Estados e onde a realidade política, social, económica e financeira são cada
vez mais globalizadas. Essa globalização hoje em dia também já tem dimensão
jurídica pois existe um Direito Administrativo global. Consiste no surgimento à
escala do globo, de regras e princípios europeus que regem problemas europeus
passados entre entidades públicas e entidades privadas de diferentes estados e,
portanto, problemas administrativos a uma escala global. Este é resultado das
transformações ocorridas no Direito Internacional Público que era,
tradicionalmente, um direito dos Estados. As relações entre os Estados eram de
tipo horizontal, pois consistiam num acordo entre os Estados de regras a ser
impostas nos respetivos territórios e eram eles os responsáveis pelo seu
cumprimento ou incumprimento. Havia também relações verticais entre o Estado,
as autoridades estaduais e os cidadãos. Num outro plano, podemos considerar os
problemas entre Estados, que eram de Direito Internacional, enquanto os
problemas verticais anteriormente referidos eram de direito interno.
Só que a partir dos anos 70, o
Direito Internacional passou a aplicar-se também diretamente aos indivíduos, tornando-se
estes sujeitos de Direito internacional. Dessa forma, passa a possibilitar-se
através dos tribunais internacionais, que um cidadão de um Estado-membro possa queixar-se
do seu estado ou queixar-se de um outro estado, para uma destas instâncias
internacionais. A realidade da ordem jurídica transformou-se numa realidade
global em que há uma rede de relações entre diferentes entidades públicas e
entre diferentes entidades públicas e privadas, criando uma nova realidade do
ponto de vista jurídico, diferente do que se passava tradicionalmente, uma
realidade nova tanto para o Direito Administrativo e para o Direito
Internacional Público.
Podemos
então considerar o “Direito Administrativo Sem Fronteiras” como a mais recente
dimensão do Direito Administrativo. É importante realçar o facto de que também
a Administração Pública funciona em rede, querendo isto dizer que o que é
decidido por uma Administração nacional tem obrigatoriamente de ser reconhecido
pelos restantes países da União Europeia, sendo que este funcionamento em rede
também opera a uma escala global. Como exemplo, o Professor Vasco Pereira da
Silva fala-nos da criação de uma sociedade ao abrigo do Direito português com
vista à exportação de mercadorias para a Alemanha vale como ato administrativo
em qualquer país da União Europeia.
Por
último, falta referir a corrente jurídica alemã “nova Ciência do Direito
Administrativo”, cujas ideias o Professor Vasco Pereira da Silva subscreve, que
defende a ideia de que é necessário reconstruir o Direito Administrativo em
função das suas novas áreas de atuação, como o Direito do Ambiente e o Direito
do Consumo.
Para
concluir, podemos entender com este trabalho uma evolução no Direito
Administrativo, que culmina com a Europeização do mesmo e a ideia de um Direito
Administrativo sem Fronteiras, que se iniciou com o Direito Comparado, passando
pelo Direito da União Europeia e a sua relação com os Direitos nacionais,
terminando com o Direito Global que surge através das alterações ocorridas no
Direito Internacional Público.
Bibliografia:
PEREIRA DA SILVA, Vasco,
Aulas teóricas de Direito Administrativo I
D’OLIVEIRA MARTINS,
Afonso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Volume II, 2001
OTERO, Paulo, in Estudos
em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, Volume I,
Almedina Editora, 2002
DE QUADROS, Fausto, A
Nova Dimensão do Direito Administrativo – O Direito Administrativo Português na
Perspetiva Comunitária, Almedina Editora, 2001
CAUPERS, João, Introdução
ao Direito Administrativo, 10ª Edição, Âncora Editora, 2009
Madalena Dória, nº de aluna 56754
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