Desde
cedo que qualquer doutrina admitia que a Administração estava limitada pelo
princípio da legalidade, mas dizia a doutrina clássica que em tudo aquilo que não
fosse regulado pela legalidade, a Administração era livre. Este modo clássico
ou liberal do entendimento da legalidade e do poder discricionário levou a que,
por exemplo, em Portugal, o Professor Marcelo Caetano falasse de exceções do
princípio da legalidade, e no quadro dessas exceções, incluía o poder
discricionário. Hoje, este entendimento estará já ultrapassado, e entende-se,
doutro modo, que o poder discricionário tem de ser integrado no âmbito da
realização do Direito. E o que a Administração deve fazer sempre é concretizar
perante o caso concreto a vontade do legislador, a vontade da ordem jurídica e
a vontade do Direito num particular ordenamento. Assim, diz o professor Freitas
do Amaral, que o poder discricionário não representa qualquer exceção à
legalidade, representa apenas um modo especial de configuração da legalidade
administrativa.
Mudando-se
a perspetiva acerca da relação entre legalidade e poder discricionário, facilmente
se compreenderá que também este é suscetível de controlo e apreciação
jurisdicional. Esta apreciação jurisdicional sobre o poder discricionário será
menos intensa do que a apreciação jurisdicional sobre o poder vinculado, mas
todos os aspetos do poder, sejam eles discricionários ou vinculados, são sempre
suscetíveis de controlo jurisdicional. Agora nem o poder discricionário é
livre, nem o juiz administrativo está proibido de controlar a Administração.
Ele controla de maneira diferente o poder discricionário e o poder vinculado,
mas controla ambos os poderes no quadro da sua função de natureza jurisdicional
Ainda assim, o Professor Freitas do Amaral ainda continua a caracterizar o
poder discricionário como poder livre e se, por um lado, já adota aquela
perspetiva mais aberta no quadro da formulação conceptual, por outro, ainda
fala em liberdade de decidir, o que é algo que, diz-nos agora o Professor Vasco
Pereira da Silva, continua a não fazer sentido uma vez que estamos a falar em
vontades normativas, vontades que correspondem à realização da vontade do
legislador ou à vontade do ordenamento jurídico e portanto, não são vontades
livres. A Administração não tem liberdade. A Administração atua de acordo com
as regras de competência e atua nos termos que são definidos no quadro das
diferentes leis.
Assim,
analisando de perto o controlo que é possível exercer sobre o Poder
Discricionário, caberá começar por referir que na lógica tradicional o poder
discricionário implicava que houvesse sempre dois vínculos: o vínculo da
competência e o vínculo do desvio de poder e concluía-se assim que a
Administração estava vinculada pela competência e estava vinculada pelo fim
legal, e que estas eram as ilegalidades típicas do exercício do poder
discricionário, e seriam estas as únicas vertentes suscetíveis de controlo
jurisdicional. Porém, esta visão era uma visão limitada, que não considerada as
vinculações autónomas que a ordem jurídica estabelece. E vinculações autónomas
que tanto podem constar de uma lei concreta, como podem decorrer dos princípios
gerais de Direito Administrativo. Isto significa que a Administração, nos dias
de hoje, acaba por encontrar um conjunto de limitações muito fortes, e essas
limitações alargam o âmbito de controlo do poder discricionário.
Reunimos
assim os três momentos que possibilitam o controlo do poder discricionário
atualmente: O controlo sobre a competência; O controlo sobre a observância do
fim legal; e o controlo sobre a conformação com princípios gerais do Direito.
Quanto
à competência, cabe referir que este é o vínculo mais fácil de constatar e que
tem de existir sempre. Os órgãos administrativos atuam no quadro das respetivas
competências e, portanto, saber se tem ou não competência para decidir é algo
que decorre da lei, é um aspeto sempre vinculado. Pode haver discricionariedade
no momento quanto à escolha dessa competência, o tempo é uma realidade que
normalmente é discricionária, mas a competência é sempre de ordem pública e,
portanto, o aspeto da competência é sempre um aspeto vinculado. No Direito
português distinguem-se duas modalidades de incompetência, uma mais grave do
que a outra. A incompetência que ocorre dentro da mesma pessoa coletiva ou dentro
das mesmas atribuições e a incompetência em que há apropriação de poderes que
pertenciam a outra pessoa coletiva. A primeira representa uma incompetência
relativa, o que significa que é menos grave do que a segunda. E esta distinção
determina uma outra consequência, que tem a ver com a gravidade da ilegalidade
num caso e no outro. No caso da incompetência relativa, a sanção atribuída pela
ordem jurídica, é a sanção da anulabilidade. E assim, o ato produz efeitos até
ser anulado. No caso da apropriação de poderes de outra pessoa coletiva, não está
apenas a violar-se uma regra interna de repartição de competência, e nestes
casos a lei culmina para estas situações mais graves, uma sanção de nulidade. Ou
seja, o ato não tem apetência para a produção de efeitos jurídicos e não os
produz desde o início. Portanto, mesmo perante um ato que corresponde ao
exercício do poder discricionário, é sempre possível ir ao tribunal para
verificar se um órgão cumpriu as regras da competência, se há uma incompetência
relativa ou se há uma incompetência absoluta. E o tribunal pode em qualquer
momento verificar essa situação.
Depois
há uma incompetência que decorre da preterição do fim legal. Todas as normas
têm um fim. Um fim que explica a razão de ser daquele poder que é atribuído. E
se é prosseguido qualquer outro fim diferente do fim legal, estamos perante uma
ilegalidade e esta ilegalidade pode ser sempre controlada pelos tribunais. Também
aqui é possível distinguir dois tipos de preterição de fins legais: A persecução
de um outro fim de interesse público, e neste caso temos uma gravidade
relativa, situação que corresponde à anulabilidade da decisão administrativa;
Ou a substituição do fim legal por um fim de interesse privado. E nessa altura
diz o Professor Freitas do Amaral, que temos não apenas um crime, o crime de
corrupção, como do ponto de vista jurídico-administrativo uma situação tão
grave que gera a nulidade das decisões que estão em causa. E é por esta razão,
para efetivar o controlo sobre o fim legal, que as autoridades públicas têm o
dever de fundamentar as suas decisões. E este dever de fundamentar as decisões,
designadamente aquelas que são tomadas no exercício de poderes discricionários.
Portanto,
temos o controlo sobre a competência, e temos o controlo sobre o fim, e a
doutrina clássica ficaria por aqui. Porém, hoje devemos acrescentar a estas
duas, todas as vinculações autónomas de natureza genérica que decorrem dos
princípios do Direito Administrativo. Princípios estes que decorrem diretamente
da Constituição, ou de leis de especial relevo, ou mesmo das regras que
atribuem o poder à Administração que é o caso, designadamente, do CPA, mas há
muitos outros diplomas que estabelecem princípios avulsos da Administração e
que a Administração tem sempre de observar. E estes são vínculos autónomos que
existem sempre, e são vínculos autónomos que permitem às vezes ir além da
própria legalidade e controlar o mérito das próprias decisões, porque o
alargamento dos princípios que se foi fazendo tem vindo a alargar o universo da
ilegalidade das decisões administrativas e, portanto, vem criando uma maior
responsabilidade para a administração e vem estabelecendo limites para toda e
qualquer atuação da administração
A
Constituição estabelece um conjunto de princípios (princípios constitucionais) que
são imediatamente aplicáveis e vinculam diretamente a Administração. lá
encontramos o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade, o
princípio da justiça e o princípio da boa-fé como grandes princípios
constitucionais fundamentais, que obrigam imediatamente a Administração. Exemplificando:
quando se diz que a Administração não pode violar o princípio da
imparcialidade, isto significa que a Administração não pode nunca decidir, se
tiver algum interesse na causa. O mesmo se diga da lógica da igualdade: se a
administração invoca razões religiosas, políticas, ou outras que tais, na sua
decisão, estamos perante uma discriminação ilegal que corresponde a uma
ilegalidade na atuação do órgão. E uma atuação deste tipo não pode nunca corresponder
ao exercício correto do poder discricionário. Mas mais, o princípio da
proporcionalidade permite controlar o próprio modo como o poder discricionário
é exercido, pois a proporcionalidade tem três dimensões: Necessidade, Adequação
e Não prejuízo excessivo. Ora, cada uma desta três realidades, permite
controlar integralmente as decisões administrativas, designadamente aquelas que
correspondem ao exercício do poder discricionário. Se uma decisão tomada no
exercício do poder discricionário, for desnecessária ou desadequada à situação
que se apresenta a requerer o uso desse poder, essa decisão é ilegal, essa
decisão viola a lei e como tal pode ser conhecida de um tribunal. Assim, a
necessidade e a adequação passam a ser questão de legalidade e assim
suscetíveis de controlo jurisdicional.
Conclui-se
assim que atualmente já não poderemos referir-nos ao poder discricionário como
o poder de livre decisão da administração, pois até este poder, em tempos
figurado como exceção ao princípio da legalidade e insuscetível de controlo
jurisdicional, pode e deve ser hoje controlado com margens relativamente apertadas.
BIBLIOGRAFIA
DO AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª Edição, Reimpressão,
2017, Almedina
ALMEIDA,
Mário de Aroso, Teoria Geral do Direito
Administrativo, O Novo Regime do Código de Procedimento Administrativo, 3ª
Edição, Almedina, 2016
DA SILVA, Vasco Dias Pereira, Em Busca do Ato Administrativo Perdido, 1ª Edição, Reimpressão,
Coimbra, 2016, Almedina
Cristiano Tomás
Aluno 56999
Turma B, Subturma 10
Aluno 56999
Turma B, Subturma 10
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