Na atualidade, verificamos que a
Administração Pública funciona e existe sobretudo para a prossecução do
interesse público (artigo 266.º/1 CRP). No entanto, para que o possa fazer, a
mesma tem de estabelecer uma observância com as regras e os princípios do nosso
ordenamento jurídico, isto é, tem de obedecer à lei (artigo 266.º/2 CRP e
artigo 3.º/1 CPA). É neste contexto que surge o conceito de legalidade.
Nos primórdios do Direito
Administrativo, a legalidade seria apenas um instrumento de defesa do particular
em relação à Administração Pública, que era considerada uma Administração
agressiva ao limitar os direitos dos particulares e ao utilizar a força física
para impor as suas decisões. Compreendia-se a legalidade como uma proibição, ou
seja, a proibição da Administração de lesar os direitos dos particulares, salvo
com base na lei. Pretendia-se com isto instituir um limite à ação
administrativa, limite este sendo estabelecido no interesse dos particulares.
Esta legalidade era, contudo, uma defesa limitada que acabava por deixar uma
ampla liberdade, discricionariedade e arbitrariedade à Administração Pública.
Deste modo, tudo o que não se encontrasse regulado por lei, a Administração
podia fazer, sendo que, nesta lógica Liberal (meados do século XVIII), a lei
reduzia-se sobretudo a matérias dos direitos dos particulares, à liberdade e à
propriedade.
Numa conjuntura mais moderna, surgem
críticas ao Professor Marcelo Caetano que, na sua obra, afirma que o poder
discricionário é uma exceção ao princípio da legalidade, isto é, uma área em
que não há uma legalidade e uma área onde a Administração realiza os atos que
deseja. Importa assim destacar a crítica do nosso Professor Regente Vasco
Pereira da Silva, sendo que o mesmo declara que a expressão “livre” não deve
ser utilizada como uma característica de um poder público pois este só atua nos
termos da lei, fazendo sempre as escolhas que são determinadas pelo ordenamento
jurídico nunca sendo, por isso, livre.
Devemos, atualmente, entender a
legalidade de uma maneira diferente. A definição moderna diz-nos que “os órgãos
e agentes da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro
dos limites por ela impostos”. Assim, a lei acaba por ser um limite à atuação
administrativa, servindo também de fundamento à mesma. A Administração não tem
liberdade, devendo “reproduzir” no caso concreto as opções do ordenamento
jurídico e as do legislador. Não devemos, porém, descartar o facto de existirem
certos pontos no nosso quotidiano que não se encontram regulados (até porque o
legislador não pode regular todos os pormenores), pelo que a própria
Administração necessita de ter uma margem de atuação que lhe permita assegurar
os interesses quer do particular quer dela própria.
Assim, como refere o Professor
Vasco Pereira da Silva, “a Administração vai concretizar as normas e os
princípios do ordenamento jurídico, mas é responsável pelas suas decisões”. O
entendimento atual da legalidade pressupõe a subordinação à lei e a toda a
ordem jurídica, isto é, ao direito. Deste modo, verificamos a existência de
duas funções essenciais do princípio da legalidade na atualidade, sendo que ele
pretende assegurar o primado do poder legislativo sobre o poder executivo e
garantir os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
Importa então salientar que
qualquer das formas de ação administrativa tem de respeitar obrigatoriamente a
legalidade, sendo que a violação desta gera uma ilegalidade e carrega as
consequências previstas no nosso ordenamento jurídico. É ainda importante
acrescentar que, depois de tomada uma decisão e terminado o procedimento
administrativo, a Administração não pode voltar atrás com a sua decisão sem que
haja um motivo de ilegalidade ou um motivo muito forte de interesse público. A
Administração está vinculada pelos seus próprios atos.
Artigo 3.º CPA
Princípio da legalidade |
1 - Os
órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos
poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos
fins.
2 - Os atos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas no presente Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados têm o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração. |
Numa última nota, é importante referir que a Doutrina Maioritária
considera haver três exceções ao princípio da legalidade, apesar de o Professor
Diogo Freitas do Amaral não concordar, afirmando que não existem exceções ao
mesmo.
i) Teoria do estado de
necessidade: Em circunstâncias excecionais (situações de necessidade pública),
a Administração Pública fica dispensada de seguir o processo legal e pode agir
sem forma de processo, mesmo que isso implique o sacrifício de direitos e
interesses de particulares. O Professor Freitas do Amaral afirma que, apesar de
esta teoria estar consagrada legalmente (artigo 3.º/2 CPA), podemos tratar esta
questão do estado de necessidade não como uma exceção, mas sim como uma
“legalidade excecional”, ou seja, este artigo do CPA será o artigo que confere
legitimidade a qualquer atuação administrativa em estado de necessidade.
ii) Teoria dos atos políticos: Os
atos de conteúdo político (correspondentes ao exercício da função política),
não sendo suscetíveis de impugnação contenciosa perante os tribunais
administrativos, poderiam ser atos ilegais. Para Freitas do Amaral, isto não é,
em rigor, uma exceção ao princípio da legalidade pois, mesmo na prática de atos
políticos, deve-se obediência à lei. Contudo, para estes casos de atos de governo ou atos políticos não existe a sanção jurisdicional da impugnação
contenciosa, mas poderá haver outro tipo de sanção.
iii) Poder discricionário da
Administração: O Professor Freitas do Amaral afirma também que este não é uma
exceção ao princípio da legalidade, mas sim um modo especial de configuração da
legalidade administrativa, sendo que só existe poder discricionário até onde a
lei confere.
BIBLIOGRAFIA:
- AMARAL, Diogo Freitas do. Curso
De Direito Administrativo - Volume II. Livraria Almedina, 2016.
- Pereira da Silva, Vasco. Em
Busca do Ato Administrativo Perdido, Livraria Almedina, 2016.
Diva Gonçalves, nº 57108, Subturma 10 TB
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