sábado, 31 de março de 2018

O Direito Administrativo e a sua relação com a legalidade


   Na atualidade, verificamos que a Administração Pública funciona e existe sobretudo para a prossecução do interesse público (artigo 266.º/1 CRP). No entanto, para que o possa fazer, a mesma tem de estabelecer uma observância com as regras e os princípios do nosso ordenamento jurídico, isto é, tem de obedecer à lei (artigo 266.º/2 CRP e artigo 3.º/1 CPA). É neste contexto que surge o conceito de legalidade.
   Nos primórdios do Direito Administrativo, a legalidade seria apenas um instrumento de defesa do particular em relação à Administração Pública, que era considerada uma Administração agressiva ao limitar os direitos dos particulares e ao utilizar a força física para impor as suas decisões. Compreendia-se a legalidade como uma proibição, ou seja, a proibição da Administração de lesar os direitos dos particulares, salvo com base na lei. Pretendia-se com isto instituir um limite à ação administrativa, limite este sendo estabelecido no interesse dos particulares. Esta legalidade era, contudo, uma defesa limitada que acabava por deixar uma ampla liberdade, discricionariedade e arbitrariedade à Administração Pública. Deste modo, tudo o que não se encontrasse regulado por lei, a Administração podia fazer, sendo que, nesta lógica Liberal (meados do século XVIII), a lei reduzia-se sobretudo a matérias dos direitos dos particulares, à liberdade e à propriedade.
   Numa conjuntura mais moderna, surgem críticas ao Professor Marcelo Caetano que, na sua obra, afirma que o poder discricionário é uma exceção ao princípio da legalidade, isto é, uma área em que não há uma legalidade e uma área onde a Administração realiza os atos que deseja. Importa assim destacar a crítica do nosso Professor Regente Vasco Pereira da Silva, sendo que o mesmo declara que a expressão “livre” não deve ser utilizada como uma característica de um poder público pois este só atua nos termos da lei, fazendo sempre as escolhas que são determinadas pelo ordenamento jurídico nunca sendo, por isso, livre.
   Devemos, atualmente, entender a legalidade de uma maneira diferente. A definição moderna diz-nos que “os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos”. Assim, a lei acaba por ser um limite à atuação administrativa, servindo também de fundamento à mesma. A Administração não tem liberdade, devendo “reproduzir” no caso concreto as opções do ordenamento jurídico e as do legislador. Não devemos, porém, descartar o facto de existirem certos pontos no nosso quotidiano que não se encontram regulados (até porque o legislador não pode regular todos os pormenores), pelo que a própria Administração necessita de ter uma margem de atuação que lhe permita assegurar os interesses quer do particular quer dela própria.
   Assim, como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, “a Administração vai concretizar as normas e os princípios do ordenamento jurídico, mas é responsável pelas suas decisões”. O entendimento atual da legalidade pressupõe a subordinação à lei e a toda a ordem jurídica, isto é, ao direito. Deste modo, verificamos a existência de duas funções essenciais do princípio da legalidade na atualidade, sendo que ele pretende assegurar o primado do poder legislativo sobre o poder executivo e garantir os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
   Importa então salientar que qualquer das formas de ação administrativa tem de respeitar obrigatoriamente a legalidade, sendo que a violação desta gera uma ilegalidade e carrega as consequências previstas no nosso ordenamento jurídico. É ainda importante acrescentar que, depois de tomada uma decisão e terminado o procedimento administrativo, a Administração não pode voltar atrás com a sua decisão sem que haja um motivo de ilegalidade ou um motivo muito forte de interesse público. A Administração está vinculada pelos seus próprios atos.
  Artigo 3.º CPA
Princípio da legalidade

1 - Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.
2 - Os atos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas no presente Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados têm o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração.
   Numa última nota, é importante referir que a Doutrina Maioritária considera haver três exceções ao princípio da legalidade, apesar de o Professor Diogo Freitas do Amaral não concordar, afirmando que não existem exceções ao mesmo.
   i) Teoria do estado de necessidade: Em circunstâncias excecionais (situações de necessidade pública), a Administração Pública fica dispensada de seguir o processo legal e pode agir sem forma de processo, mesmo que isso implique o sacrifício de direitos e interesses de particulares. O Professor Freitas do Amaral afirma que, apesar de esta teoria estar consagrada legalmente (artigo 3.º/2 CPA), podemos tratar esta questão do estado de necessidade não como uma exceção, mas sim como uma “legalidade excecional”, ou seja, este artigo do CPA será o artigo que confere legitimidade a qualquer atuação administrativa em estado de necessidade.
   ii) Teoria dos atos políticos: Os atos de conteúdo político (correspondentes ao exercício da função política), não sendo suscetíveis de impugnação contenciosa perante os tribunais administrativos, poderiam ser atos ilegais. Para Freitas do Amaral, isto não é, em rigor, uma exceção ao princípio da legalidade pois, mesmo na prática de atos políticos, deve-se obediência à lei. Contudo, para estes casos de atos de governo ou atos políticos não existe a sanção jurisdicional da impugnação contenciosa, mas poderá haver outro tipo de sanção.
   iii) Poder discricionário da Administração: O Professor Freitas do Amaral afirma também que este não é uma exceção ao princípio da legalidade, mas sim um modo especial de configuração da legalidade administrativa, sendo que só existe poder discricionário até onde a lei confere.

           
BIBLIOGRAFIA:
- AMARAL, Diogo Freitas do. Curso De Direito Administrativo - Volume II. Livraria Almedina, 2016.
- Pereira da Silva, Vasco. Em Busca do Ato Administrativo Perdido, Livraria Almedina, 2016.

Diva Gonçalves, nº 57108, Subturma 10 TB

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