Existem inúmeras
classificações possíveis de relações administrativas sendo que, aquela que me
proponho a analisar mais pormenorizadamente é a relação jurídica
multilateral/multipolar/poligonal.
O Estado Liberal era
caraterizado pela lógica de relações meramente bipolares/bilaterais, isto é,
entre a Administração e os cidadãos na medida em que um particular,
destinatário formal, se relacionava diretamente com a Administração.
Porém, o período do Estado
Social e o consequente alargamento das funções da administração levaram ao
surgimento de uma multiplicidade de sujeitos, quer do lado da administração,
quer do lado dos particulares com interesses contraditórios.
Neste contexto, ao
contrário do que acontecia no período Liberal, a Administração no exercício da
sua competência, passa a afetar uma multiplicidade de destinatários com
interesses divergentes. Esta realidade deu origem às relações jurídicas, já não
bilaterais, mas multilaterais/multipolares.
A terminologia utilizada
para definir estas relações administrativas tem alguma divergência na doutrina
portuguesa.
O prof. Paes Marques e a
prof. Ana Gouveia Martins preferem nomear estas relações jurídicas como
multipolares. Neste sentido, o Prof Paes Marques defende que esta expressão
apresenta por um lado, a ideia de que os conflitos entre os sujeitos privados
constituem o centro do Direito administrativo e por outro lado, que os
interesses dos privados têm um carater mais delimitado, por isso, admite a
existência de um círculo mais fechado de imputação de interesses.
Já o prof Vasco Pereira
da Silva prefere utilizar a expressão “relação jurídica multilateral”, não
concordando com as expressões “multipolar” e “poligonal”, pois defende que
ambos os termos expressam a ideia de uma relação fechada entre os sujeitos,
cenário que não se verifica no Direito Administrativo, tendo em conta que
existe um feixe alargado de relações entre todos os sujeitos.
A meu ver, a expressão
mais correta será a de relação jurídica multipolar pois, é uma expressão mais
delimitadora da realidade a ser analisada.
Neste sentido, conforme
explícita o Prof. Paes Marques, as relações jurídicas multipolares são relações
administrativas onde se confrontam dois ou mais interesses privados e cujo a
conformação do exercício cabe à Administração Publica, mediante a adoção de um
ato jurídico público. É quando mais alguém, que não a administração e o
particular entram na relação jurídica.
Do ponto de vista de um
plano horizontal, há dois sujeitos privados cujos interesses se encontram em
colisão de tal forma que um dos interesses pode não se realizar dependendo da
realização de um outro.
Já de um ponto de vista
vertical, há uma conciliação da relação jurídica através da adoção de um ato jurídico
público.
Estamos perante uma
relação jurídica que tem três ou mais vértices e portanto, uma relação jurídica
triangular, encontrando-se no vértice mais elevado a Administração que exerce
determinada competência e na base os interesses dos particulares contrapostos.
Nesta existe o exercício de uma conduta ou ato administrativo que vai não só
afetar um sujeito, como lesar ou favorecer outros sujeitos. Neste contexto,
podemos utilizar como exemplo, o facto de ser conferida pela Administração
Pública, uma licença (ato administrativo) a um particular (destinatário formal)
para a construção de uma fábrica. Todavia, devido à poluição que provoca,
efetiva a violação do direito à saúde das pessoas que habitam ao lado da
construção (outros particulares, considerados destinatários indiretos de acordo
com o prof. Vasco Pereira da Silva).
A relação jurídica
multipolar é composta por vários elementos elencados pelo Prof Paes Marques.
Nesta medida, é essencial a existência de uma relação jurídica (cuja definição
enunciei anteriormente); sujeitos privados que hajam ao abrigo da sua liberdade
natural e de acordo com interesses particulares; interesses conflituantes que
têm uma dupla natureza, nomeadamente, de situações conflituais qualificadas de
oposição reciproca e de situações qualificadas de ocorrência e de atribuição;
uma Administração pública; um ato jurídico público, designadamente, o mandato
de conformação, contratos administrativos e atos reais e por fim, a
administratividade, isto é, o critério que nos permite determinar que esta
relação seja qualificada como administrativa.
No seguimento da doutrina
do Prof. Paes Marques, uma das qualificações mais relevantes reside na
multipolaridade de oposição recíproca na qual, existem interesses que colidem
na medida em que, o favorecimento de um dos particulares implica, de forma
imediata, o prejuízo de um outro particular e na multipolaridade de
concorrência de atribuição onde existe um confronto de interesses privados
diversos coludentes, cuja competência para decisão da escolha seja da
Administração Pública.
Indicada a estrutura da
relação jurídica multipolar e os seus elementos torna-se relevante analisar
como será transposta para o procedimento.
Deste modo, é necessário
identificar quem tem legitimidade para iniciar o procedimento sendo que, o
artg.65/1,b e 68º/1 CPA considera que são todos os interessados. Neste sentido
este preceito abarca como interessados, os titulares dos interesses e de
direitos legalmente protegidos e os titulares de interesses contrapostos, os
titulares de interesses contrapostos, que intervém no procedimento desencadeado
por outrem que têm de provar a existência de uma norma jurídica que lhe confere
proteção especifica e se distingue do interesse geral da comunidade no qual ele
se inclui. Não obstante podem têm também legitimidade, os cidadãos no gozo dos
seus direitos civis ou políticos e os demais recenseados.
Quanto á sua legitimidade
para iniciar o procedimento, os ilustres Profs Pedro Gonçalves e João Pacheco
de Amorim distinguem dois tipos de interessados, nomeadamente, os interessados
de 1º Grau ou os interessados obrigatórios (têm todo o tipo de garantias
procedimentais) e os interessados de 2ºGrau que são meramente facultativos que
apenas podem ter influência na decisão administrativa.
Esta distinção não é
defendida pelo prof. Regente pois considera que, quando o particular tem
legitimidade procedimental deve-lhe ser reconhecido todo o tipo de garantias a
que tem direito.
É também de notar, que o
artg.110 CPA refere que os titulares de interesses legalmente protegidos que
possam ser prejudicados, se forem nominalmente identificadas, ou seja,
identificáveis corretamente, têm de ser notificadas.
Em suma, a ideia que quis
transmitir foi a de que a relação jurídica multilateral/poligonal/multipolar
reside na consideração de vários aspetos, nomeadamente, de que existem relações
jurídicas administrativas, que existe uma multiplicidade de sujeitos, quer do
lado da Administração, quer do lado dos particulares, que existem interesses
contraditórios de ambos os setores, que todos os sujeitos privados irão ser
afetados pela decisão da administração e que este sujeitos podem reagir uns
contra os outros para poderem ver satisfeitos os seus interesses.
Bibliografia:
- MARQUES,
Francisco Paes, As Relações Jurídicas Administrativas Multipolares, (contributo
para a sua compreensão substantiva), Dissertação de Mestrado, Universidade de
Lisboa, Faculdade de Direito, 2009;
- SILVA, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 1998;
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