sexta-feira, 30 de março de 2018

O direito à informação na Administração eletrónica


As exigências das sociedades modernas e a afirmação de novos valores sociais têm conduzido, um pouco por todo o mundo, ao aprofundamento da complexidade das funções do Estado e à correspondente preocupação de defesa dos direitos dos cidadãos e respeito pelas suas necessidades face à Administração Pública.

Antes da aprovação do Código de Procedimento Administrativo de 2015 (daqui em diante designado como NCPA), o ordenamento português já contava com um leque de disposições dispersas relativas ao recurso a meios eletrónicos no exercício da atividade administrativa, tais como o DL nº 135/99, de 22 de abril, relativo às medidas de modernização administrativa; o DL nº 74/2014, de 13 de maio, que estabelece a regra da prestação digital de serviços públicos; e o DL n.º 92/2010, de 26 de julho, que instaura os princípios e regras para simplificar o livre acesso e exercício das atividades de serviços, fazendo referência ao balcão único eletrónico (artigo 62º do NCPA).

De acordo com o Professor MIGUEL PRATA ROQUE, “a transformação do procedimento administrativo num procedimento eletrónico, de comunicação e de decisão à distância, não só veio revolucionar as dinâmicas de contacto entre a Administração Pública e os particulares, como veio transformar o próprio objeto da atividade administrativa”.

A presença de Portugal na União Europeia foi mais um dos fatores que levou à Administração eletrónica, a fim de conseguir tornar a sua economia mais dinâmica e competitiva.

Para a implementação da Administração eletrónica em Portugal foi necessário modificar muitas estruturas e organizações, pelo que muitos dos serviços da Administração Pública tiveram de sofrer reformas.

Como o Professor VÍTOR VIEIRA destaca, a Administração eletrónica deve ser entendida como aquela em que o procedimento administrativo e os seus trâmites se realizam com o emprego das tecnologias de informação e das comunicações (TIC), especialmente no relacionamento com os cidadãos.

A utilização da eletrónica tem especial relevância em sede de procedimento administrativo e na sua instrução (artigo 61º/1 do NCPA).

Na sua atividade quotidiana, a Administração terá sempre de ponderar a relação entre a preferência pelo digital e a não discriminação de quem não utiliza os meios eletrónicos.

Disponibilizar os meios eletrónicos adequados, bem como o apoio efetivo ao cidadão para o exercício de direitos, podem ser instrumentos de garantia da não discriminação, respeitando o princípio da igualdade, conforme previsto no artigo 6º do NCPA e mediante o artigo 47º do DL nº 135/99, de 22 de abril.

O balcão único eletrónico é outra figura de relevo, que contribui para a desburocratização e a simplificação dos procedimentos (artigo 62º do NCPA e DL nº 92/2010, de 26 de julho).

Um balcão único eletrónico corresponde a uma plataforma informática na qual interagem os interessados e a Administração no âmbito do procedimento e que disponibiliza toda a informação necessária para o desenvolvimento da atividade administrativa.

Não se trata de criar um único balcão eletrónico, mas antes pretende-se fixar o regime comum dos vários balcões eletrónicos já em funcionamento ou que venham a ser criados no futuro.

Porém, na opinião do Professor MIGUEL PRATA ROQUE deveria existir apenas um único balcão eletrónico que ligasse todos ou a maioria dos serviços da Administração Pública aos particulares.

De acordo com o artigo 63º/1 e 2 do NCPA, as comunicações da Administração com os interessados ao longo do procedimento através de meios eletrónicos, far-se-á mediante prévio consentimento, dado por escrito, quando esta for a pessoa singular.

Contudo, se o interessado recorre regularmente a estes meios de contacto com a Administração, a lei presume que consentiu na sua utilização.

Quanto às pessoas coletivas, conforme o artigo 63º/3 do NCPA, a comunicação eletrónica não fica sujeita a esse consentimento, desde que se faça “para plataforma informáticas com acesso restrito ou para os endereços de correio eletrónico”.

Em matéria de direito de informação para a regular passagem de certidões, reproduções ou declarações autenticadas, que constem de procedimentos informatizados, o prazo de 10 dias para a satisfação do direito é encurtado para 3 dias (artigo 84º/3 do NCPA).

Contudo, uma vez situado no fim do procedimento, existindo uma decisão da Administração, estar-se-á já no domínio do direito à notificação (artigo 110º e seguintes do NCPA).

O Professor MIGUEL PRATA ROQUE e o Professor GUERRA DA FONSECA criticam as opções do NCPA quando se encara a autonomização eletrónica enquanto mero instrumento da atuação administrativa e não como uma verdadeira forma de atuação da Administração.

A Professora SOFIA DAVID concorda com a perspetiva anteriormente mencionada, considerando que seria de toda a conveniência enquadrar-se essa nova realidade, regulando as suas especificidades.

De acordo com o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, deve adotar-se o critério de que sempre que esteja em causa uma determinada tarefa que, pelas suas características, deva depender da apreciação humana, então não deve haver lugar para a sua automatização.

Assim, tendo presente o artigo 18º da CRP, que estabelece o regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias, há que ter em atenção que a automatização das tarefas administrativas não ponha em causa os direitos fundamentais.

A disponibilização de sites institucionais e de meios de comunicação à distância, como o correio eletrónico, as linhas telefónicas de 24 horas ou o telefax, fizeram implodir o modelo de administração intermitente. Ou seja, a Administração eletrónica fez com que existisse uma interação contínua, sem interrupções, entre os particulares e a Administração.


O direito à informação administrativa foi introduzido no nosso sistema jurídico, não só na CRP, nos artigos 37º e 48º, como também no NCPA, no artigo 268º/1.

De acordo com a Professora RAQUEL CARVALHO, o direito à informação administrativa procedimental pressupõe a existência de um procedimento em curso e perspetiva o indivíduo como administrado, no quadro de uma relação com a Administração Pública, sendo tutelados os seus interesses e posições subjetivas diretas.

O direito à informação administrativa não goza, nem pode gozar de proteção absoluta, estando comprimido por limites imanentes, havendo em torno da sua proteção uma restrição constitucional expressa, em especial no que se refere ao direito de acesso a arquivos e registos administrativos (Lei nº 46/2007, de 24 de agosto e Lei nº 67/1998, de 26 de outubro).

Com o NCPA, nota-se uma intenção de restringir o direito à informação procedimental na redação do nº1 do artigo 82º. Alterou-se a redação do anterior artigo 61º do CPA, substituindo a expressão “procedimentos em que sejam diretamente interessados” pela expressão “procedimentos que lhes digam diretamente respeito”.

Esta restrição zela pela proteção dos dados pessoais, que dizem respeito aos interessados.

Outro exemplo relacionado com a proteção dos dados pessoais pela Administração está presente no artigo 83º do NCPA, através da alteração expressa no nº2 face ao anterior artigo do CPA, desaparecendo a referência ao direito de consulta de documentos nominativos relativos a terceiros.

A proteção das informações pessoais perante as ameaças provocadas pelo uso de meios automáticos foi consagrada na CRP, no seu artigo 35.º, sob a epígrafe “utilização da informática”.

Hoje, a tipificação dos direitos fundamentais prevista pelo artigo 35.º contempla: o direito de conhecer a finalidade a que se destinam os dados pessoais objeto de tratamento.

Desde a sua versão originária de 1976, a Constituição da República Portuguesa consagra um direito à autodeterminação informativa, segundo a Professora CATARINA SARMENTO E CASTRO.

Este é um verdadeiro direito fundamental, com conteúdo próprio, e não apenas uma garantia do direito à reserva da intimidade da vida privada.

Assume-se como um poder de proteção ou de defesa do indivíduo face às agressões do Estado e de terceiros, permitindo-lhe negar informação pessoal, opor-se à sua recolha, difusão, ou qualquer outro modo de tratamento. Mas é também uma liberdade, isto é, um poder de determinar ou controlar o uso dos seus dados pessoais.

O direito de informação administrativa é exercitável em qualquer fase do procedimento administrativo.

Atualmente, apesar do dever de confidencialidade e de sigilo da Administração Pública no tratamento de informações e dados pessoais dos administrados, ser-lhe-á também aplicável o novo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGDP) - Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, a partir de 25 de maio de 2018, em matéria de segurança das redes e sistemas de informação.

O regulamento salienta a necessidade de começar a avaliar projetos futuros de tratamento de dados com a devida antecedência e rigor de forma a ser avaliado o seu impacto na proteção de dados e a serem adotadas medidas adequadas para mitigar esses riscos.

A Administração Pública vai avançar com a criação de postos de Encarregados de Proteção de Dados, que terão um papel de controlador dos processos de segurança, para os vários organismos, departamentos e setores que a constituem ainda em 2018.


Em suma, pode considerar-se que o acesso à Administração eletrónica constitui um direito fundamental de natureza análoga, de fonte legislativa, que é acolhida pela cláusula aberta constitucionalmente consagrada (artigo 16º/1 CRP).

Com a utilização de meios eletrónicos pretende-se facilitar o exercício de direitos, o cumprimento de deveres, a desburocratização, a rapidez das decisões, a simplificação e a redução da duração dos procedimentos, mediante o nº1 do artigo 14º do NCPA.

A interligação da Administração eletrónica e do direito à informação passa pela segurança e confidencialidade dos seus administrados, nomeadamente pela proteção dos seus dados pessoais, sendo uma mais valia analisar conjuntamente o novo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGDP).

Com o Estado Global, a utilização das tecnologias não só permitiu uma maior acessibilidade e rapidez, como também trouxe algumas desvantagens. Uma delas será a existência de bancos de dados pessoais a que se pode ter acesso, comprometendo a reserva da vida privada e privacidade informacional. Ou seja, a pessoa corre o risco de deixar de ser sujeito para passar a ser objeto de um mundo eletrónico, como nos diz o Professor PAULO OTERO.


BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, Raquel, O Direito à Informação Administrativa Procedimental, Porto, Universidade Católica Portuguesa do Porto Editora, 1999

CASTRO, Catarina Sarmento e, O direito à autodeterminação informativa e os novos desafios gerados pelo direito à liberdade e à segurança no pós 11 de Setembro in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa – II, Coimbra Editora, 2005

DAVID, Sofia, O princípio da adequação procedimental, os acordos endoprocedimentais e a administração eletrónica no novo CPA, Cadernos de justiça administrativa, Braga, nº 116, março-abril 2016

DIAS, José Figueiredo, O direito à informação no novo Código de Procedimento Administrativo in Comentários ao Novo Código de Procedimento Administrativo, volume I, Lisboa, AAFDL Editora, 2016

GARCIA, Maria Glória Dias, Direito dos Interessados à Informação in Comentários à revisão do Código de Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2016

JARDIM, Ana França; RAIMUNDO, Miguel Assis, Balcão Único Eletrónico in Comentários ao Novo Código de Procedimento Administrativo, volume I, Lisboa, AAFDL Editora, 2016

MARIANO, Bernardo, A Administração Eletrónica em Portugal, Dissertação apresentada na Universidade Católica do Porto, para a obtenção do grau de Mestre em Direito Administrativo, Porto, 2015

OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, volume I, Coimbra, Almedina, 2013

PINHEIRO, Alexandre Sousa; SERRÃO, Tiago; CALDEIRA, Marco; COIMBRA, José Duarte, Questões Fundamentais para a Aplicação do CPA, Coimbra, Almedina, 2016

ROQUE, Miguel Prata, O Procedimento Administrativo Eletrónico in Comentários ao Novo Código de Procedimento Administrativo, volume I, Lisboa, AAFDL Editora, 2016

ROQUE, Miguel Prata, O nascimento da administração eletrónica num espaço transnacional in E-Pública - Revista Eletrónica de Direito Público, Número 1, 2014

SILVA, Vasco Pereira da, Em busca do ato administrativo perdido, Coimbra, Almedina, 1995

VIEIRA, Vítor Freitas, O Novo Código do Procedimento Administrativo – Perguntas e Respostas, Coimbra, Almedina, 2016

Administração Pública com novas regras de proteção de dados pessoais em 2019 in https://www.jn.pt/nacional/interior/administracao-publica-com-novas-regras-de-protecao-de-dados-pessoais-em-2019-9220328.html, consultado em 28-03-2018

Joana Cardoso, subturma 10, nº 57075

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