As exigências das
sociedades modernas e a afirmação de novos valores sociais têm conduzido, um
pouco por todo o mundo, ao aprofundamento da complexidade das funções do Estado
e à correspondente preocupação de defesa dos direitos dos cidadãos e respeito
pelas suas necessidades face à Administração Pública.
Antes da aprovação do
Código de Procedimento Administrativo de 2015 (daqui em diante designado como
NCPA), o ordenamento português já contava com um leque de disposições dispersas
relativas ao recurso a meios eletrónicos no exercício da atividade
administrativa, tais como o DL nº 135/99, de 22 de abril, relativo às medidas
de modernização administrativa; o DL nº 74/2014, de 13 de maio, que estabelece
a regra da prestação digital de serviços públicos; e o DL n.º 92/2010, de 26 de
julho, que instaura os princípios e regras para simplificar o livre acesso e
exercício das atividades de serviços, fazendo referência ao balcão único
eletrónico (artigo 62º do NCPA).
De acordo com o Professor
MIGUEL PRATA ROQUE, “a transformação do
procedimento administrativo num procedimento eletrónico, de comunicação e de
decisão à distância, não só veio revolucionar as dinâmicas de contacto entre a Administração
Pública e os particulares, como veio transformar o próprio objeto da atividade
administrativa”.
A presença de Portugal na
União Europeia foi mais um dos fatores que levou à Administração eletrónica, a
fim de conseguir tornar a sua economia mais dinâmica e competitiva.
Para a implementação da
Administração eletrónica em Portugal foi necessário modificar muitas estruturas
e organizações, pelo que muitos dos serviços da Administração Pública tiveram
de sofrer reformas.
Como o Professor VÍTOR
VIEIRA destaca, a Administração eletrónica deve ser entendida como aquela em
que o procedimento administrativo e os seus trâmites se realizam com o emprego
das tecnologias de informação e das comunicações (TIC), especialmente no
relacionamento com os cidadãos.
A utilização da
eletrónica tem especial relevância em sede de procedimento administrativo e na
sua instrução (artigo 61º/1 do NCPA).
Na sua atividade
quotidiana, a Administração terá sempre de ponderar a relação entre a
preferência pelo digital e a não discriminação de quem não utiliza os meios
eletrónicos.
Disponibilizar os meios
eletrónicos adequados, bem como o apoio efetivo ao cidadão para o exercício de
direitos, podem ser instrumentos de garantia da não discriminação, respeitando
o princípio da igualdade, conforme previsto no artigo 6º do NCPA e mediante o
artigo 47º do DL nº 135/99, de 22 de abril.
O balcão único eletrónico é outra figura de relevo, que contribui
para a desburocratização e a simplificação dos procedimentos (artigo 62º do
NCPA e DL nº 92/2010, de 26 de julho).
Um balcão único
eletrónico corresponde a uma plataforma informática na qual interagem os
interessados e a Administração no âmbito do procedimento e que disponibiliza
toda a informação necessária para o desenvolvimento da atividade
administrativa.
Não se trata de criar um
único balcão eletrónico, mas antes pretende-se fixar o regime comum dos vários
balcões eletrónicos já em funcionamento ou que venham a ser criados no futuro.
Porém, na opinião do
Professor MIGUEL PRATA ROQUE deveria existir apenas um único balcão eletrónico
que ligasse todos ou a maioria dos serviços da Administração Pública aos
particulares.
De acordo com o artigo
63º/1 e 2 do NCPA, as comunicações da Administração com os interessados ao
longo do procedimento através de meios eletrónicos, far-se-á mediante prévio
consentimento, dado por escrito, quando esta for a pessoa singular.
Contudo, se o interessado
recorre regularmente a estes meios de contacto com a Administração, a lei
presume que consentiu na sua utilização.
Quanto às pessoas
coletivas, conforme o artigo 63º/3 do NCPA, a comunicação eletrónica não fica
sujeita a esse consentimento, desde que se faça “para plataforma informáticas
com acesso restrito ou para os endereços de correio eletrónico”.
Em matéria de direito de
informação para a regular passagem de certidões, reproduções ou declarações autenticadas,
que constem de procedimentos informatizados, o prazo de 10 dias para a
satisfação do direito é encurtado para 3 dias (artigo 84º/3 do NCPA).
Contudo, uma vez situado
no fim do procedimento, existindo uma decisão da Administração, estar-se-á já
no domínio do direito à notificação (artigo 110º e seguintes do NCPA).
O Professor MIGUEL PRATA
ROQUE e o Professor GUERRA DA FONSECA criticam as opções do NCPA quando se encara
a autonomização eletrónica enquanto mero instrumento da atuação administrativa
e não como uma verdadeira forma de atuação da Administração.
A Professora SOFIA DAVID
concorda com a perspetiva anteriormente mencionada, considerando que seria de
toda a conveniência enquadrar-se essa nova realidade, regulando as suas
especificidades.
De acordo com o Professor
VASCO PEREIRA DA SILVA, deve adotar-se o critério de que sempre que esteja em causa
uma determinada tarefa que, pelas suas características, deva depender da
apreciação humana, então não deve haver lugar para a sua automatização.
Assim, tendo presente o
artigo 18º da CRP, que estabelece o regime jurídico dos direitos, liberdades e
garantias, há que ter em atenção que a automatização das tarefas
administrativas não ponha em causa os direitos fundamentais.
A disponibilização de sites institucionais e de meios de comunicação
à distância, como o correio eletrónico, as linhas telefónicas de 24 horas ou o telefax,
fizeram implodir o modelo de administração
intermitente. Ou seja, a Administração eletrónica fez com que existisse uma
interação contínua, sem interrupções, entre os particulares e a Administração.
O direito à informação administrativa foi introduzido no nosso
sistema jurídico, não só na CRP, nos artigos 37º e 48º, como também no NCPA, no
artigo 268º/1.
De acordo com a Professora
RAQUEL CARVALHO, o direito à informação administrativa procedimental pressupõe a
existência de um procedimento em curso e perspetiva o indivíduo como
administrado, no quadro de uma relação com a Administração Pública, sendo
tutelados os seus interesses e posições subjetivas diretas.
O direito à informação
administrativa não goza, nem pode gozar de proteção absoluta, estando comprimido
por limites imanentes, havendo em torno
da sua proteção uma restrição constitucional expressa, em especial no que se
refere ao direito de acesso a arquivos e
registos administrativos (Lei nº 46/2007, de 24 de agosto e Lei nº 67/1998,
de 26 de outubro).
Com o NCPA, nota-se uma intenção
de restringir o direito à informação procedimental na redação do nº1 do artigo
82º. Alterou-se a redação do anterior artigo 61º do CPA, substituindo a expressão
“procedimentos em que sejam diretamente
interessados” pela expressão “procedimentos
que lhes digam diretamente respeito”.
Esta restrição zela pela proteção
dos dados pessoais, que dizem respeito aos interessados.
Outro exemplo relacionado
com a proteção dos dados pessoais pela Administração está presente no artigo 83º
do NCPA, através da alteração expressa no nº2 face ao anterior artigo do CPA, desaparecendo
a referência ao direito de consulta de documentos nominativos relativos a terceiros.
A proteção das
informações pessoais perante as ameaças provocadas pelo uso de meios
automáticos foi consagrada na CRP, no seu artigo 35.º, sob a epígrafe
“utilização da informática”.
Hoje, a tipificação dos
direitos fundamentais prevista pelo artigo 35.º contempla: o direito de
conhecer a finalidade a que se destinam os dados pessoais objeto de tratamento.
Desde a sua versão
originária de 1976, a Constituição da República Portuguesa consagra um direito à autodeterminação informativa,
segundo a Professora CATARINA SARMENTO E CASTRO.
Este é um verdadeiro
direito fundamental, com conteúdo próprio, e não apenas uma garantia do direito
à reserva da intimidade da vida privada.
Assume-se como um poder de proteção ou de defesa do
indivíduo face às agressões do Estado e de terceiros, permitindo-lhe negar
informação pessoal, opor-se à sua recolha, difusão, ou qualquer outro modo de
tratamento. Mas é também uma liberdade,
isto é, um poder de determinar ou controlar o uso dos seus dados pessoais.
O direito de informação administrativa
é exercitável em qualquer fase do procedimento administrativo.
Atualmente, apesar do
dever de confidencialidade e de sigilo da Administração Pública no tratamento
de informações e dados pessoais dos administrados, ser-lhe-á também aplicável o
novo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGDP) - Regulamento (EU) 2016/679
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, a partir de 25 de
maio de 2018, em matéria de segurança das redes e sistemas de informação.
O regulamento salienta a
necessidade de começar a avaliar projetos futuros de tratamento de dados com a
devida antecedência e rigor de forma a ser avaliado o seu impacto na proteção de dados e a serem adotadas
medidas adequadas para mitigar esses riscos.
A Administração Pública
vai avançar com a criação de postos de Encarregados de Proteção de Dados, que
terão um papel de controlador dos processos de segurança, para os vários
organismos, departamentos e setores que a constituem ainda em 2018.
Em suma, pode
considerar-se que o acesso à Administração eletrónica constitui um direito fundamental
de natureza análoga, de fonte legislativa, que é acolhida pela cláusula aberta
constitucionalmente consagrada (artigo 16º/1 CRP).
Com a utilização de meios
eletrónicos pretende-se facilitar o exercício de direitos, o cumprimento de
deveres, a desburocratização, a rapidez das decisões, a simplificação e a
redução da duração dos procedimentos, mediante o nº1 do artigo 14º do NCPA.
A interligação da Administração
eletrónica e do direito à informação passa pela segurança e confidencialidade
dos seus administrados, nomeadamente pela proteção dos seus dados pessoais,
sendo uma mais valia analisar conjuntamente o novo Regulamento Geral de
Proteção de Dados (RGDP).
Com o Estado Global, a utilização
das tecnologias não só permitiu uma maior acessibilidade e rapidez, como também
trouxe algumas desvantagens. Uma delas será a existência de bancos de dados
pessoais a que se pode ter acesso, comprometendo a reserva da vida privada e
privacidade informacional. Ou seja, a pessoa corre o risco de deixar de ser
sujeito para passar a ser objeto de um mundo eletrónico, como nos diz o Professor
PAULO OTERO.
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Administração Pública com novas
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consultado em 28-03-2018
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