domingo, 22 de abril de 2018

A Ilegalidade do ato administrativo


A Ilegalidade do ato administrativo
Ana Carolina Godinho Neves, aluna nº 56901, da FDUL

Um ato administrativo é, nas palavras do Professor Freitas do Amaral, “um ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”
            Por vezes, acontece que o ato administrativo é inválido e a invalidade do ato administrativo é, segundo o Professor João Caupers, “o juízo de desvalor emitido sobre ele em resultado da sua desconformidade com a ordem jurídica.”. Ora, existem várias fontes de invalidade do ato administrativo, porém, a que neste trabalho releva é a ilegalidade do ato administrativo. Sendo assim, importa dizer que um ato ilegal da administração é, tal como o nome indica, um ato contrário à lei, esta entendida num sentido amplo.
            A ilegalidade do ato administrativo pode ter várias formas, que são designadas por vícios do ato administrativo.
            A doutrina tradicional divide esses vícios em cinco categorias. Como vícios orgânicos, ou seja, relativos aos sujeitos do ato administrativo temos a usurpação de poderes e a incompetência, como vícios formais temos o vício de forma e como vícios materiais, isto é, relativos ao objeto, ao conteúdo ou aos motivos do ato o desvio de poder e a violação de lei.
            O Professor Freitas do Amaral afirma que ao falarmos de violação de lei, uma das categorias acima apresentadas, temos de entender isso num sentido restrito, pois num sentido amplo todos aqueles vícios são violações de lei.
            Por sua vez, o Professor João Caupers aconselha-nos a ter cuidado para não confundirmos vícios do ato administrativo com vícios da vontade: estes últimos “podem gerar a invalidade do ato administrativo, na medida em que a formação da vontade dos órgãos da Administração Pública deve ser livre e esclarecida. Uma vontade administrativa deformada pelo erro, pelo dolo, por coação ou por incapacidade acidental não é em si uma ilegalidade, mas deve, em princípio, constituir causa de invalidade daquele.”
            Começando pela usurpação de poderes, há que dizer que esta consiste na prática de um ato por parte de um órgão da Administração Pública, doravante AP, ato este que estava incluído nas atribuições do poder legislativo ou do poder judicial e excluído do poder executivo, acabando por se tornar numa violação ao Princípio da Separação de Poderes.
O Professor Freitas do Amaral distingue três modalidades de usurpação de poderes: a usurpação do poder legislativo; a usurpação do poder moderador; e a usurpação do poder judicial. Na primeira situação “o órgão administrativo pratica um ato que pertence às atribuições do poder legislativo”, na segunda “pratica um ato que pertence às atribuições do poder moderador (presidencial)” e na terceira “pratica um ato que pertence às atribuições do poder judicial.”
Neste contexto, o Professor Mário Aroso de Almeida afirma que a usurpação de poderes “Configurando uma violação do próprio princípio da separação de poderes, corresponde à mais grave das situações de inobservância das regras que definem o quadro de atribuições e competências administrativas e, por isso, sempre se entendeu que gera a nulidade do ato administrativo, como expressamente estabelece o art.161º/2-a) CPA.”
Passando agora ao outro vício do ato administrativo em matéria de ilegalidade orgânica, a incompetência, diz-nos o Professor João Caupers que esta “consubstancia-se na prática por um órgão de uma pessoa coletiva pública de um ato incluído nas atribuições de outra pessoa coletiva pública (incompetência absoluta) ou na competência de outro órgão da mesma pessoa coletiva (incompetência relativa).”
É crucial distinguir de forma clara este vício do anterior: no anterior, o Poder Executivo tem de invadir a esfera de outro poder do Estado e neste, o órgão que praticou o ato tem de invadir a esfera de outra autoridade administrativa, mas sem sair do âmbito do poder administrativo.
De acordo com o Professor Freitas do Amaral, segundo um primeiro critério, a incompetência dividir-se-ia, como anteriormente referido, em absoluta e em relativa, mas de acordo com um segundo critério, dividir-se-ia a incompetência em razão da matéria (“quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão administrativo em função da natureza dos assuntos”), em razão da hierarquia (“quando se invadem os poderes conferidos a outro órgão em função do grau hierárquico, nomeadamente quando o subalterno invade a competência do superior, ou quando o superior invade a competência do subalterno”), em razão do lugar (“quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão em função do território”) e em razão do tempo (“quando um órgão administrativo exerce os seus poderes legais em relação ao passado ou em relação ao futuro [salvo se a lei, excecionalmente, o permitir]”).
Seguindo o primeiro critério, importa saber que aos atos de incompetência absoluta o CPA, no seu art.161º/2-b) lhes reserva a sanção de nulidade. Já no que toca aos atos de incompetência relativa, a sanção será a regra geral da anulabilidade, art.163º/1 CPA.
O Professor Mário Aroso de Almeida, que inclui a incompetência territorial na incompetência relativa, acrescenta que “Embora a doutrina por vezes sustente que às situações de incompetência territorial pode corresponder a sanção da nulidade, na realidade, parece que isso apenas se deve admitir no caso de ocorrer verdadeira falta de atribuições, como sucederá se o problema envolver, por exemplo, autarquias vizinhas.”
Quanto ao vício de forma, a doutrina tradicional diz que esse consiste na carência de forma legal ou na preterição de formalidades essenciais.
Há que saber que as deliberações dos órgãos colegiais são praticadas de forma oral, art.150º/2 CPA, que os atos administrativos de órgãos singulares devem ser expressos e por escrito, art.150º/1 CPA e que sem estar escrito esse ato não existe. Diz-nos o Professor Mário Aroso de Almeida sobre isso que “ se, no entanto, um comando for oralmente expresso pelo seu autor, deverá entender-se, salvo disposição especial em contrário, que estamos perante um ato nulo, por carência absoluta da forma legal, art.161º/2-g) CPA.”, por fim, a forma escrita é solene, isto é, o ato tem que revestir a forma exigida, por exemplo, a lei pode exigir que em vez de o ato assumir a simples forma de um despacho tem de assumir a forma de portaria ou de decreto e a inobservância disso torna o ato anulável, art.161º/2-g) CPA.
Neste contexto, releva ainda conhecer que o art.152º CPA exige que a forma da generalidade dos atos administrativos inclua fundamentação. A inobservância do disposto nos arts.152º a 154º CPA gera a anulabilidade do ato administrativo.
Ocupemo-nos agora com os vícios materiais e comecemos pela violação de lei, que é, nas palavras do Professor Freitas do Amaral “o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhes são ocupadas.”. Segundo o mesmo autor, este vício produz-se normalmente quando no exercício de poderes vinculados, a Administração decide coisa diferente do que a lei estabelece ou quando não decide nada quando a lei exige uma decisão. Contudo, é hoje em dia defendido que um vício de violação de lei no exercício de poderes discricionários também pode ocorrer, isto quando são “infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionaridade administrativa, designadamente os princípios constitucionais: o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc.” Neste contexto, o Professor faz uma enumeração das várias modalidades que o vício da violação de lei pode tomar: a prática de um ato administrativo sem que haja para esse uma base legal; AP comete um erro de direito na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas; incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo; incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objeto do ato administrativo; a inexistência ou ilegalidade dos pressupostos relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo; a ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela AP no conteúdo do ato; qualquer outra ilegalidade do ato administrativo que não caiba em mais nenhum vício.
Quanto a este vício, o Professor Mário Aroso de Almeida define o objeto do ato administrativo como “o termo passivo sobre o qual se projetam os efeitos do ato”, mas diz que também se pode atribuir à noção de objeto um sentido mais amplo e assim seria “o próprio conteúdo do ato administrativo”, aceção que consta do art.161º/2-c) CPA. Esse objeto tem de ser possível, certo, inteligível e determinado ou determinável, de acordo com o artigo há pouco referido, sendo que um ato administrativo cujo objeto não tiver essas características é nulo.
Por fim, resta-nos o desvio de poder que é, nas palavras do Professor Freitas do Amaral, o “vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder.” Este autor, diz que o desvio de poder comporta duas modalidades, nomeadamente o desvio de poder para fins de interesse público (“quando o órgão administrativo visa alcançar um fim de interesse público, embora diverso daquele que a lei impõe”) e o desvio de poder para fins de interesse privado (“quando um órgão administrativo não prossegue um fim de interesse público, mas um fim de interesse privado”). O Professor Mário Aroso de Almeida transmite a ideia de que só se atribui relevância ao vício dos motivos se este afetar o motivo determinante na decisão, ou seja, o ato não é inválido se se demonstrar que foi influenciado por motivos pelos quais não o devia ter sido, mas sim inválido se se demonstrar que esses motivos foram determinantes para a decisão tomada, o que dificulta a demonstração da existência deste vício. Contudo, a doutrina defendia que todos os atos com desvio de poder para fins de interesse privado deviam ser nulos, solução atualmente consagrada no art.161º/2-e) CPA.
Para terminar, interessa apenas fazer saber que um ato administrativo pode ser ilegal por ter um único vício, ou por ter dois ou mais, isto é, os vícios são cumuláveis. Pode até acontecer que um ato seja ilegal por ter vários vícios do mesmo tipo.
Bibliografia:
- Amaral, Diogo Freitas do (2011), Curso de Direito Administrativo, II, 2.ª edição, Almedina, Coimbra;
- Caupers, João (2013), Introdução ao Direito Administrativo, 10.ª edição, Âncora Editora, Lisboa;
- Almeida, Mário Aroso de (2016), Teoria Geral do Direito Administrativo – O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, 3.ª edição, Almedina, Coimbra.

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