Para começar, é importante fazer
uma breve menção à estrutura do procedimento administrativo. Assim, segundo a
divisão do Professor Doutor Mário Aroso de Almeida, teremos:
1. Iniciativa;
2. Fase
preparatória (procede-se à instrução, que tem por objeto a recolha dos
elementos necessários à tomada da decisão);
3. Fase
constitutiva/de resolução do procedimento (onde se toma a decisão final);
4. Fase
complementar/integrativa (tem por objeto o cumprimento das formalidades
necessárias para que a decisão chegue aos destinatários e se torne capaz de
produzir os efeitos a que se dirige).
Em momento imediatamente anterior
ao da tomada da decisão procede-se, por norma, à audiência dos interessados (ou
audiência prévia). Esta deve ser separada da estrutura do procedimento pois
desempenha uma função autónoma.
Antes da revisão do Código de
Procedimento Administrativo (CPA), a audiência prévia só era devida quando
houvesse instrução, atendendo à redação do antigo art. 100. Ora, isto era
claramente errado, visto que tem de ser sempre assegurado ao interessado a
possibilidade de se pronunciar sobre a provável decisão a tomar. Por esse
motivo, o regime do art. 121º do atual CPA vem dizer que a audiência prévia tem
lugar antes da tomada de decisão final, quer tenha ou não havido instrução.
Ademais, o art. 268/3 da
Constituição da República Portuguesa (CRP) e o art. 12º do CPA determinam que
os cidadãos têm o direito de participar e de serem ouvidos na formação das
decisões em que estejam em causa os seus interesses, cabendo à Administração
Pública assegurar essa participação, através da audiência dos interessados. A
audiência dos interessados caracteriza-se pela chamada dos interessados no
procedimento a conhecerem a totalidade da atuação da Administração Pública, de
modo a evitar uma decisão surpresa. Portanto, esta fase deve assegurar a
plenitude da produção argumentativa por parte do interessado que deverá ter
conhecimento de todos os dados que contribuíram para o projeto de decisão.
O direito à audiência prévia é
considerado não apenas uma exigência do princípio da justiça, mas também uma expressão
do princípio da eficácia o qual assegura um melhor conhecimento dos factos e
contribui para melhorar a decisão administrativa garantindo que a mesma venha a
ser mais acertada e congruente.
A partir do art. 124º do CPA
sabemos que pode haver dispensa de audiência dos interessados, numa das
circunstâncias mencionadas pelo artigo. Contudo, coloca-se a questão de saber
qual a consequência caso não haja motivo de dispensa mas a audiência não se
realize. Nestes casos, há um vício de forma que gera, obviamente, um desvalor
jurídico. Mas qual? É neste ponto que existe divergência doutrinária e
jurisprudencial.
Por um lado, o Professor Doutor Diogo
Freitas do Amaral e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo
defendem que o direito de audiência prévia não deve ser entendido como um
direito fundamental, mas sim como uma fase que tem como objetivo melhorar a
prossecução do interesse público. O Doutor Freitas do Amaral apresenta dois
argumentos para defender a sua tese: em primeiro lugar, considera que os
direitos fundamentais são aqueles que são inerentes à dignidade da pessoa
humana, pelo que não se inclui aqui o direito de audiência; em segundo lugar,
diz que a jurisprudência portuguesa considera que a falta de arguido no
processo disciplinar gera apenas anulabilidade, pelo que não faz sentido que no
caso de falta de audiência prévia, que, a seu ver, não é tao grave como a falta
de arguido, se adote uma sanção mais grave: a nulidade.
Por outro lado, se se considerar,
como o fazem os Professores Doutores Vasco Pereira da Silva e Sérvulo Correia,
que o direito de audiência prévia é um direito análogo a um direito
fundamental, então o desvalor jurídico que se deve aplicar à inexistência de
audiência prévia quando não haja dispensa da mesma é a nulidade. Isto decorre
do art. 161/2, d) do CPA. Para defender a sua posição, o Professor Doutor Vasco
Pereira da Silva alega que a CRP reconhece aos indivíduos direitos subjetivos
perante a Administração, tratando-os como sujeitos nas relações administrativas,
‘’(…)
Daí que, segundo o princípio da não tipicidade, ou da cláusula aberta, em
matéria de direitos fundamentais (contido no artigo 16º da Constituição), o
reconhecimento de posições jurídico-constitucionais de vantagem do cidadão
perante a Administração - como é o caso
do artigo 267º/4 da Constituição, que garante a todos os cidadãos a
«participação (…) na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem
respeito» – é de qualificar como um «direito, liberdade e garantia de natureza
análoga»’’. Discordando do Professor Doutor Freitas do Amaral, diz o Professor Doutor
Vasco Pereira da Silva que, nos dias de hoje, a dignidade da pessoa humana tem
de ser assegurada pelo Estado-administração, através, nomeadamente, do
reconhecimento do indivíduo como sujeito de relações administrativas. Ou seja,
os direitos de procedimento surgem como um desenvolvimento do princípio da
dignidade humana num Estado Pós-social de Direito. Aplicando os pressupostos do
raciocínio do Professor Doutor Freitas do Amaral, o Professor Doutor Vasco
Pereira da Silva concorda que não se deve aplicar a sanção da nulidade para a
não audiência do interessado num qualquer procedimento e a sanção da
anulabilidade no caso de se tratar de um processo disciplinar, pelo que conclui
que em ambos os casos se deve aplicar o desvalor da nulidade.
Cumpre ainda mencionar a posição do
Professor Doutor Mário Aroso de Almeida, que admite que o direito de audiência
possa ser considerado como um direito fundamental mas apenas em procedimentos
sancionatórios. Diz este Professor que ‘’Não se contesta que direitos como o de
audiência e defesa em procedimentos sancionatórios são direitos fundamentais
formais ou procedimentais. (…) O que não se afigura necessário é ver no
genérico do direito de audiência dos interessados, tal como ele resulta do CPA,
um direito fundamental formal ou procedimental’’.
Face ao exposto, e tendo apreciado
cuidadosamente as teses mencionadas, é do meu entendimento, com o devido
respeito por quem tenha opinião diferente, que se deve considerar o direito de
audiência prévia como um direito fundamental, visto que a posição dos
indivíduos carece, cada vez mais, de mais proteção perante a Administração. Como
já foi dito, a audiência tem de basear-se em informação que permita ao
interessado reconhecer não só o objeto do procedimento, mas também saber qual o
sentido provável da decisão da Administração, daí que seja tão importante esta
fase. Assim, caso não haja motivo para a dispensa de audiência prévia e esta
não se realizar, o desvalor jurídico deve ser o da nulidade, aplicando-se o
regime previsto no art. 162º do CPA.
Bibliografia
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, Almedina,
Coimbra, 1996, págs. 424-432.
AROSO DE ALMEIDA, Mário, Teoria geral do Direito Administrativo: o
novo regime do Código do Procedimento Administrativo, págs. 114-124
Maria Manuel Pedro, nº57136, subturma 10, turma B
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