Os regulamentos
administrativos e os atos administrativos são formas de exercício da
Administração Pública através das quais esta pode prosseguir a sua função administrativa.
O Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL aponta, além destas formas de atuação
administrativa, outras duas, sendo elas os contratos administrativos e as
operações materiais, que não aprofundarei.
Dada a necessidade constante de aplicar a letra da lei a casos concretos, a Administração tem competência para completar e desenvolver a lei, sendo que muitas vezes é o legislador que atribui à Administração esse poder para certos tipos de situações concretas. Através dos regulamentos administrativos, a Administração cria normas jurídicas gerais e abstratas, de acordo com o artigo 135.o CPA, fundamentando-se na lei, à luz do artigo 136.o CPA.
Os regulamentos administrativos surgem pela primeira vez no novo Código de Procedimento Administrativo (CPA) consagrados num regime substantivo entre os artigos 135.o e 147.o, sendo que o conceito destes regulamentos se encontra no artigo 135.o do CPA, onde se lê: “(…) consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos.”. São, fundamentalmente, normas jurídicas que se dirigem a uma pluralidade indeterminada de sujeitos e se referem a todas as situações que se podem enquadrar nas suas hipóteses.
DIOGO
FREITAS DO AMARAL destaca nos regulamentos administrativos três elementos
essenciais. São eles:
- Elemento de natureza material: analisados através deste
elemento, os regulamentos consistem em normas jurídicas dada a sua generalidade
e abstração, o que significa que não são apenas preceitos administrativos, mas
sim verdadeiras regras de direito;
- Elemento de natureza orgânico-formal: os regulamentos podem
ser emitidos por um órgão de uma pessoa coletiva pública que integra a
Administração Pública, por entidades públicas que não integram a Administração
ou por entidades de direito privado que prossigam fins públicos, sendo que têm
sempre que ter habilitação legal para o emitir, como está consagrado no artigo
136.o do CPA;
- Elemento de natureza funcional: os regulamentos são emanados
no exercício do poder administrativo, mesmo que sejam emanados pelo Governo ou
pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.
De acordo
com CARLOS BLANCO DE MORAIS, o motivo por o qual o CPA antigo dedicava apenas
seis artigos ao regime do regulamento, prescindindo de uma definição, podia ser
o facto de a caracterização deste ato normativo da Administração se encontrar
razoavelmente pacificada na doutrina e na jurisprudência.
JOÃO CAUPERS define regulamento administrativo como “um conjunto de normas
jurídicas editadas por uma autoridade administrativa (um órgão de uma
pessoa coletiva pública) no exercício do poder administrativo (ao abrigo de uma
faculdade jurídico-pública atribuída por uma norma legal).”
DIOGO FREITAS DO AMARAL esclarece o conceito de regulamento como as
“normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da
Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por
lei”, acrescentando então que também uma entidade privada pode conceber um
regulamento, desde que para tal tenha competências.
Relativamente aos tipos de regulamentos existentes na nossa ordem
jurídica, JOÃO CAUPERS distingue-os recorrendo a vários critérios.
Começando pelo critério da dependência face à lei, existem os
regulamentos complementares ou de execução e os regulamentos independentes ou
autónomos. Os primeiros “desenvolvem e detalham uma determinada lei, em cujo
texto a sua emissão se encontra expressamente prevista”, sendo que a sua
“validade depende da identificação do diploma legal que regulamentam”. Pelo
contrário, os segundos não se referem a nenhuma lei em particular e, por esse
motivo, “têm de identificar a norma legal que atribui ao seu autor competência
regulamentar na matéria em causa”.
Recorrendo ao critério do objeto das normas regulamentares,
estamos perante regulamentos de organização, regulamentos de funcionamento e
regulamentos de polícia. Os primeiros visam estruturar um aparelho
administrativo, os segundos “incidem sobre os métodos de atuação de órgãos e
serviços públicos” e os últimos, que são segundo o Professor os de maior
importância, operam restrições às liberdades individuais.
Por outro lado, DIOGO FREITAS DO AMARAL define as espécies de
regulamentos de acordo com quatro critérios um pouco diferentes, sendo
eles:
- A relação com a
lei
- O objeto
- O âmbito da sua
aplicação
- A projeção da sua
eficácia
Não aprofundarei os dois primeiros
critérios uma vez que são iguais aos critérios enunciados pelo Professor João
Caupers, inclusivamente quanto às classificações de regulamentos pelo que me
focarei nos dois últimos.
Quanto ao critério do âmbito da sua
aplicação, os regulamentos podem ser gerais, ou seja, vigoram em todo o
território nacional; locais, aplicando-se apenas num território
delimitado; ou institucionais, sendo estes criados por institutos públicos
que têm como recetores as pessoas nele integradas.
Relativamente ao último critério, os
regulamentos podem ser internos ou externos. Os primeiros produzem
efeitos apenas na entidade de que são emanados, enquanto os segundos produzem
efeitos relativamente a outros indivíduos que não apenas os integrados na
entidade que os emanou. Os regulamentos internos são os únicos abrangidos pelo
artigo 135º CPA.
Os Professores MARCELO REBELO DE SOUSA
e ANDRÉ SALGADO MATOS defendem ainda a existência de regulamentos mistos quando
um regulamento “contenha normas de caráter interno, que (…) se limitem a ser
fonte de direito interno à própria Administração” e “normas de caráter externo,
que definam o estatuto” ou de alguma forma interfiram com “a esfera jurídica de
sujeitos jurídicos distintos da entidade que emanou o regulamento”.
A regulação jurídica dos atos administrativos encontra-se
consagrada no CPA nos artigos 148.o e seguintes, sendo que o seu
conceito está no artigo 148º.
A definição de ato administrativo é uma questão controversa na
doutrina, existindo alguma divergência, ao contrário do que acontece
relativamente ao conceito de regulamento.
DIOGO FREITAS DO AMARAL define ato administrativo como “o ato
jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um
órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal
habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela
Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e
concreta”.
JOÃO CAUPERS, que tem uma opinião semelhante à do Professor Diogo
Freitas do Amaral, define ato administrativo como “um ato jurídico unilateral,
externo, com caráter decisório, praticado no exercício de poderes
jurídico-administrativos e destinado a produzir efeitos jurídicos numa situação
individual e concreta”, incluindo na sua definição cinco elementos que
considera essenciais. Sendo assim, o ato administrativo é:
- um ato jurídico
- unilateral
- um comportamento adotado no exercício de poderes
jurídico-administrativos
- produtor efeitos jurídicos externos numa situação individual e
concreta
- decisório
Relativamente aos tipos de atos
administrativos, DIOGO FREITAS DO AMARAL defende que estes se dividem
em dois grandes grupos: os atos primários, que são “aqueles que
versam pela primeira vez sobre uma determinada situação da vida”, e
os atos secundários, “aqueles que versam sobre um ato primário
anteriormente praticado”, sendo que dentro que cada um destes grupos existem
várias subdivisões.
Dentro dos atos primários
temos atos impositivos que ditam que alguém adote determinada conduta; atos
punitivos, impõem a alguém uma determinada sanção; e atos permissivos,
que, tal como o nome indica, permitem a alguém a ação ou omissão de uma
determinada conduta.
Já os atos secundários subdividem-se
em atos integrativos complementando atos administrativos anteriores; atos
saneadores que são atos que transformam determinado ato anulável num ato válido
e/ou insuscetível de impugnação contenciosa; e atos desintegrativos que se
reportam a atos cujo conteúdo é contrário ao de um ato anteriormente praticado.
DIOGO FREITAS DO AMARAL defende que a distinção entre regulamento
e ato administrativo se reconduz à “distinção entre norma jurídica e ato
jurídico”, uma vez que “tanto o regulamento como o ato administrativo são
comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão competente no exercício de
um poder público de autoridade”. Distinguem-se uma vez que o regulamento “é uma
regra geral e abstrata”, como as normas jurídicas, e o ato administrativo “é
uma decisão individual e concreta”, como os atos jurídicos.
Os Professores MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO seguem a
mesma orientação, salientando que o regulamento se diferencia do ato
administrativo pelo seu conteúdo normativo, uma vez que o regulamento é fonte
de direito, isto é, contém normas, disposições com caráter geral e abstrato às
quais é inerente uma pretensão de validade para todos os casos da mesma
espécie, dentro do respetivo âmbito temporal e espacial de aplicação.
De acordo com JOÃO CAUPERS, existe também diferença relativamente a estas
duas figuras no que diz respeito à interpretação e integração de lacunas, sendo
que se aplica subsidiariamente aos regulamentos os princípios e as regras
relativas à lei e aos atos administrativos os princípios e regras relativos aos
negócios jurídicos.
Quanto ao
regime dos vícios e da validade, aplica-se ao regulamento o paradigma das leis
e aos atos administrativos aplica-se, embora com exceções, o modelo do negócio
jurídico.
Também
relativamente à impugnação contenciosa existem diferenças, uma vez que os
regulamentos podem ser considerados ilegais em qualquer tribunal, mas os atos
administrativos apenas podem ser declarados nulos ou anulados por Tribunais
Administrativos ou por órgãos competentes para tal.
Por
último, as duas figuras diferenciam-se também relativamente à sua revogação.
Enquanto os regulamentos podem ser revogados pelos órgãos competentes, os atos
administrativos são revogados por um outro ato administrativo que determina a sua
cessação de efeitos.
JOÃO
CAUPERS alude ainda à questão controversa da superioridade do regulamento
relativamente ao ato administrativo. No n.o2 do artigo 142.o do
CPA encontra-se consagrado: “os regulamentos não podem ser derrogados por atos
administrativos de caráter individual e concreto”.
CARLOS
BLANCO DE MORAIS também aborda esta questão e defende a superioridade dos
regulamentos relativamente a atos administrativos individuais e concretos,
baseando-se no mesmo artigo indicado pelo Professor João Caupers. Acrescenta
ainda que este artigo corresponde a uma expressão do princípio da hierarquia
administrativa, tornando assim defensável a supremacia do regulamento face ao
ato.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso
de Direito Administrativo, Volume II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2016.
CAUPERS, João / EIRÓ, Vera, Introdução
do Direito Administrativo, 12ª edição, Âncora, Lisboa, 2016.
SOUSA, Marcelo Rebele
de / MATOS, André Salgado de, Direito
Administrativo Geral - Actividade Administrativa Tomo III,
2ª edição, Dom Quixote, Lisboa, 2009.
MORAIS, Carlos Blanco
de, Novidades em matéria da disciplina dos
regulamentos no Código do Procedimento Administrativo, in O novo Código do Procedimento Administrativo,
Centro de Estudos Judiciários, páginas 149-207, 2016
Andreia Agostinho, n.o 56788
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