Antes
do CPA, grande parte da doutrina confundia Nulidade com Inexistência. Dizia-se
que o ato nulo era juridicamente inexistente. Porém, diz Freitas do Amaral que
sempre fez a distinção. “Se não há uma conduta unilateral imputável à
Administração, se a conduta não traduz o exercício de um poder de autoridade,
se ela não tem por conteúdo a definição inovatória de uma situação
jurídico-administrativa concreta, se não se reveste da publicidade legalmente
exigida – encontrar-nos-emos perante uma situação de inexistência”. O ato
administrativo Inexistente é um “Quid” que se pretende fazer passar por ato
administrativo, “mas ao qual faltam certos elementos estruturais constitutivos
que permitam identificar um tipo legal de ato administrativo”
Esclarece
depois o Professor Paulo Otero que, a Pandectística Alemã usava a dicotomia
Anulabilidade/Nulidade, e é a Doutrina Francesa que cria a figura da
Inexistência Jurídica, de modo a superar o princípio da taxatividade das causas
geradores de Nulidade, visando atingir as situações de invalidade ou
imperfeição que não tinham sanção explícita numa norma.
Paulo
Otero define a Inexistência como “(…) um conceito funcional, permitindo ao juiz
obstar a certos resultados de condutas administrativas que, por via da
nulidade, não encontravam tutela suficiente ou adequada.” A conduta inexistente
é qualificada como uma simples situação de facto pois, apesar da existência
aparente de um ato jurídico, a falta de elementos que constituem requisitos de
existência absoluta da conduta administrativa em causa, determinam a sua inexistência.
O
Professor alerta ainda para a importância da destrinça entre Inexistência
Jurídica e Inexistência Material. Esta última prende-se com a inexistência de
algo no mundo dos factos, enquanto que a Inexistência Jurídica se pode conduzir
a uma realidade fáctica, que existe no mundo dos factos, mas que o Mundo do
Direito não reconhece e lhe nega os efeitos normais, determinando assim que
esta realidade fáctica tenha apenas “mera aparência de ato”, mas a
classificação como um, é lhe negada pelo Direito. Assim, nos casos de Inexistência Jurídica,
estamos perante uma conduta à qual não é dada qualquer relevância perante a
ordem jurídica. Assim, difere do ato Nulo, pois nem sequer está “dentro” do
direito.
Em
sentido contrário temos o Professor Vasco Pereira da Silva, que começa por
explicar que a inexistência foi uma realidade consagrada no século XIX, no eixo
privado, quando, no quadro da lógica positivista, se considerava que se a lei
não previsse a nulidade expressa de um ato, este, não estando previsto na lei enquanto
tal, não poderia enfermar dessa forma de ilegalidade. Mas, ao mesmo tempo
dizia-se que existiam situações que o legislador não previu, mas que não previu
porque no momento legislativo não lhe ocorreu que precisasse de as prever. E o
exemplo dado era o exemplo do casamento. Dizia- se então, que o legislador
tinha esclarecido as causas de nulidade para um casamento entre pessoas de sexo
diferente, porque no contexto histórico em que este legislou, era impensável
que duas pessoas do mesmo sexo quisessem casar. Assim, não prevendo causas de
nulidade para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, considerar-se-ia que
havia uma inexistência por falta dos elementos essenciais do ato em causa. Posto
isto, diz Vasco Pereira da Silva que esta visão da nulidade era a visão
positivista do século XIX, e não faz hoje sentido que se aplique. Não faz,
porque ao lado das nulidades por culminação da lei, existem aquilo que o
Professor Freitas do Amaral apelida de Nulidades por Natureza. Portanto, as
situações equiparadas àquelas que o legislador estabeleceu como sendo nulidade,
são situações que devem corresponder a nulidades por natureza. Não é preciso
que o legislador determine expressamente todas as formas de nulidade.
Novamente,
Paulo Otero reconhece ainda que esta ideia da “Nulidade por Natureza” pode do
mesmo modo ultrapassar o tal bloqueio da taxatividade das situações de
Nulidade, porém, continua a afirmar que “(…) a inexistência vai muito mais além
da nulidade”, pois, novamente, e ao contrário da Nulidade, os atos inexistentes
são realidades de facto que não existem para o mundo do Direito. Diz ainda que,
apesar do CPA de 2015 não fazer referência à inexistência, ao deixar o mesmo de
entender que a Nulidade resulta dos atos “a que falte qualquer dos elementos
essenciais”, abre-se a porta para que as situações de falta desses elementos
essenciais possam ser consideradas situações de Inexistência Jurídica. Desta
forma, admitindo situações de Nulidade por Natureza, diz que podem existir
cenários radicais de falta de elementos mínimos de essencialidade material de
um ato, e que essa violação gravíssima da juridicidade, excluam esse “ato” do
mundo do direito, deixando a mera aparência de ato. É sobretudo para estas
situações radicais e gravíssimas que se apresenta o conceito de Inexistência.
Dada
a ausência de um regime legal para Inexistência, esta encontra-se genericamente
submetida ao regime da Nulidade. Ainda assim, já que se aplica a casos mais
graves e radicais, também esta tem certos efeitos mais graves e radicais como a
improdutividade total, já que estes casos contêm ineficácia originária e
absoluta, não se verifica qualquer presunção de legalidade nem dever de
obediência, podendo operar aqui o Direito de Resistência consagrado
Constitucionalmente, não pode haver execução coerciva, não há formação de caso Julgado, impede-se o
funcionamento do mecanismo do artigo 162º/3 do CPA, e verifica-se ainda a
impossibilidade de reforma ou conversão pois é impossível aproveitar o nada.
Ainda
assim, voltando ao que diz Vasco Pereira da Silva, em sentido contrário, afirma
que a figura é desnecessária, já que a lógica binária da Nulidade e
Anulabilidade resolve todos os problemas do ordenamento jurídico português. Vasco
Pereira da Silva nega assim a existência da Inexistência, e justifica-o dizendo
que o artigo 161º do CPA, estabeleceu uma noção ampla e aberta de nulidade e
considera, que no seu nº 2, esta enumeração, meramente exemplificativa, não é
taxativa. Vasco Pereira da Silva, nega assim o tal problema do princípio da
taxatividade da Nulidade. A discussão
que existe em Portugal, é a de saber se esta lista do artigo 161º é uma lista
taxativa ou exemplificativa. Na perspetiva do Professor, não há dúvida que esta
lista é meramente exemplificativa. É meramente exemplificativa porque o nº 2
usa a expressão “designadamente”, e “designadamente” é a expressão que o
legislador encontra, em Portugal, para estabelecer estas enumerações
exemplificativas. Acrescenta ainda que as hipóteses resultantes das alíneas a)
a l) do nº 2, correspondem a todas as espécies de atos administrativos. Ou
seja, nº 2 prevê quase todas as hipóteses, e esgota a maior parte das situações
que correspondem à ilegalidade do ato administrativo.
Diz
também o Professor Regente da cadeira que na versão originária do CPA, tinha
havido uma ideia, um princípio, de simplificar a teoria das invalidades e de
acabar com a Inexistência e com todas as outras coisas que não encaixassem na
lógica binária. E portanto, na versão originária não restavam quaisquer dúvidas
ao Professor de que a inexistência não fazia sentido. O legislador, agora em
2015, diminuiu o sentido do nº 1 do artigo 162º. Pois antes dizia-se, como já
foi referido, que “são nulos os atos para os quais a lei culmine expressamente
essa forma de ilegalidade”, acrescentava-se “e são nulos todos os casos que
correspondam à falta dos elementos essenciais do ato administrativo”, ou seja,
acabava-se com a inexistência. Assim, Vasco Pereira da Silva desconsidera um
dos maiores argumentos da Doutrina defensora da Inexistência dizendo que o facto
é que essa mudança não alterou nada, pois não afasta as tais Nulidades por Natureza,
os casos de situações análogas que geram, também, nulidade. E não altera pois o
nº 2 continua a ser construído a título meramente exemplificativo.
“Designadamente”, significa que o que está aqui em causa é uma enumeração
meramente exemplificativa.
Bibliografia
OTERO,
Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, Volume I, 1ª Edição,
Reimpressão, Almedina, 2016
DO
AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª Edição,
Reimpressão, Almedina, 2017
ALMEIDA,
Mário de Aroso, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código
de Procedimento Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2016
Cristiano
Tomás
Aluno
nº 56999
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