sexta-feira, 18 de maio de 2018

A Inexistência Jurídica


Antes do CPA, grande parte da doutrina confundia Nulidade com Inexistência. Dizia-se que o ato nulo era juridicamente inexistente. Porém, diz Freitas do Amaral que sempre fez a distinção. “Se não há uma conduta unilateral imputável à Administração, se a conduta não traduz o exercício de um poder de autoridade, se ela não tem por conteúdo a definição inovatória de uma situação jurídico-administrativa concreta, se não se reveste da publicidade legalmente exigida – encontrar-nos-emos perante uma situação de inexistência”. O ato administrativo Inexistente é um “Quid” que se pretende fazer passar por ato administrativo, “mas ao qual faltam certos elementos estruturais constitutivos que permitam identificar um tipo legal de ato administrativo”
Esclarece depois o Professor Paulo Otero que, a Pandectística Alemã usava a dicotomia Anulabilidade/Nulidade, e é a Doutrina Francesa que cria a figura da Inexistência Jurídica, de modo a superar o princípio da taxatividade das causas geradores de Nulidade, visando atingir as situações de invalidade ou imperfeição que não tinham sanção explícita numa norma.
Paulo Otero define a Inexistência como “(…) um conceito funcional, permitindo ao juiz obstar a certos resultados de condutas administrativas que, por via da nulidade, não encontravam tutela suficiente ou adequada.” A conduta inexistente é qualificada como uma simples situação de facto pois, apesar da existência aparente de um ato jurídico, a falta de elementos que constituem requisitos de existência absoluta da conduta administrativa em causa, determinam a sua inexistência.
O Professor alerta ainda para a importância da destrinça entre Inexistência Jurídica e Inexistência Material. Esta última prende-se com a inexistência de algo no mundo dos factos, enquanto que a Inexistência Jurídica se pode conduzir a uma realidade fáctica, que existe no mundo dos factos, mas que o Mundo do Direito não reconhece e lhe nega os efeitos normais, determinando assim que esta realidade fáctica tenha apenas “mera aparência de ato”, mas a classificação como um, é lhe negada pelo Direito.  Assim, nos casos de Inexistência Jurídica, estamos perante uma conduta à qual não é dada qualquer relevância perante a ordem jurídica. Assim, difere do ato Nulo, pois nem sequer está “dentro” do direito.
Em sentido contrário temos o Professor Vasco Pereira da Silva, que começa por explicar que a inexistência foi uma realidade consagrada no século XIX, no eixo privado, quando, no quadro da lógica positivista, se considerava que se a lei não previsse a nulidade expressa de um ato, este, não estando previsto na lei enquanto tal, não poderia enfermar dessa forma de ilegalidade. Mas, ao mesmo tempo dizia-se que existiam situações que o legislador não previu, mas que não previu porque no momento legislativo não lhe ocorreu que precisasse de as prever. E o exemplo dado era o exemplo do casamento. Dizia- se então, que o legislador tinha esclarecido as causas de nulidade para um casamento entre pessoas de sexo diferente, porque no contexto histórico em que este legislou, era impensável que duas pessoas do mesmo sexo quisessem casar. Assim, não prevendo causas de nulidade para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, considerar-se-ia que havia uma inexistência por falta dos elementos essenciais do ato em causa. Posto isto, diz Vasco Pereira da Silva que esta visão da nulidade era a visão positivista do século XIX, e não faz hoje sentido que se aplique. Não faz, porque ao lado das nulidades por culminação da lei, existem aquilo que o Professor Freitas do Amaral apelida de Nulidades por Natureza. Portanto, as situações equiparadas àquelas que o legislador estabeleceu como sendo nulidade, são situações que devem corresponder a nulidades por natureza. Não é preciso que o legislador determine expressamente todas as formas de nulidade.
Novamente, Paulo Otero reconhece ainda que esta ideia da “Nulidade por Natureza” pode do mesmo modo ultrapassar o tal bloqueio da taxatividade das situações de Nulidade, porém, continua a afirmar que “(…) a inexistência vai muito mais além da nulidade”, pois, novamente, e ao contrário da Nulidade, os atos inexistentes são realidades de facto que não existem para o mundo do Direito. Diz ainda que, apesar do CPA de 2015 não fazer referência à inexistência, ao deixar o mesmo de entender que a Nulidade resulta dos atos “a que falte qualquer dos elementos essenciais”, abre-se a porta para que as situações de falta desses elementos essenciais possam ser consideradas situações de Inexistência Jurídica. Desta forma, admitindo situações de Nulidade por Natureza, diz que podem existir cenários radicais de falta de elementos mínimos de essencialidade material de um ato, e que essa violação gravíssima da juridicidade, excluam esse “ato” do mundo do direito, deixando a mera aparência de ato. É sobretudo para estas situações radicais e gravíssimas que se apresenta o conceito de Inexistência.
Dada a ausência de um regime legal para Inexistência, esta encontra-se genericamente submetida ao regime da Nulidade. Ainda assim, já que se aplica a casos mais graves e radicais, também esta tem certos efeitos mais graves e radicais como a improdutividade total, já que estes casos contêm ineficácia originária e absoluta, não se verifica qualquer presunção de legalidade nem dever de obediência, podendo operar aqui o Direito de Resistência consagrado Constitucionalmente, não pode haver execução coerciva,  não há formação de caso Julgado, impede-se o funcionamento do mecanismo do artigo 162º/3 do CPA, e verifica-se ainda a impossibilidade de reforma ou conversão pois é impossível aproveitar o nada.
Ainda assim, voltando ao que diz Vasco Pereira da Silva, em sentido contrário, afirma que a figura é desnecessária, já que a lógica binária da Nulidade e Anulabilidade resolve todos os problemas do ordenamento jurídico português. Vasco Pereira da Silva nega assim a existência da Inexistência, e justifica-o dizendo que o artigo 161º do CPA, estabeleceu uma noção ampla e aberta de nulidade e considera, que no seu nº 2, esta enumeração, meramente exemplificativa, não é taxativa. Vasco Pereira da Silva, nega assim o tal problema do princípio da taxatividade da Nulidade.  A discussão que existe em Portugal, é a de saber se esta lista do artigo 161º é uma lista taxativa ou exemplificativa. Na perspetiva do Professor, não há dúvida que esta lista é meramente exemplificativa. É meramente exemplificativa porque o nº 2 usa a expressão “designadamente”, e “designadamente” é a expressão que o legislador encontra, em Portugal, para estabelecer estas enumerações exemplificativas. Acrescenta ainda que as hipóteses resultantes das alíneas a) a l) do nº 2, correspondem a todas as espécies de atos administrativos. Ou seja, nº 2 prevê quase todas as hipóteses, e esgota a maior parte das situações que correspondem à ilegalidade do ato administrativo.
Diz também o Professor Regente da cadeira que na versão originária do CPA, tinha havido uma ideia, um princípio, de simplificar a teoria das invalidades e de acabar com a Inexistência e com todas as outras coisas que não encaixassem na lógica binária. E portanto, na versão originária não restavam quaisquer dúvidas ao Professor de que a inexistência não fazia sentido. O legislador, agora em 2015, diminuiu o sentido do nº 1 do artigo 162º. Pois antes dizia-se, como já foi referido, que “são nulos os atos para os quais a lei culmine expressamente essa forma de ilegalidade”, acrescentava-se “e são nulos todos os casos que correspondam à falta dos elementos essenciais do ato administrativo”, ou seja, acabava-se com a inexistência. Assim, Vasco Pereira da Silva desconsidera um dos maiores argumentos da Doutrina defensora da Inexistência dizendo que o facto é que essa mudança não alterou nada, pois não afasta as tais Nulidades por Natureza, os casos de situações análogas que geram, também, nulidade. E não altera pois o nº 2 continua a ser construído a título meramente exemplificativo. “Designadamente”, significa que o que está aqui em causa é uma enumeração meramente exemplificativa.


Bibliografia

OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, Volume I, 1ª Edição, Reimpressão, Almedina, 2016
DO AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª Edição, Reimpressão, Almedina, 2017
ALMEIDA, Mário de Aroso, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código de Procedimento Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2016


Cristiano Tomás
Aluno nº 56999

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