1. Introdução
O contrato administrativo é uma
importante forma de atuação da Administração Pública na atualidade, uma vez que
permite-a prosseguir os fins de interesse público constitucionalmente definidos
através da cooperação com os particulares, em termos estabelecidos por ambas as
partes.
O presente post visa abordar a noção e conceito legal de contrato
administrativo, os critérios de qualificação de um contrato administrativo, a
distinção entre contratos administrativos e outras figuras, o âmbito de
aplicação desta figura, e por último o seu regime de invalidades.
2. Desenvolvimento
2.1. Noção de contrato administrativo e conceito legal
O contrato administrativo pode
ser definido, em termos gerais, como um modo de exercício da função
administrativo regulado pelo Direito Administrativo. Especificamente, é definido
por Freitas do Amaral como um acordo de
vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica
administrativa, seguindo a linha da antiga definição do CPA.
A expressão “contrato
administrativo” não abrange todos os contratos celebrados pela Administração
Pública. Na verdade, existem dois tipos diferentes de contratos que a
Administração Pública pode celebrar no direito interno (200.º/1 CPA): contratos
civis (de trabalho ou comercial, quando a Administração prossegue atividades de
gestão privada) e contratos administrativos (quando a Administração exerce
atividades de gestão pública). Apenas estes últimos recebem a designação
mencionada, por serem contratos regulados pelo Direito Administrativo (Cfr.
art.280.º CCP, bem como 200º do CPA).
Exige-se que as partes
contratantes sejam ou contraentes
públicos e cocontratantes ou
somente contraentes públicos, e que
os contratos se integrem em alguma das categorias previstas nas quatro alíneas.
Cada uma dessas alíneas refere as
características da sua categoria de contratos, consagrando assim o já referido sistema de cláusula geral.
Para melhor entender estes
tipos de contratos, é oportuno primeiro esclarecer o conceito de contraentes
públicos: segundo o artigo 3º/1/a do CCP, são contraentes públicos o Estado, as
Regiões Autónomas, as autarquias locais, os institutos públicos, as entidades
administrativas independentes, o Banco de Portugal, as fundações públicas, as
associações públicas, bem como "associações
de que façam parte uma ou várias das pessoas coletivas referidas nas alíneas
anteriores, desde que sejam maioritariamente financiadas por estas, estejam
sujeitas ao seu controlo de gestão ou tenham um órgão de administração, de
direção ou de fiscalização cuja maioria dos titulares seja, direta ou
indiretamente, designada pelas mesmas." (art.2.º/1/i do CCP, por
remissão do artigo 3º/1/a).
Segundo o artigo 3º/1/b,
também se incluem neste conceito organismos
de direito público, “sempre que os
contratos por si celebrados sejam, por vontade das partes, qualificados como
contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito
público.”
Por último, o nº2 do referido
artigo 3º afirma que “São também
contraentes públicos quaisquer entidades que, independentemente da sua natureza
pública ou privada, celebrem contratos no exercício de funções materialmente
administrativas.”.
2.2. Critérios de qualificação de um acordo celebrado como contrato administrativo
Os contratos que assumam a
natureza de contratos administrativos são regulados pela Parte III do CCP (Ver
ainda art.202.º CPA).
Desse modo, a qualificação de contratos
como fonte de relações contratuais administrativas está prevista no artigo
280º/1 do CCP:
Artigo 280.º
(Direito aplicável)
1 – “A parte III
aplica-se aos contratos sujeitos à parte II que configurem relações jurídicas
contratuais administrativas, entendidas, para efeitos do presente Código e sem
prejuízo do disposto em lei especial, como o acordo de vontades,
independentemente da sua forma ou designação, em que pelo menos uma das partes
seja um contraente público e que se integre em qualquer uma das seguintes
categorias (…)”.
·
a) Contratos que, por força do presente Código,
da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos
administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público;
·
b) Contratos com objeto passível de ato
administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos;
·
c) Contratos que confiram ao cocontratante
direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos
do contraente público;
·
d) Contratos que a lei submeta, ou que admita
que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de
direito público e em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou
substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente
público.
Segundo a alínea a), são
contratos administrativos aqueles que a lei ou a vontade das partes assim o
qualifiquem ou submetam a um regime de direito público.
A alínea b) e c) mencionam
contratos com objeto passível de ato administrativo e a contratos relativos ao
exercício de poderes públicos, o que representa um alargamento do âmbito da
possibilidade de utilização do contrato administrativo.
A alínea d) admite a
possibilidade de contratos públicos que não se tornam contratos
administrativos, pelo facto de a prestação do cocontratante não condicionar ou substituir,
de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.
Apenas não se consideram como contratos administrativos:
·
Os celebrados por contraentes públicos e que
estejam submetidos a um regime de direito privado;
·
Os celebrados por contraentes públicos e que
sejam qualificados como contratos de direito privado, pela lei ou pelas partes.
·
Os contratos públicos celebrados por organismos de direito público que não
sejam celebrados no exercício de funções materialmente administrativas, nem submetidos
a um regime de direito público.
2.3. Distinção entre contratos administrativos e outras figuras
Os contratos administrativos
estão inseridos em três categorias de contratos, dentro dos vários contratos
públicos, segundo Mário Aroso de Almeida:
Os contratos administrativos (referidos nos artigos 3º - contraentes públicos e 8º - contraentes públicos nos setores da água, da
energia, dos transportes e dos serviços postais) são contratos que têm um
estatuto próprio de Direito Administrativo, visando o processo de formação,
execução, e as relações jurídicas originadas.
Distinguem-se de contratos de direito privado da
Administração Pública, uma vez que, embora estes sejam regulados pelo
Direito Administrativo e Direito Constitucional (ao concretizar princípios
constitucionais administrativos), estão predominantemente sujeitos a normas de
direito privado.
Também se distinguem dos contratos sujeitos a regimes procedimentais
de formação regulados pelo Direito Administrativo (especialmente o Código
dos Contratos Públicos, na sua Parte II, mas também normas eurocomunitárias e
legislação avulsa), uma vez que estes incidem sobre a formação da vontade do
contraente público, a escolha da outra parte, e a celebração de contratos que
têm como objeto a aquisição de prestações no mercado, sujeitos à sua
concorrência (Cfr. art.201.º/1 CPA). Apesar de estarem integrados nos contratos
administrativos, segundo o Código dos Contratos Públicos (doravante “CCP”),
Mário Aroso de Almeida afirma que são distintos: a sujeição de um contrato a
regimes de contratação pública está num plano diferente de saber se o regime
aplicável a esse contrato deve ser predominantemente regulado pelo Direito
Administrativo ou não.
Freitas do Amaral esclarece
ainda a seguinte distinção entre
contratos administrativos e contratos públicos: enquanto que os contratos
administrativos seriam todos os contratos
que, à luz do direito administrativo, criem, modifiquem ou extingam relações
jurídico-administrativas, os contratos públicos designam os contratos celebrados pela Adminstração
Pública, quer sejam regulados pelo direito administrativo, quer pelo direito
privado, que a lei submeta a um especial procedimento de formação, regulado por
normas decorrentes do Direito Europeu. Desta distinção decorre que a
maioria dos contratos administrativos são contratos públicos.
2.4. O âmbito de aplicação da figura do contrato administrativo
O âmbito do contrato
administrativo visa responder em que termos pode a Administração Pública
celebrar os referidos contratos para prosseguir os seus fins, bem como que
tipos de contratos administrativos estão previstos na lei.
O âmbito mais restrito de outrora,
em que apenas se qualificavam como contratos administrativos aqueles que a lei
assim o definisse (sistema de enumeração
taxativa), foi substituído por um sistema
de cláusula geral, em que se qualificam como contratos administrativos
todos os que correspondam aos critérios previstos na lei.
Consequentemente, ficou também
mais aberto e acessível o recurso da Administração Pública à contratação: de
facto, muitos contratos administrativos visam realizar soluções que poderiam semelhantemente
ser obtidas por atos administrativos (contratos
administrativos com objeto passível de ato administrativo) ou por meros
contratos de direito privado (contratos
administrativos com objeto passível de contrato de direito privado).
Para isso, contribui o facto de o
contrato administrativo não requerer uma habilitação específica, como regula o
artigo 278º do CCP (Na prossecução das
suas atribuições ou dos seus fins, os contraentes públicos podem celebrar
quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da
natureza das relações a estabelecer.) e o artigo 200º/3 do CPA (Na prossecução das suas atribuições ou dos
seus fins, os órgãos da Administração Pública podem celebrar quaisquer
contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza
das relações a estabelecer.). Os únicos limites previstos para a
Administração são a lei e a natureza das relações a estabelecer.
2.5. Regime da invalidade dos contratos administrativos
Aos contratos administrativos,
aplica-se o regime de invalidade previsto para o ato administrativo (art.285.º/1),
bem como o da caducidade (art.337.º) e negociação da vigência das obrigações
contratuais (art.336.º).
3. Conclusão
Para concluir, deve ser salientada
a importância desta figura pela sua flexibilização e capacidade de adequação a
um conjunto diverso de soluções. De facto, são exemplos de contratos
administrativos a contratação de um empreiteiro para realizar obras (que deste
modo evita realizá-las diretamente) ou a compra de materiais e equipamento a
privados para escolas e hospitais.
4. Bibliografia
AMARAL, Freitas do, Curso
de Direito Administrativo – vol.II, 3ªed., Almedina, 2016
ALMEIDA, Mário Aroso de – Teoria Geral do Direito Administrativo, 2016, 3ªed.
Vasco Pereira da Silva, Aulas Teóricas na Regência da turma
B de Direito Administrativo II (2017)
Rafael Matias, 57042
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