quinta-feira, 17 de maio de 2018

Os contratos administrativos


1. Introdução

O contrato administrativo é uma importante forma de atuação da Administração Pública na atualidade, uma vez que permite-a prosseguir os fins de interesse público constitucionalmente definidos através da cooperação com os particulares, em termos estabelecidos por ambas as partes.
O presente post visa abordar a noção e conceito legal de contrato administrativo, os critérios de qualificação de um contrato administrativo, a distinção entre contratos administrativos e outras figuras, o âmbito de aplicação desta figura, e por último o seu regime de invalidades.

2. Desenvolvimento

2.1. Noção de contrato administrativo e conceito legal

O contrato administrativo pode ser definido, em termos gerais, como um modo de exercício da função administrativo regulado pelo Direito Administrativo. Especificamente, é definido por Freitas do Amaral como um acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa, seguindo a linha da antiga definição do CPA.
A expressão “contrato administrativo” não abrange todos os contratos celebrados pela Administração Pública. Na verdade, existem dois tipos diferentes de contratos que a Administração Pública pode celebrar no direito interno (200.º/1 CPA): contratos civis (de trabalho ou comercial, quando a Administração prossegue atividades de gestão privada) e contratos administrativos (quando a Administração exerce atividades de gestão pública). Apenas estes últimos recebem a designação mencionada, por serem contratos regulados pelo Direito Administrativo (Cfr. art.280.º CCP, bem como 200º do CPA).
Exige-se que as partes contratantes sejam ou contraentes públicos e cocontratantes ou somente contraentes públicos, e que os contratos se integrem em alguma das categorias previstas nas quatro alíneas.
Cada uma dessas alíneas refere as características da sua categoria de contratos, consagrando assim o já referido sistema de cláusula geral.
Para melhor entender estes tipos de contratos, é oportuno primeiro esclarecer o conceito de contraentes públicos: segundo o artigo 3º/1/a do CCP, são contraentes públicos o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais, os institutos públicos, as entidades administrativas independentes, o Banco de Portugal, as fundações públicas, as associações públicas, bem como "associações de que façam parte uma ou várias das pessoas coletivas referidas nas alíneas anteriores, desde que sejam maioritariamente financiadas por estas, estejam sujeitas ao seu controlo de gestão ou tenham um órgão de administração, de direção ou de fiscalização cuja maioria dos titulares seja, direta ou indiretamente, designada pelas mesmas." (art.2.º/1/i do CCP, por remissão do artigo 3º/1/a).

Segundo o artigo 3º/1/b, também se incluem neste conceito organismos de direito público, “sempre que os contratos por si celebrados sejam, por vontade das partes, qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público.”

Por último, o nº2 do referido artigo 3º afirma que “São também contraentes públicos quaisquer entidades que, independentemente da sua natureza pública ou privada, celebrem contratos no exercício de funções materialmente administrativas.”.

2.2. Critérios de qualificação de um acordo celebrado como contrato administrativo

Os contratos que assumam a natureza de contratos administrativos são regulados pela Parte III do CCP (Ver ainda art.202.º CPA).
Desse modo, a qualificação de contratos como fonte de relações contratuais administrativas está prevista no artigo 280º/1 do CCP:

Artigo 280.º
(Direito aplicável)
1 – “A parte III aplica-se aos contratos sujeitos à parte II que configurem relações jurídicas contratuais administrativas, entendidas, para efeitos do presente Código e sem prejuízo do disposto em lei especial, como o acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, em que pelo menos uma das partes seja um contraente público e que se integre em qualquer uma das seguintes categorias (…)”.
·         a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público;
·         b) Contratos com objeto passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos;
·         c) Contratos que confiram ao cocontratante direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público;
·         d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.

Segundo a alínea a), são contratos administrativos aqueles que a lei ou a vontade das partes assim o qualifiquem ou submetam a um regime de direito público.
A alínea b) e c) mencionam contratos com objeto passível de ato administrativo e a contratos relativos ao exercício de poderes públicos, o que representa um alargamento do âmbito da possibilidade de utilização do contrato administrativo.
A alínea d) admite a possibilidade de contratos públicos que não se tornam contratos administrativos, pelo facto de a prestação do cocontratante não condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.
Apenas não se consideram como contratos administrativos:
·         Os celebrados por contraentes públicos e que estejam submetidos a um regime de direito privado;
·         Os celebrados por contraentes públicos e que sejam qualificados como contratos de direito privado, pela lei ou pelas partes.
·         Os contratos públicos celebrados por organismos de direito público que não sejam celebrados no exercício de funções materialmente administrativas, nem submetidos a um regime de direito público.

2.3. Distinção entre contratos administrativos e outras figuras

Os contratos administrativos estão inseridos em três categorias de contratos, dentro dos vários contratos públicos, segundo Mário Aroso de Almeida:
               
Os contratos administrativos (referidos nos artigos 3º - contraentes públicos e 8º - contraentes públicos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais) são contratos que têm um estatuto próprio de Direito Administrativo, visando o processo de formação, execução, e as relações jurídicas originadas.

Distinguem-se de contratos de direito privado da Administração Pública, uma vez que, embora estes sejam regulados pelo Direito Administrativo e Direito Constitucional (ao concretizar princípios constitucionais administrativos), estão predominantemente sujeitos a normas de direito privado.

Também se distinguem dos contratos sujeitos a regimes procedimentais de formação regulados pelo Direito Administrativo (especialmente o Código dos Contratos Públicos, na sua Parte II, mas também normas eurocomunitárias e legislação avulsa), uma vez que estes incidem sobre a formação da vontade do contraente público, a escolha da outra parte, e a celebração de contratos que têm como objeto a aquisição de prestações no mercado, sujeitos à sua concorrência (Cfr. art.201.º/1 CPA). Apesar de estarem integrados nos contratos administrativos, segundo o Código dos Contratos Públicos (doravante “CCP”), Mário Aroso de Almeida afirma que são distintos: a sujeição de um contrato a regimes de contratação pública está num plano diferente de saber se o regime aplicável a esse contrato deve ser predominantemente regulado pelo Direito Administrativo ou não.

Freitas do Amaral esclarece ainda a seguinte distinção entre contratos administrativos e contratos públicos: enquanto que os contratos administrativos seriam todos os contratos que, à luz do direito administrativo, criem, modifiquem ou extingam relações jurídico-administrativas, os contratos públicos designam os contratos celebrados pela Adminstração Pública, quer sejam regulados pelo direito administrativo, quer pelo direito privado, que a lei submeta a um especial procedimento de formação, regulado por normas decorrentes do Direito Europeu. Desta distinção decorre que a maioria dos contratos administrativos são contratos públicos.

2.4. O âmbito de aplicação da figura do contrato administrativo

O âmbito do contrato administrativo visa responder em que termos pode a Administração Pública celebrar os referidos contratos para prosseguir os seus fins, bem como que tipos de contratos administrativos estão previstos na lei.
O âmbito mais restrito de outrora, em que apenas se qualificavam como contratos administrativos aqueles que a lei assim o definisse (sistema de enumeração taxativa), foi substituído por um sistema de cláusula geral, em que se qualificam como contratos administrativos todos os que correspondam aos critérios previstos na lei.
Consequentemente, ficou também mais aberto e acessível o recurso da Administração Pública à contratação: de facto, muitos contratos administrativos visam realizar soluções que poderiam semelhantemente ser obtidas por atos administrativos (contratos administrativos com objeto passível de ato administrativo) ou por meros contratos de direito privado (contratos administrativos com objeto passível de contrato de direito privado).
Para isso, contribui o facto de o contrato administrativo não requerer uma habilitação específica, como regula o artigo 278º do CCP (Na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os contraentes públicos podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer.) e o artigo 200º/3 do CPA (Na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os órgãos da Administração Pública podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer.). Os únicos limites previstos para a Administração são a lei e a natureza das relações a estabelecer.

2.5. Regime da invalidade dos contratos administrativos

Aos contratos administrativos, aplica-se o regime de invalidade previsto para o ato administrativo (art.285.º/1), bem como o da caducidade (art.337.º) e negociação da vigência das obrigações contratuais (art.336.º).

3. Conclusão

Para concluir, deve ser salientada a importância desta figura pela sua flexibilização e capacidade de adequação a um conjunto diverso de soluções. De facto, são exemplos de contratos administrativos a contratação de um empreiteiro para realizar obras (que deste modo evita realizá-las diretamente) ou a compra de materiais e equipamento a privados para escolas e hospitais.

4. Bibliografia

AMARAL, Freitas do, Curso de Direito Administrativo – vol.II, 3ªed., Almedina, 2016
ALMEIDA, Mário Aroso de – Teoria Geral do Direito Administrativo, 2016, 3ªed.
Vasco Pereira da Silva, Aulas Teóricas na Regência da turma B de Direito Administrativo II (2017)

Rafael Matias, 57042

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