O ato administrativo é uma das
principais formas da atividade da Administração Pública e a sua forma de
atuação mais tradicional. Constitui uma expressão do exercício de um poder
público de autoridade (ius imperii).
Ao longo da história, o ato administrativo conheceu vários modelos, consoante a
época em que se inseria, que são importantes conhecer. Como afirma o Professor
Doutor Mário Aroso de Almeida ‘’De país para país, e dentro de cada país, de
Autor para Autor, tendem, na verdade, a variar os entendimentos sobre o
conceito de ato administrativo e as respectivas fronteiras - especialmente num
contexto caracterizado pela emergência de novas formas de atuação da
Administração Pública, como é aquele que as sociedades europeias têm vivido em
tempos mais recentes.’’. Assim, verificamos que a noção de ato administrativo é
altamente mutável, adaptando-se às circunstâncias em que se insere. Vejamos,
então, o que caracteriza a definição de ato administrativo em cada momento.
Ao longo do século XIX procurou-se
afastar a atuação da Administração de tudo o que dissesse respeito à vida
privada dos cidadãos. Tal era uma reação ao então recente Estado de Polícia,
caracterizado pela centralização de todos os poderes na pessoa do rei –
Absolutismo. Consequentemente, na Época do Estado Liberal, ainda marcado pelas
ideias absolutistas que vão perdurar longos anos, o modelo do ato
administrativo era autoritário e desfavorável à liberdade dos cidadãos. Isto demonstrava
claramente a supremacia da Administração Pública em relação aos cidadãos, pois
ela detinha amplos poderes de regulamentação e fiscalização das atividades do
povo. Existem três conceções importantes acerca do ato administrativo desta
época, feitas por Otto Mayer, Maurice Hauriou e Marcello Caetano. Em primeiro
lugar, Otto Mayer, conhecido positivista jurídico alemão, partia da similitude
entre Administração e Justiça como funções executivas, concebendo o ato
administrativo como um ato que definia o direito aplicável aos particulares.
Comparava os atos administrativos às sentenças, porque considerava que os atos
definiam o direito de forma coativa. Por outro lado, Maurice Hauriou,
positivista sociológico francês, comparava o ato administrativo aos negócios
jurídicos. Segundo a sua posição, o que caracterizava os atos administrativos
eram os poderes exorbitantes da Administração. Estes privilégios exorbitantes
correspondiam ao privilégio decisório (era
a Administração Pública que decidia e definia o direito através deste
privilégio) e o privilégio executório (correspondia
à capacidade coativa). Esta teoria acaba por ser uma outra forma de expressar a
posição do alemão Otto Mayer. Por último, o Professor Doutor Marcello Caetano
propôs um conceito de ato administrativo definitivo e executório, que definia
como ‘’a conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um
poder público que, para a prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a
um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força
obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto’’. Tendo por base
esta definição e tripla dimensão, o Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral
define aquilo que se chama tripla definitividade. Teremos, deste modo, a
definitividade material (porque definia direito feito no caso concreto),
definitividade vertical (tomado pela autoridade suprema da Administração) e
definitividade horizontal (o mais importante é a decisão final, o resultado do
procedimento, enquanto última vontade da Administração).
O Professor Doutor Vasco Pereira da
Silva apresenta várias críticas a estas conceções clássicas de ato
administrativo. Primeiramente, afirma que não é a Administração que tem de
definir o Direito, mas sim o juiz. A Administração utiliza o Direito para
satisfazer as necessidades dos cidadãos, as necessidades coletivas. Então, a
ideia de que o ato é a definição do Direito não procede, não fazendo sentido
falar-se em definitividade material. Acrescenta também que cada vez mais nos
nossos dias há desconcentração dos polos decisórios da Administração, o que
leva a que qualquer órgão com competência possa praticar atos administrativos,
pelo que não é unicamente a Administração Pública que o pode fazer, por isso
não há que falar em definitividade vertical. No que diz respeito à definitividade
horizontal, este Professor defende que os procedimentos são uma realidade cada
vez mais complexa e, por esse motivo, têm importância todas as decisões tomadas
no âmbito do procedimento e não apenas a decisão final. Ora, isto é fácil de
compreender, uma vez que todas as decisões tomadas pela Administração durante
um procedimento vão reflectir-se na decisão final. Ademais, diz que a
característica da executoriedade não está presente na maior parte dos atos
administrativos de hoje em dia e por isso não é razoável dizer-se que a
execução coativa caracteriza os atos administrativos.
Posteriormente, com a transição
para o Estado Social, caracterizado pela crescente intervenção da Administração
na sociedade e na economia (daí se designar a Administração como ‘’prestadora’’),
a lógica do ato administrativo era a de atribuir vantagens aos particulares. Houve
a necessidade de criar garantias que tutelassem a defesa dos direitos e
interesses dos cidadãos, numa ótica de proximidade entre estes e o Estado. Ou
seja, deixou de se ter atos administrativos autoritários para se ter atos
administrativos favoráveis, nos quais não cabia a ideia de ato executório,
enquanto ato que punha em causa a defesa dos direitos dos particulares.
Já no Estado Pós-Social, em virtude
da permanente complexificação da atividade administrativa, surgem os atos
administrativos multilaterais. A Administração Pública pratica atos que têm
repercussões numa multiplicidade de cidadãos, daí que se diga que estes atos
têm eficácia em relação a terceiros.
Segundo o Professor Doutor Vasco
Pereira da Silva, estes modelos de atos administrativos coexistem no Direito
Administrativo português nos dias de hoje. Não podem, por isso, ser
considerados individualmente: é preciso retirar de cada um deles elementos
importantes para que se alcance um conceito amplo de ato administrativo, que
abarque atos autoritários, atos prestadores e atos multilaterais. Segundo a sua opinião, o art. 148º do Código
de Procedimento Administrativo (CPA) apresenta uma noção ampla e aberta do
conceito de ato administrativo, mas nem todos os autores assim o consideram.
Afirma este Professor que o elemento chave do artigo em apreço é a produção de efeitos jurídicos.
Importa discutir dois pontos. Em
primeiro lugar, o Professor Doutor Freitas do Amaral, para defender a noção
restritiva de ato administrativo (contrariando a sua posição anterior que
defendia uma noção ampla de ato administrativo), argumenta que o ato
administrativo é uma decisão. Tem por base a letra da lei do art. 148º CPA, em
especial o termo ‘’decisões’’, e entende que este termo implica a comparação do
ato administrativo às decisões judiciais, daí os atos serem definidores de
direito. O Professor Doutor Vasco Pereira da Silva contra argumenta dizendo que
o termo ‘’decisões’’ é amplo e neutro, não se reconduzindo apenas a decisões
judiciais. No quadro da ‘’Teoria da Decisão’’, a lógica moderna de consideração
do fenómeno decisório é de considerar que a decisão é uma realidade comum a
todas as ciências sociais e por esse motivo não faz sentido reconduzir o termo
‘’decisões’’ apenas às decisões judiciais. Em segundo lugar, o segundo ponto que
é importante mencionar relaciona-se com o uso da expressão ‘’externos’’
prevista no art. 148º CPA. O Professor Doutor Vasco Pereira da Silva considera
que a introdução desta expressão não altera muito a noção de ato
administrativo. Preferia, no entanto, que a expressão não estivesse presente no
artigo, mas não deixa de sublinhar a ideia de que quando se fala na produção de
efeitos jurídicos, esses são obviamente externos, por dizerem respeito a uma
realidade que produz efeitos para fora. Seguindo a corrente de pensamento do
jurista italiano Antonio Cassesse, aquele Professor defende que hoje em dia é
inútil fazer uma distinção entre atos externos e internos porque estes últimos
irão transformar-se em atos externos, pelo simples facto de produzirem efeitos
jurídicos e terem eficácia externa em relação a terceiros.
Em suma, conseguimos compreender
que, apesar das diferentes aceções de ato administrativo que existiram ao longo
da história, este foi sempre encarado como um exercício da função administrativa,
ainda que a atuação do Estado nem sempre tenha sido favorável aos cidadãos. É
importante, seguindo a posição do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, que
o conceito de ato administrativo se vá expandido e o primeiro passo para tal já
foi dado com a consagração, no art. 148º CPA, de um conceito amplo de ato
administrativo.
Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, Teoria Geral do Direito Administrativo – o novo
regime do Código de Procedimento Administrativo, 3ª edição, Almedina,
Coimbra, 2016
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo II, 3ª
edição, Almedina, Coimbra, 2016
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, Almedina,
Coimbra, 1996
Maria Manuel Pedro, nº57136
Sem comentários:
Enviar um comentário