1ª fase:
Durante muito tempo, o Estado era irresponsável, i.e., não tinha a obrigação de
indemnizar os prejuízos que da sua ação resultassem para os particulares. Era o
Sistema (A).
Mas é preciso reconhecer
que, na prática, o rigor destes princípios se atenuava bastante. Pois, por um
lado, eram consideráveis as exceções abertas em detrimento da regra geral: as
autarquias locais respondiam pelos danos causados; o Estado respondia pela
maior parte das suas atividades privadas, como a execução de obras públicas,
podiam responsabilizar o Estado em virtude do disposto em leis especiais. Eram,
em casos especiais, o Sistema (B).
Por outro lado, o
facto de o Estado ser ainda abstencionista limitava grandemente as
oportunidades em que a sua ação podia ser geradora de danos para os
particulares.
De qualquer modo,
o Estado era em regra irresponsável. Consequentemente, a Administração também
não podia ser responsabilizada, direta ou indiretamente, pelos danos causados
em consequência da execução das leis.
Vigorava um regime
de responsabilidade exclusiva e pessoal do funcionário; a Administração nem
sequer respondia indiretamente.
A doutrina e a
jurisprudência, contudo, interpretaram os preceitos no sentido de que os atos
de gestão privada praticados sob a égide do direito civil responsabilizam o
Estado, à semelhança do que acontecia com as demais pessoas coletivas ou
“pessoas morais”. Continuava a vigorar o Sistema (B).
A CRP de 1911 não
se ocupou do tema.
2ª fase:
já no segundo quartel do século XX, algumas decisões jurisprudenciais
principiaram a admitir a responsabilidade do Estado por “atos de império”.
A revisão do CC de
1930 consagrou a responsabilidade
solidária do Estado com os seus agentes por atos ilícitos praticados por
estes no exercício das suas funções. Por força do Decreto n.º 19126, de 16 de
dezembro de 1930, o art. 2399º CC de
Seabra foi acrescentado na sua parte final. Foi o início do Sistema
(C), sob a modalidade (C.2), que aliás não excluiu o Sistema (B) para as
atuações do Estado na égide do direito privado.
Pouco depois, no
Código Administrativo de 1936-40, chegou mesmo a estabelecer-se, em certos
casos, a responsabilidade exclusiva das autarquias locais: respondiam
civilmente pelas perdas e danos resultantes das deliberações dos respetivos
corpos administrativo com ofensa da lei, mas dentro das respetivas atribuições
e competência, com observância das formalidades essenciais e para a realização
dos fins legais. Era o Sistema (C.1) a despontar. Só os atos feridos de
incompetência, excesso de poder ou preterição de formalidades essenciais é que
continuaram a implicar a responsabilidade pessoal do agente.
Assim, a partir
dos anos trinta do século passado, a legislação ordinária portuguesa admitiu a
responsabilidade civil da Administração por atos ilícitos e culposos,
estabelecendo uma presunção de culpa funcional nos casos em que a ilicitude
proviesse de mera preterição de formalidades ou de simples violação de lei.
O Estado passa a
dar cobertura ao bom funcionário que se engana, mas não ajuda o mau funcionário
que comete faltas graves, nem o péssimo, que se serve da função para prejudicar
um ou mais particulares.
Quanto à então
chamada “responsabilidade administrativa”, sustentou a doutrina, até meados
daquele século, que tal responsabilidade só existia nos casos expressamente
enumerados em lei especial. Mas por volta de 1950 começou a entender-se que,
pelo menos quanto à responsabilidade por atos lícitos, havia um princípio geral
que impunha à Administração o dever de indemnizar, fora das hipóteses previstas
nas leis.
Do ponto de vista
processual, era uma situação paradoxal: as ações para efetivação da
responsabilidade civil da Administração eram propostas em tribunais
administrativos, mas a competência para conhecer da responsabilidade dita
administrativa pertencia aos tribunais judiciais.
3ª fase:
a publicação do CC de 1966 veio provocar modificações importantes ao dispor
apenas acerca da responsabilidade por danos causados “no exercício da atividade de gestão privada” (art. 501º), deixando para as leis administrativas a
disciplina da responsabilidade da Administração “no domínio dos atos de gestão pública”, a qual veio
efetivamente a ser estabelecida pelo DL
n.º 48051, de 21 de novembro de 1967. Este, fiel ao paradigma da
responsabilidade pelo facto de terceiro, consagrou um regime diferenciado de responsabilidade da Administração em
matéria de factos ilícitos e culposos dos seus órgãos, funcionários ou agentes
e, como figura geral, a responsabilidade
exclusiva e objetiva da mesma Administração no que se refere à
responsabilidade pelo risco e à responsabilidade por facto lícito. Sistemas (B)
e (C).
Correspondentemente
foi revista a matéria da competência contenciosa: pelos danos causados no desempenho
de atividades de gestão privada, a
Administração respondia segundo o direito
civil e perante os tribunais
judiciais; e pelos danos causados no desempenho de atividades de gestão pública, a Administração
respondia segundo o direito
administrativo e perante os tribunais
administrativos.
4ª fase (atual):
a CRP de 1976 autonomizou, no art.
22º, a responsabilidade do Estado e demais entidades públicas da
responsabilidade dos seus funcionários e agentes, estabelecendo que os
primeiros respondem “em forma solidária” com os segundos “por ações e omissões
praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que
resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
Apesar de todas as dificuldades suscitadas pelo seu teor literal, este preceito
nunca foi objeto de qualquer modificação.
As sucessíveis
leis sobre as atribuições e competências das autarquias locais reiteraram os
termos essenciais consagrados no DL
n.º 48051, de 21 de novembro de 1967, assentes na distinção entre responsabilidade funcional e responsabilidade pessoal. Sistemas (B) e
(C).
Posteriormente, a
Reforma do Contencioso Administrativo de 2002-2003 veio remeter o tratamento de
todas as questões relativas à responsabilidade civil da Administração para os tribunais administrativos através da ação administrativa comum. Com efeito, o
novo ETAF concentrou nos tribunais administrativos a competência para conhecer
da responsabilidade civil contratual
resultante do incumprimento de contratos públicos ou de contratos
administrativos. Idêntica solução foi adotada quanto à responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de
direito público, dos titulares de órgãos, funcionais, agentes e demais
servidores públicos, e da responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos
privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade civil
extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público.
O RCEEP foi
aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31
de dezembro. Dois dos objetivos prosseguidos foram: aproximar o quadro
normativo legislado da jurisprudência dos tribunais administrativos e o de dar
cumprimento à obrigação de transposição de diretivas comunitárias em matéria de
responsabilidade pré-contratual.
Em síntese, importa considerar a
contraposição entre a responsabilidade civil da Administração Pública e a
responsabilidade civil dos seus agentes. Acresce que, se no plano adjetivo, o
meio processual e os tribunais competentes são os mesmos, independentemente do
tipo de atividade concretamente em causa, no plano substantivo continua a fazer
sentido distinguir entre a responsabilidade civil emergente do “exercício de
atividades de gestão privada”, cujo regime consta do art. 501º CC, e a responsabilidade civil emergente do
“exercício da função administrativa”, regulada pelo CCP e pelo RCEEP.
Bibliografia:
Freitas do Amaral, Diogo,
Curso de Direito Administrativo, Vol. II,
3ª edição, 2016, Almedina, Coimbra.
Beatriz Pestana Canada, subturma 10, Turma B, 2ºano
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