A parte geral do
Direito Administrativo ocupa-se das garantias dos particulares, que podem ser
definidas como os meios criados pela
ordem jurídica com a finalidade de evitar ou sancionar as violações do direito
objetivo, as ofensas dos direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos
particulares, ou o demérito da ação administrativa, por parte da Administração
Pública.
Apontam-se três classificações
de garantias: preventivas e reparadoras; de direito objetivo e dos
particulares; de legalidade e de mérito.
As garantias são
preventivas ou reparadoras, conforme se destinam a evitar violações por parte
da Administração Pública ou a repará-las, eliminando atos ilegais, aplicando
sanções ou impondo indemnizações ou outras condutas que sejam devidas.
São do direito
objetivo ou dos particulares, consoante tenham por objetivo primordial defender
o ordenamento objetivo contra atos ilegais da Administração, ou defender os
direitos subjetivos ou os interesses legítimos dos particulares contra as
atuações da Administração Pública que os violem ou prejudiquem.
São de legalidade
ou de mérito, conforme visem prevenir ou reparar ofensas ao bloco de legalidade
em vigor ou aos critérios e regras de boa administração que hajam de ser
adotados.
As garantias dos particulares, por
sua vez, desdobram-se em garantias políticas,
administrativas e contenciosas, consoante os órgãos a quem seja confiada a
efetivação das garantias seja um órgão político do Estado, da Administração ou
um tribunal.
Vamos focar-nos essencialmente nas
garantias administrativas, que se
efetivam através da atuação e decisão de órgãos da Administração pública. O
ponto essencial deste tipo de garantias é a institucionalização, no interior da propria Administração, de
mecanismos de controlo da sua atividade, criados por lei com o objectivo de assegurar
o respeito da legalidade e a observância do dever de boa administração, sendo
determinante também para assegurar o respeito pelos direitos subjetivos ou os interesses
legítimos dos particulares.
As garantias administrativas são
bastante importantes, sendo que se afastam das garantias políticas por vários
factores, como por exemplo, o facto de os órgãos administrativos não actuarem
com motivações politicas, mas sim com a motivação da satisfação dos interesses legítimos
dos particulares. Não obstante, o que acontece na prática não espelha a eficiência
que está atribuída às garantias administrativas, visto que, por vezes os órgãos também se movem
por motivações políticas; por outro lado, porque muitas vezes os órgãos da
Administração Pública guiam-se mais por critérios de eficiência na prossecução
do interesse público do que pelo desejo rigoroso e escrupuloso de respeitar a
legalidade e os direitos subjetivos ou os interesses legítimos dos
particulares.
Posto
isto, há então que distinguir as garantias que funcionam como garantias de legalidade
e as que funcionam como garantias de mérito. Por outro lado, importa a
distinção entre garantias de tipo petitório e de tipo impugnatório.
As garantias de tipo petitótio têm por
base um pedido, sendo que há cinco tipos de garantias petitórias: direito de
petição, direito de representação, direito de queixa, direito de denúncia e
direito de oposição administrativa e as garantias de tipo impugnatório têm por
base uma impugnação e que, perante um ato administrativo já praticado, os
particulares são admitidos por lei a impugnar esse ato, i.e., a ataca-lo com
determinados fundamentos, com vista à sua revogação, anulação administrativa ou
modificação (art. 184º/1 e 2 CPA). Os meios de impugnação de atos administrativos perante órgãos da
Administração Pública, têm quatro as principais espécies (art. 191º a 199º
CPA):
*Reclamação;
* Recurso
hierárquico;
* Recurso
hierárquico impróprio;
* Recurso tutelar.
Vamos então agora
focar o trabalho, essencialmente no recurso hierárquico, de forma a compreender
a importância deste no ordenamento jurídico português e como se relaciona
com a protecção e defesa dos interesses dos particulares perante a
Administração.
O recurso
hierárquico é a garantia administrativa
dos particulares que consiste em requerer ao superior hierárquico de um órgão
subalterno a revogação ou anulação de um ato administrativo ilegal por ele
praticado ou a prática de um ato ilegalmente omitido pelo mesmo.
O recurso
hierárquico tem uma estrutura tripartida: Recorrente: particular que interpõe o
recurso; Recorrido: é o órgão subalterno de cuja decisão se recorre, também
chamado “órgão a quo”; Órgão
decisório: órgão superior para quem se recorre e que deve legalmente decidir o
recurso; é também chamado “órgão ad quem”.
Além disso, o
recurso hierárquico tem vários pressupostos. É então necessário que haja
hierarquia; tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo por um
subalterno; esse subalterno não goze por lei de competência exclusiva.
No que toca à
classificação dos recursos hierárquicos, estes classificam-se segundo vários critérios.
Primeiramente,
deve atender-se aos fundamentos, o recurso pode ser de legalidade, de mérito ou
misto. Os recursos hierárquicos de legalidade são aqueles em que o particular
pode alegar como fundamento do recurso a ilegalidade do ato administrativo
impugnando, ou a ilegalidade da omissão de um ato devido. Os recursos de mérito
são aqueles em que o particular pode alegar como fundamento recurso a
inconveniência do ato impugnado, ou da omissão de um ato requerido. Os recursos
mistos são aqueles em que o particular pode alegar, simultaneamente, a
ilegalidade e a inconveniência. A regra geral no nosso Direito Administrativo é
a de que os recursos hierárquicos são geralmente de caráter misto (art.
185º/3). Há, todavia, exceções a esta regra: são, nomeadamente, os casos em
que a lei estabelece que só é possível alegar no recurso hierárquico
fundamentos de mérito, e não também fundamentos de legalidade, reservando a
apreciação destes aos tribunais administrativos.
Por outro lado, quanto
à definitividade vertical do ato administrativo, os recursos podem ser
necessários ou facultativos (art. 185º/1 CPA). Há atos administrativos
que são verticalmente definitivos, porque praticados por autoridades cujos atos
são diretamente impugnáveis perante um tribunal administrativo, e há atos que
não são verticalmente definitivos, porque praticados por autoridades cujos atos
não podem ser diretamente impugnados junto dos tribunais administrativos. O
novo CPA admite expressamente a existência de recursos hierárquicos necessários, nos seus art. 189º e
190º CPA. Mas, como a regra é a facultatividade (art. 185º/2 CPA),
segue-se que, na ausência de imposição expressa de um recurso hierárquico
necessário, os atos administrativos lesivos têm-se como verticalmente
definitivos. No caso dos atos não verticalmente definitivos praticados por
subalternos, para que o particular possa atingir a via contenciosa, é
necessário que interponha primeiro um recurso hierárquico do ato do subalterno,
para, depois de o superior se pronunciar sobre esse recurso, o interessado
poder então impugnar no tribunal a decisão do superior hierárquico.
Nestes termos, o recurso hierárquico necessário é indispensável para se atingir um ato
verticalmente definitivo que possa ser impugnado contenciosamente. Por sua
vez, o recurso hierárquico facultativo é
o que respeita a um ato verticalmente definitivo, ou à omissão ilegal dele de
que já cabe ação contenciosa, hipótese esta em que o recurso hierárquico é
apenas uma tentativa de resolver o caso fora dos tribunais, mas sem constituir
um passo intermédio indispensável.
No que toca ao regime jurídico do
recurso hierárquico, este é sempre dirigido ao superior hierárquico do autor do
ato ou da omissão, se a competência pata a decisão se encontrar delegada ou
subdelegada, o que corresponde à interposição do recurso, presente no artigo
194/1 CPA.
Não obstante, o
recurso tem de ser apresentado ao
órgão a quo, o qual o fará chegar à
entidade ad quem, a fim que esta o
aprecie e decida (art. 194º/2 CPA). O que interessa é que seja endereçado
ao superior.
Relativamente ao
prazo do recurso, se este tiver por objeto a impugnação de um ato, e tiver de ser notificado ao interessado ou
interessados, “o prazo do recurso só corre a partir da data da notificação” (art.
188º/1 CPA). Porém, nos demais casos, o prazo conta-se a partir da
publicação, notificação ou conhecimento do ato ou da sua execução, conforme o
que ocorre primeiro (art. 188º/2); vigora o disposto no art. 198º/1
CPA: “quando a lei não fixe prazo diferente, é de 30 dias o prazo para a
interposição do recurso hierárquico necessário”. Se o recurso não for
interposto dentro desse prazo, a impugnação contenciosa que venha depois a
dirigir-se contra o ato pelo qual o superior decida o recurso hierárquico será extemporânea e, consequentemente, rejeitada por ter sido proposta fora do
prazo.
Se o recurso
hierárquico tiver por objecto contestar a omissão ilegal de um ato, o prazo para
a respetiva interposição, como é lógico, conta-se da data do incumprimento do
dever de decisão (art. 188º/3).
Os efeitos mais
importantes são o efeito suspensivo e
o efeito não suspensivo.
Por um lado, o
efeito suspensivo consiste na suspensão automática da eficácia do ato recorrido,
sendo que havendo efeito suspensivo, o ato impugnado perde a sua eficácia,
incluindo a executoriedade, e fica suspenso até à decisão final do recurso; só
se esta for desfavorável ao recorrente, confirmando o ato recorrido, é que o
ato recobra a sua eficácia plena.
A regra no nosso
Direito é que os recursos hierárquicos necessários têm efeito suspensivo, ao
passo que os facultativos não o têm (art. 189º/1 e 2 CPA), salvo se a
lei ou o órgão ad quem decidir o
contrário (art. 189º/2 e 4).
Se o recurso
hierárquico tiver efeito não suspensivo, o ato recorrido mantém a sua eficácia,
enquanto o superior hierárquico competente não decidir sobre ele – sem prejuízo
de um superior poder, oficiosamente ou a
requerimento do interessado, suspender o ato recorrido (art. 189º/2 a 4).
No tocante à ausência de decisão do recurso
hierárquico, aplica-se o disposto no
CPTA (art. 66º ss), em matéria de ação administrativa de condenação à
prática do ato devido, cumulável com qualquer dos pedidos explicitados pelo art.
2º do mesmo diploma, alíneas f) a k).
Podem apontar-se
três tipos de decisão: Rejeição do recurso, quando o órgão ad quem recusa receber e apreciar o recurso por questões de forma (art.
196º CPA); Negação de provimento – quando o julgamento do recurso é
desfavorável ao ponto de vista do recorrente; Concessão de provimento – a
questão de fundo é julgada favoravelmente ao pedido do recorrente. A decisão do
recurso pode implicar a revogação, anulação, modificação ou a substituição do
ato recorrido.
Se o recurso
hierárquico tiver por objeto a omissão ilegal de um ato pelo subalterno, o
órgão ad quem pode proceder de duas
maneiras:
®
Se o órgão a quo tiver competência exclusiva, o
superior pode ordenar a prática do ato ilegalmente omitido, ordem essa a que o
órgão recorrido, por se encontrar integrado numa hierarquia, está obrigado a
obedecer, sob pena de sanções disciplinares, civis, etc;
®
Se não houver
competência exclusiva do órgão recorrido, “o órgão competente para decidir pode
substituir-se ao órgão omisso na prática do ato ilegalmente omitido” (art.
197º/4 CPA).
Posto
isto, o prazo de decisão é de
30 dias (art. 198º/1 CPA), podendo no entanto ser prorrogado até ao
máximo de 90 dias, “quando haja lugar à realização de nova instrução ou de
diligências complementares” (art. 198º/2).
No tocante à natureza jurídica do
recurso hierárquico, há questões teóricas de três ordens se suscitam: primeiro,
saber se, na sua estrutura, o recurso
hierárquico é um recurso de tipo reexame, ou antes um recurso de tipo revisão;
segundo, saber se na sua função, o recurso hierárquico é um recurso
predominantemente objetivo ou predominantemente subjetivo; terceiro, saber se
na atividade a que dá lugar, o recurso hierárquico constitui exercício da
função administrativa ou da função jurisdicional.
Diz-se que um
recurso é de tipo reexame quando se trata de um recurso amplo, em que o órgão ad quem se substitui ao órgão a quo e, exercendo a competência deste
ou uma competência idêntica, vai reapreciar a questão subjacente ao ato
recorrido, podendo tomar sobre ela uma nova decisão de fundo.
Diferentemente, o
recurso de revisão, é um recurso mais restrito, em que o órgão ad quem não se pode substituir ao órgão a quo, nem pode exercer a competência
deste, limitando-se a apreciar se a decisão recorrida foi ou não legal ou
conveniente, sem poder tomar uma nova decisão de fundo sobre a questão.
Quanto à segunda
questão, é necessário indagar se o recurso hierárquico é um instrumento
jurídico que visa predominantemente defender a legalidade e o interesse público
ou se, pelo contrário, visa predominantemente defender os direitos subjetivos
ou os interesses legítimos dos particulares. Para FREITAS DO AMARAL, a função
do recurso hierárquico no nosso Direito é predominantemente objetiva. Na
verdade, entre nós, está consagrada como regra geral a figura da chamada “reformatio in pejus”, expressão latina
que significa “reforma para pior”. Quer dizer que, quando se interpõe um
recurso hierárquico, pode a sorte de recorrente ficar agravada pela decisão que
vier a ser proferida sobre o recurso hierárquico.
No Direito
Administrativo estende-se que existe a figura da “reformatio in pejus”: quem
interpuser recurso hierárquico sabe que se arrisca a que a decisão de que vai
recorrer possa ser alterada para pior.
O art. 197º/1 CPA estabelece que o órgão competente para conhecer do
recurso não está sujeito ao pedido do recorrente.
Ora, sendo assim,
isto significa que a função essencial do recurso hierárquico é mais a de
garantia objetiva da legalidade e do interesse público do que a de garantia
subjetiva dos direitos ou interessantes legítimos dos particulares, pois se o
recurso hierárquico fosse apenas uma garantia do particular, não faria sentido
que pudesse haver “reformatio in pejus”.
Quanto à terceira questão, temos de
saber se o procedimento e a decisão do recurso hierárquico constituem
manifestações do exercício da função administrativa ou da função jurisdicional.
Com efeito, o recurso hierárquico constitui um meio de controlar tanto a
legalidade como o mérito de decisões administrativas (art. 185º/3 CPA).
A Administração visa a prossecução do interesse público com subordinação ao
princípio da legalidade. Consequentemente, o autocontrolo do mérito é
indiscutivelmente uma forma de exercício da função administrativa; e mesmo o
autocontrolo da legalidade das atuações administrativas ainda corresponde ao
exercício da função administrativa, porque a lei é tanto o fundamento como o
limite da ação da Administração.
Em suma, o recurso hierárquico é
bastante importante, incluído nas garantias dos particulares, de forma a
proteger e permitir a defesa dos interesses dos particulares perante a
Administração. Actualmente, as garantias assumem uma posição bastante
importante no ordenamento jurídico português e são o espelho de uma evolução
continuada ao longo do tempo e da história do Direito Administrativo e do papel
da Administração Pública na sociedade e na vida dos particulares, que surge para
efetivar e garantir a prossecução do interesse público e a satisfação das
necessidades colectivas. Tendo em conta esta evolução, a voz conferida aos
particulares é extremamente importante e, sem dúvida, uma das maiores
conquistas.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do. Curso De Direito Administrativo - Volume II. Livraria Almedina, 2016.
Daniela Pais Lucas, 56727
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