As garantias dos particulares
têm como função primordial atribuir aos particulares determinados poderes
jurídicos que funcionam como proteção contra abusos e ilegalidades da
Administração Pública. O professor FREITAS DO AMARAL define-as como “os meios jurídicos
criados pela ordem jurídica com a finalidade de evitar ou sancionar as
violações do direito objetivo, as ofensas dos direitos subjetivos ou dos interesses
legítimos dos particulares, ou o demérito da ação administrativa, por parte da
Administração Pública.”
As garantias dos
particulares dividem-se em garantias políticas, garantias administrativas e
garantias contenciosas, sendo o critério de distinção entre elas o critério dos
órgãos a quem é confiada a efetivação das garantias. No caso do recurso
hierárquico, estamos perante uma garantia administrativa por ser efetivada
através de órgãos da Administração Pública. O caráter administrativo do recurso
significa que se trata de uma garantia que não se estrutura nem funciona no
âmbito dos tribunais do contencioso administrativo, uma vez que se situa
plenamente no quadro da Administração. Estas garantias partem da criação de
controlos criados por lei para defesa da legalidade e boa administração, mas
que podem simultaneamente ser colocados ao serviço do respeito pelos direitos
dos particulares.
Dentro da categoria das
garantias administrativas, o recurso hierárquico recai nas garantias
impugnatórias, que nada mais são do que a possibilidade do particular, perante
um ato administrativo já praticado, impugnar o ato, ou seja, atacá-lo com
determinados fundamentos, com vista à sua revogação, anulação administrativa ou
modificação – 184º CPA.
As garantias impugnatórias são de quatro espécies – 191º a 199º CPA:
·
Reclamação;
·
Recurso
Hierárquico;
·
Recurso
Hierárquico Impróprio;
·
Recurso Tutelar.
O professor FREITAS DO
AMARAL define o recurso hierárquico como a garantia administrativa dos
particulares que consiste em requerer ao superior hierárquico de um órgão
subalterno a revogação ou anulação de um ato administrativo ilegal por ele
praticado ou a prática de um ato ilegalmente omitido pelo mesmo. A finalidade
do recurso é um elemento essencial do respetivo conceito, sendo que procura
obter da autoridade ad quem a revogação ou a substituição do ato recorrido
Quando se impugna, impugna-se com um objetivo, que é o de destruir o objeto da
impugnação.
Tanto no caso da
impugnação de atos ilegais como no de reação contra a omissão ilegal de atos, o
superior hierárquico pode, em princípio, substituir-se ao subalterno, exceto se
este dispuser de competência exclusiva, caso em que se der provimento ao
recurso, só pode ordenar ao subalterno a prática de atos que se lhe afigurarem
adequados – 197º/1 CPA.
O recurso hierárquico tem sempre uma estrutura tripartida:
·
O recorrente, que
corresponde ao particular que interpõe o recurso;
·
O recorrido, que é
o órgão subalterno de cuja decisão se recorre (também chamado “órgão a quo”);
·
Órgão decisório,
que é o órgão superior para quem se recorre e que decide o recurso (também
chamado de “órgão ad quem”).
São pressupostos do recurso hierárquico que haja hierarquia, que tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo por um subalterno, e que esse subalterno não goze por lei de competência exclusiva. A hierarquia caracteriza especificamente o recurso hierárquico, permitindo defini-lo de forma positiva e delimitar o seu âmbito de aplicação.
Como explicado pelo professor JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, o recurso hierárquico corresponde à faculdade conferida aos particulares de impugnarem um ato praticado por um órgão subalterno junto do respetivo superior hierárquico, o qual deve ser entendido como o mais elevado superior hierárquico do autor do ato impugnado.
De acordo com o professor JOÃO BATISTA RODRIGUES REBOUÇAS, o recurso hierárquico consiste num dos mecanismos de pedido de reapreciação do ato administrativo dirigido ao mais elevado superior hierárquico do seu autor, configurando-se como um instrumento importante da hierarquia administrativa.
Passemos agora à classificação dos recursos hierárquicos:
O recurso hierárquico
pode ser de legalidade, de mérito ou misto. Os recursos hierárquicos de
legalidade consistem naqueles em que o particular pode alegar, como fundamento
do recurso, a ilegalidade do ato administrativo impugnado ou a ilegalidade da
omissão de ato devido. Nos recursos de mérito o particular pode alegar a inconveniência
do ato impugnado ou da omissão de um ato requerido. Por último, nos recursos
mistos o particular pode alegar, simultaneamente, a ilegalidade e a inconveniência
do ato impugnado ou apenas uma delas. No direito português, a regra são os
recursos mistos, sendo que podem ser simultaneamente alegados motivos de
legalidade e mérito – 185º/3 CPA. Há, no entanto, exceções em casos em que é
estabelecido por lei, sendo possível alegar no recurso hierárquico fundamentos
de mérito e não também fundamentos de legalidade, reservando a apreciação
destes aos tribunais administrativos.
Há também uma outra
classificação, que os distingue entre recursos hierárquicos necessários e
recursos hierárquicos facultativos – 185º/1 CPA. Há atos que são verticalmente
definitivos porque praticados por autoridades cujos atos são diretamente
impugnáveis perante um tribunal administrativo, havendo também atos que não são
verticalmente definitivos porque são praticados por autoridades cujos atos não
podem ser diretamente impugnados junto dos tribunais administrativos. O recurso
hierárquico necessário encontra-se regulados nos artigos 189º e 190º CPA. No
entanto, a regra geral é que estes sejam facultativos – 185º/2 CPA, pelo que na
ausência de imposição expressa de recurso hierárquico necessário, os atos
administrativos lesivos têm-se como verticalmente definitivos. Para que o
particular possa alcançar a via contenciosa, tem primeiramente de interpor
recurso hierárquico do ato do subalterno para posteriormente da pronúncia do
superior, o interessado poder então impugnar no tribunal a decisão do superior
hierárquico. O recurso hierárquico necessário é o indispensável para se atingir
ato verticalmente definitivo, que possa ser impugnado contenciosamente. Pode o
superior dar razão ao subalterno, confirmando o ato, cabendo impugnação
contenciosa no tribunal administrativo competente ou o superior dá razão ao particular
recorrente, sendo revogado, modificado, ou substituído o ato recorrido, ou
ordena ao subalterno que o faça. O recurso hierárquico facultativo é relativo a
ato verticalmente definitivo, ou à omissão ilegal dele, já cabendo ação contenciosa.
No recurso hierárquico facultativo existe um ato contenciosamente impugnável ou
a sua omissão ilegal, como já anteriormente referido. O particular pode então
limitar-se a agir em tribunal, podendo somente interpor recurso hierárquico
facultativo, ou fazer as duas coisas em simultâneo, discutindo o mérito do ato
ou da sua omissão, no recurso hierárquico e a legalidade do ato ou a sua
omissão nos tribunais administrativos.
Quanto à interposição do
recurso, este é sempre dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor
do ato ou omissão, se a competência se encontrar delegada ou subdelegada – 194º/1
CPA. Tem de ser apresentado ao “órgão a quo”, que o fará seguir para a entidade
“ad quem”, para que esta o aprecie e decida – 194º/2 CPA.
Em relação aos prazos, se
o recurso hierárquico for para impugnar um ato e este tiver de ser notificado
ao interessado, o prazo só pode correr a partir da data da notificação, como
referido no artigo 188º/1 CPA. Nos restantes casos o prazo conta-se a partir da
publicação, notificação ou conhecimento do ato ou da sua execução, conforme o
que ocorrer primeiro – 188º/2 CPA. Pelo artigo 198º/1 CPA, o prazo é de 30 dias
para o recurso hierárquico necessário, no silêncio da lei. Se este prazo não
for cumprido, a impugnação contenciosa que venha depois a dirigir-se contra o
ato pelo qual o superior decida o recurso hierárquico será extemporânea e,
portanto, rejeitada por ter sido proposta fora de prazo. Se o recurso tiver por
objeto contestar a omissão ilegal de um ato, o prazo para a interposição
conta-se da data do incumprimento da decisão – 188º/3 CPA.
A interposição do recurso
hierárquico pode produzir vários efeitos jurídicos, sendo os mais importantes o efeito
suspensivo e o não suspensivo, sendo que o primeiro consiste na suspensão
automática da eficácia do ato recorrido. Nestes casos, o ato perde a sua
eficácia, ficando suspenso até à decisão final do recurso. Só se esta for desfavorável
ao recorrente, confirmando o ato recorrido é que o ato retorna à sua eficácia
plena.
A regra é que os recursos
hierárquicos necessários têm efeito suspensivo, ao passo que os facultativos
não o têm – 189º/1 e 2 CPA – salvo se a lei ou o “órgão ad quem” decidir o
contrário – 189º/2 a 4 CPA.
Se tiver efeito não suspensivo,
o ato recorrido mantém a sua eficácia enquanto o superior hierárquico
competente não decidir sobre ele – 189º/2 CPA.
Passando agora aos tipos
de decisão, podemos considerar que há três:
·
Rejeição do
recurso, que ocorre quando o órgão ad quem recusa receber e apreciar o recurso
por questões de forma – 196º CPA
·
Negação de
provimento, quando o julgamento do recurso, incidindo sobre questões de fundo,
é desfavorável ao ponto de vista do recorrente
·
Concessão de
provimento, que ocorre quando a questão é julgada a favor do pedido do
recorrente. A decisão do recurso pode então implicar a revogação, anulação,
modificação ou a substituição do ato recorrido, consoante o que foi pedido pelo
titular.
Quanto ao prazo de
decisão, o prazo é de 30 dias, podendo ser prorrogado até ao máximo de 90 dias –
198º CPA.
Bibliografia:
·
AMARAL, Diogo
Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume II, 3ª Edição, 2016,
Almedina
·
AMARAL, Diogo
Freitas do, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, volume I, 1981,
Atlântida Editora
·
DIAS, José Eduardo
Figueiredo Dias, OLIVEIRA, Fernanda Paula, Noções Fundamentais de Direito
Administrativo, 2ª Edição, 2010, Almedina
·
GUIMARÃES Vasco,
Algumas Notas sobre o Recurso Hierárquico in Revista Jurídica, nº1 Out/Dez.
1982, AAFDL
·
COSTA Emílio,
Garantias dos Particulares in Boletim Da Faculdade de Direito de Bissau, nº4
Março 1997
·
REBOUÇAS, João
Batista Rodrigues, As Garantias dos Particulares perante a Administração
Pública, 2008, Tese de Mestrado
Madalena Dória
Aluna nº 56754
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