sexta-feira, 25 de maio de 2018

Questão doutrinária entre conceção ampla ou restrita de ato administrativo


O presente post tem como objeto a questão doutrinária referente à conceção ampla ou restrita de ato administrativo.

O professor Freitas do Amaral define o conceito de ato administrativo como um "ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta".

Como elementos genéricos do conceito, destacam-se a existência de um ato jurídico; de um ato unilateral; de um ato praticado no exercício do poder administrativo; de um ato de um órgão administrativo; de um ato decisório; de um ato que versa sobre uma situação individual e concreta.
Alterando a noção legal de ato administrativo anteriormente presente no CPA de 1991, o CPA de 2015 dispõe o seguinte:

Artigo 148.º
(Conceito de ato administrativo)
Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

A nova menção a produção de efeitos jurídicos externos originou um debate quanto à existência ou não de um novo critério de ato administrativo.
Para Mário Aroso, o CPA de 2015, no seu artigo 148.º, considera como atos administrativos as decisões que visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, restringindo o âmbito da figura aos atos decisórios com eficácia externa. O mesmo aconteceria com os regulamentos (artigo 135º).

De acordo com esta posição doutrinária, é útil a distinção entre atos externos e atos internos. Assim, seriam atos externos os que afetam direitos ou interesses de entidades exteriores àquela que os pratica. Por outro lado, os atos internos constituiriam atos decisórios praticados no âmbito de relações intra-administrativas ou interorgânicas.
Assim, de acordo com a interpretação referida do artigo 148.º, os atos internos são afastados do conceito de ato administrativo.

Como vantagens para a introdução deste critério, o autor enuncia um aumento de coerência da figura de ato administrativo, sendo que deixa de abranger realidades heterogéneas; a consolidação do regime procedimental e substantivo do CPA, bem como a não limitação do mesmo regime que haveria se submetesse a um regime comum. Segundo ao autor, pela especificidade de funções dos atos das relações intra-administrativas, não seria adequado submeter esses atos a um regime comum, por se limitar a capacidade do regime de dar resposta adequada à realidade heterogénea que se lhe pretende fazer corresponder.

Neste sentido, os artigos 102.º e ss integraram um regime específico para o procedimento dos atos administrativos, assegurando a transparência e participação dos interessados nos procedimentos que lhe dizem respeito (cfr. 267º/5 da CRP). Além disso, o artigo 110.º e ss estabelece um regime claro e específico para a notificação dos atos administrativos.

Por outro lado, o professor Paulo Otero levanta a dúvida de constitucionalidade do novo artigo 148.º. Uma vez que o antigo artigo 120.º do CPA de 1991 adotava um conceito mais lato de ato administrativo, o novo conceito leva à desprocedimentalização dos atos internos, deixando-os sem regime jurídico. Paulo Otero defende a exigência de regulação do procedimento da atividade administrativa por parte do legislador (conferir art.267.º/5 da CRP). O legislador não pode tornar inexequíveis normas constitucionais que estavam a ser implementadas por atos legislativos, traduzindo-se portanto numa situação de inconstitucionalidade.

Já o professor Vasco Pereira da Silva rejeita a distinção entre atos internos e externos, e interpreta o critério de produção de efeitos jurídicos externos do seguinte modo: produzir efeitos externos diz respeito a uma externalidade, isto é, com a produção de efeitos jurídicos para o exterior.

As teorias que no quadro do Direito Administrativo defendiam a eficácia interna como uma realidade diferente da eficácia externa relacionavam-se com a consideração de que no seio da Administração podiam haver relações especiais de poder. Atualmente, esta construção é incompatível com o Estado de Direito. Logo, os atos internos não têm um regime diferenciado dos outros.

Além do mais, todos os atos internos se transformam em atos externos, por produzirem efeitos jurídicos, tendo eficácia em relação a outrem. Segundo o autor, não é possível imaginar uma atuação da Administração Pública que não se repercuta, ao menos mediata e indiretamente, na esfera jurídica dos particulares.

Bibliografia:

AROSO ALMEIDA, Mário, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2016

AMARAL, Diogo Freitas do - Curso de Direito Administrativo, II, 3.ª ed. Coimbra: Edições Almedina, 2016.

OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo I, Almedina, Coimbra, 2015

Aulas teóricas do professor Vasco Pereira da Silva

Rafael Matias
57042

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