O presente post
tem como objeto a questão doutrinária referente à conceção ampla ou restrita de
ato administrativo.
O professor Freitas do Amaral define o conceito de ato
administrativo como um "ato jurídico
unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da
Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por
lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando
produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta".
Como elementos genéricos do conceito, destacam-se a
existência de um ato jurídico; de um ato unilateral; de um ato praticado no
exercício do poder administrativo; de um ato de um órgão administrativo; de um
ato decisório; de um ato que versa sobre uma situação individual e concreta.
Alterando a noção legal de ato administrativo anteriormente
presente no CPA de 1991, o CPA de 2015 dispõe o seguinte:
Artigo 148.º
(Conceito de ato administrativo)
Para efeitos do
disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões
que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir
efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
A nova menção a produção de efeitos jurídicos externos originou um debate quanto à existência
ou não de um novo critério de ato administrativo.
Para Mário Aroso, o CPA de 2015, no seu artigo 148.º,
considera como atos administrativos as decisões que visem produzir efeitos
jurídicos externos numa situação individual e concreta, restringindo o âmbito
da figura aos atos decisórios com eficácia externa. O mesmo aconteceria com os
regulamentos (artigo 135º).
De acordo com esta posição doutrinária, é útil a distinção
entre atos externos e atos internos. Assim, seriam atos externos os que afetam
direitos ou interesses de entidades exteriores àquela que os pratica. Por outro
lado, os atos internos constituiriam atos decisórios praticados no âmbito de
relações intra-administrativas ou interorgânicas.
Assim, de acordo com a interpretação referida do
artigo 148.º, os atos internos são afastados do conceito de ato administrativo.
Como vantagens para a introdução deste critério, o autor enuncia
um aumento de coerência da figura de ato administrativo, sendo que deixa de
abranger realidades heterogéneas; a consolidação do regime procedimental e
substantivo do CPA, bem como a não limitação do mesmo regime que haveria se
submetesse a um regime comum. Segundo ao autor, pela especificidade de funções
dos atos das relações intra-administrativas, não seria adequado submeter esses
atos a um regime comum, por se limitar a capacidade do regime de dar resposta
adequada à realidade heterogénea que se lhe pretende fazer corresponder.
Neste sentido, os artigos 102.º e ss integraram um regime
específico para o procedimento dos atos administrativos, assegurando a
transparência e participação dos interessados nos procedimentos que lhe dizem
respeito (cfr. 267º/5 da CRP). Além disso, o artigo 110.º e ss estabelece um
regime claro e específico para a notificação dos atos administrativos.
Por outro lado, o professor Paulo Otero levanta a
dúvida de constitucionalidade do novo artigo 148.º. Uma vez que o antigo artigo
120.º do CPA de 1991 adotava um conceito mais lato de ato administrativo, o
novo conceito leva à desprocedimentalização dos atos internos, deixando-os sem
regime jurídico. Paulo Otero defende a exigência de regulação do procedimento
da atividade administrativa por parte do legislador (conferir art.267.º/5 da
CRP). O legislador não pode tornar inexequíveis normas constitucionais que
estavam a ser implementadas por atos legislativos, traduzindo-se portanto numa
situação de inconstitucionalidade.
Já o professor Vasco Pereira da Silva rejeita a
distinção entre atos internos e externos, e interpreta o critério de produção
de efeitos jurídicos externos do seguinte modo: produzir efeitos externos diz respeito a uma externalidade, isto é,
com a produção de efeitos jurídicos para o exterior.
As teorias que no quadro do Direito Administrativo
defendiam a eficácia interna como uma realidade diferente da eficácia externa relacionavam-se
com a consideração de que no seio da Administração podiam haver relações
especiais de poder. Atualmente, esta construção é incompatível com o Estado de
Direito. Logo, os atos internos não têm um regime diferenciado dos outros.
Além do mais, todos os atos internos se
transformam em atos externos, por produzirem efeitos jurídicos, tendo eficácia
em relação a outrem. Segundo o autor, não é possível imaginar uma atuação da Administração
Pública que não se repercuta, ao menos mediata e indiretamente, na esfera
jurídica dos particulares.
Bibliografia:
AROSO ALMEIDA, Mário, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2016
AMARAL, Diogo Freitas do - Curso de Direito Administrativo, II, 3.ª ed. Coimbra: Edições
Almedina, 2016.
OTERO, Paulo, Manual
de Direito Administrativo I, Almedina, Coimbra, 2015
Aulas teóricas do professor Vasco Pereira da Silva
Rafael Matias
57042
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