O Poder de Aplicar Sanções nos
Contratos Administrativos
Ana
Carolina Godinho Neves, aluna nº 56901 da FDUL
A definição de contrato administrativo, “acordo de
vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica
administrativa”, resulta do antigo artigo 178º/1 CPA, mas foi introduzida pela
primeira vez no artigo 9º do Estatuto dos Tribunais Administrativos de 1984.
Celebrado o contrato, tem
este de ser executado, e deve sê-lo exercendo as partes os seus direitos e
obrigações tendo em conta a boa-fé e conforme com o interesse público, art.286º
do Código dos Contratos Públicos, doravante CCP.
É
importante destacar a seguinte frase proferida pelo Professor Freitas do Amaral, “Se na formação do contrato administrativo a Administração Pública aparece
sujeita a limitações e restrições que não têm paralelo com aquelas que os
particulares enfrentam no exercício da sua capacidade privada para contratar,
já, pelo contrário, na execução do contrato administrativo, a Administração
surge sobretudo investida em poderes de autoridade de que os particulares não
beneficiam no âmbito dos contratos de direito privado que entre si celebram.”
Sendo assim, esses poderes de que é investida a Administração Pública, doravante
AP, são cinco, o poder de fiscalização,
o poder de modificação unilateral, o poder de direção, o poder de resolução unilateral e o que neste trabalho releva, o poder de aplicar sanções. Sanções são consequências desfavoráveis
normativamente previstas para casos de violações de normas injuntivas, neste
caso, de contratos.
Este
poder é atribuído à AP com vista à prossecução do interesse público e, por
vezes, o não aplicar uma sanção num caso concreto será a melhor opção, o que
gera a dúvida sobre o saber se o poder sancionatório contratual é um poder
vinculado ou discricionário, isto é, se a AP pode escolher sancionar ou não
sancionar, ou se está sempre obrigada a sancionar. De qualquer das formas o que
acontece é que a AP não pode renunciar a este poder, de acordo com o art.36º
CPA. Quanto à dúvida, há quem defenda que, mal se dê o incumprimento por parte
do cocontratante tem a AP o dever de lhe aplicar uma sanção contratual, desde
que preenchidos os pressupostos legais. Por outro lado, há quem defenda que a
decisão de aplicar sanção ou não é da AP, que tem de escolher o que prosseguirá
melhor o interesse público, desta forma, há neste lado da doutrina uma ideia de que a
sanção não é uma garantia do interesse público, podendo até levar a um
resultado contrário.
Sendo
assim, são várias as situações que legitimam a reação do contraente público.
Essas situações poderão ser a inexecução total ou parcial do contrato, o
cumprimento defeituoso, mora na execução (neste casos, o CCP não exige que
tenha de se transformar a mora em incumprimento definitivo para aplicar sanções
contratuais, aplicando-as, desta forma, imediatamente) ou o facto do
cocontratante ter passado o contrato para terceiro sem autorização da AP.
Nessas situações, a AP pode: fixar ao cocontratante um prazo razoável para que
cumpra as prestações em falta, art.325º/1 CCP; efetivar as prestações devidas
pelo próprio contraente público ou por terceiro, art.325º/2-1ª parte CCP;
resolver o contrato, art.325º/2-2ª parte CCP; aplicar ao cocontratante das
sanções previstas no contrato, pecuniárias e outras, arts.302º-d) e 329º CCP.
Portanto, as sanções que
a AP pode utilizar no âmbito dos contratos administrativos são a resolução sancionatória, a aplicação de multas e, no caso de
concessões, o sequestro.
Segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, a
resolução sancionatória “consiste na extinção do contrato por decisão
unilateral (arts.330.º-c), e 333.º)”, o sequestro, que está previsto no art.421º
CCP, consiste na situação em que o particular não exerce o poder público que a
AP lhe atribuiu ou o gere mal e a Administração faz-se substituir ao
particular, praticando o que ele deveria ter praticado, mas com a especialidade
de que será o particular a carregar com todas as despesas em que a AP ocorrer
durante a exerção desse poder. Já a aplicação de multas, não levanta grandes
dificuldades de compreensão.
Essas aplicações de multas serão as sanções pecuniárias que de acordo com o
art.329º/2 e 3 CCP, têm um limite. Importa referir que, na pesquisa que fiz,
encontrei quem defendesse que o CCP admite igualmente sanções não pecuniárias,
que podem corresponder a uma série de comportamentos de várias naturezas a
definir pela AP tendo em conta a forma mais eficaz de fazer o incumpridor
cumprir o contrato. Contudo, a definição dessa sanção não pecuniária não poderá
ser totalmente livre e por isso existem limites: a sanção não pecuniária deverá
ser proporcional com o fim do tratado e não poderá ter repercussões extracontratuais,
como por exemplo estipular que em caso de incumprimento do cocontratante fica
este impedido de participar em futuros concursos públicos com o mesmo objeto
contratual, criando um impedimento fora do quadro legal do CCP.
Quanto ao sequestro, importa
ainda referir que o seu caráter sancionatório resulta do facto o particular se
sentir privado de explorar um serviço, ter noção das receitas que não está a
receber e ainda pagar por todas as despesas. Óbvio que uma sanção assim tem
caráter provisório, a AP terá de acabar ou por passar de novo a execução do
serviço para o cocontratante ou por rescindir o contrato.
Importa deixar claro que
esta aplicação unilateral das sanções não é livre e incondicionada. A AP só
poderá sancionar o cocontratante depois de o constituir em mora, salvo em casos
de urgência e, no que toca à sanção mais grave, a rescisão contratual, esta só se
aplica em caso de falta grave.
Todas as sanções
contratuais aplicadas pela AP são apreciadas pelo Tribunal Administrativo,
quando o cocontratante o acione para isso.
Para terminar, resta perceber
que este tipo de sanções tem uma natureza diferente das sanções contratuais
privadas. Ao contrário do que acontece nos contratos privados, nos contratos administrativos as sanções
previstas a favor da AP não têm como objetivo compensá-la pelos danos causados
pela falta do cocontratante, mas sim pressionar a outra parte a cumprir aquilo
a que se comprometera.
Bibliografia:
- Amaral,
Diogo Freitas do (2011), Curso de Direito
Administrativo, II, 2.ª edição, Almedina, Coimbra;
- Caupers,
João (2013), Introdução ao Direito
Administrativo, Âncora Editora, Lisboa;
- Oliveira,
Mário Esteves de, Direito Administrativo,
I, Almedina, Coimbra;
- Suheil,
Salém (2017), O Poder Sancionatório
Contratual como Instrumento de Gestão de Contratos Administrativos, Tese de
Mestrado em Direito Administrativo Vertente Contratação Pública da Faculdade de
Direito da Universidade Católica Portuguesa.
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