Tribunal Administrativo do Círculo
de Lisboa
Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa
Rua da Justiça, nº 34
1990-011, Lisboa
Parque dos Estados, Lisboa
Processo
nº. 548215
Excelentíssimos
Senhores Doutores Juízes de Direito,
O Grupo
“Portugal Jovem”, com o número de pessoa coletiva de 856 524 888, com
sede na Rua Vale Bacelos, nº. 21, 1258-333 Lisboa, representado pelos advogados
Dr.ª Maria Teresa Mendonça, Dr. º Nuno Pires, Dr. º Tiago Soares Monteiro, vem
apresentar a sua contestação contra a decisão do Governo, pelas vozes do
Ministro e Secretário de Estado da Cultura, assim como, do Primeiro Ministro.
Esta contestação tem em vista reagir contra as decisões tomadas face aos
resultados do Concurso de Apoio às Artes de 2028.
ÂMBITO DA CONTESTAÇÃO
I.
Do
Pedido
Nos termos apresentado, requer-se:
1. A
declaração de nulidade do Concurso de Apoio às Artes de 2028 com base nas
violações que posteriormente serão referidas
2. Uma
nova realização do Concurso, com a correção de todos os vícios que serão
apontados
II.
Dos
Factos
1º
São
emitidos os resultados do Concurso de Apoio às Artes de 2028.
2º
De acordo
com o Decreto-Lei nº 103/2017 de 24 de agosto, aprovado uma década antes, a
valorização das artes constituiu um instrumento fundamental no diálogo e
cooperação estratégica que deve existir entre o Estado e o setor cultural, o
qual desenvolve um papel crucial no desenvolvimento equilibrado da atividade
cultural no território nacional.
3º
Assim é
determinado que a Direção-Geral das Artes (DGARTES) divulgará, no final de
2027, quais os programas de apoio a lançar no ano subsequente, com base no
plano estratégico previamente definido pelo membro do Governo responsável pela
área da cultura.
4º
Assim, a
DGARTES estabeleceu o regime dos apoios financeiros do Estado às artes através
do Regulamento do Concurso de Apoio às
Artes Edição de 2028.
5º
Os
resultados deste Concurso de 2028 geraram uma enorme contestação, por todas as
pessoas que se encontram, de alguma forma, ligadas ao ramo das artes.
6º
Os
protestos e críticas incidiram sobretudo sobre os montantes, critérios e
execução dos mesmos, casos especiais de aplicação conducentes à exclusão ou à
diminuição dos apoios à atividade artística.
7º
Contestou-se
os montantes envolvidos, considerados muito abaixo do que era expectável e
desejável, que seriam 1% do PIB para a Cultura.
8º
Os
critérios utilizados foram considerados demasiados abstratos, vagos e opacos,
quando deveriam ter um caráter mais concreto.
9º
Contestou-se
as fórmulas “demasiado abertas”, como
por exemplo a fórmula do artigo 5º nº 1 d) do Regulamento que enuncia “a empatia provocada pelas obras artísticas”.
10º
Quanto à
execução e aplicação dos critérios, valorizou-se mais a dispersão dos fundos
pelo território nacional do que a dimensão dos projetos apresentados ou a
continuidade de uma atividade artística, exercida durante os anos subsequentes.
11º
Contestou-se
também os casos especiais de difícil compreensão, começando com o financiamento
do grupo amador “Os Afonsinhos do Condado” pela sua peça sobre a independência
de Portugal; da “Sociedade Financeira para a Promoção das Artes” que visava o
cruzamento entre a atividade bancária e económica e o mundo da cultura; do não
financiamento do “Teatro Experimental da Linha” pela recente condecoração do
seu Diretor Artístico; e da “Orquestra Portugal Jovem” que se pretendia
desdobrar da “Orquestra de Câmara para Todas as Idades”, com o argumento da
menoridade da maior parte dos seus membros.
12º
O Governo,
pelas vozes do Ministro e do Secretário de Estado da Cultura, chama a atenção
para o caráter exemplar dos montantes e admite a existência de algumas
situações irregulares, que podem ser corrigidas administrativamente.
13º
O Sindicato
Nacional dos Agentes Culturais propõe-se a usar a via judicial para contestar
as regras do concurso e os seus resultados
14º
O Governo,
respondendo a isto, afirmou a sua disponibilidade para encontrar soluções
negociadas e compromissórias, considerando que a matéria em causa não é
suscetível de controlo jurisdicional, por pertencer à reversa da Administração.
III.
Do
Direito
1º
O Produto
Interno Bruto de Portugal corresponde ao total de 200 mil milhões de euros. Se
partimos da premissa de que o valor a atribuir à Cultura é de 1% do PIB,
podemos deduzir que esta não foi uma afetação justa, relativamente ao valor que
devia ter sido concedido verdadeiramente.
2º
O
Ministério da Cultura não tem verificado um aumento das suas verbas embora seja
do conhecimento de todos que o aumento do turismo em território nacional em
muito se pode dever ao património cultural existente no nosso país, bem como
das atividades artísticas nacionais que têm enorme reconhecimento por todo o
mundo. Assim arguimos uma violação dos artigos 73º nº3 e 78º nº1 da CRP, pelo
Orçamento de Estado de 2028.
3º
Partindo da
premissa da atual limitação das verbas de apoio à cultura conjugada com artigo
4º nº2 do Regulamento, verifica-se uma situação de inconstitucionalidade, uma
vez que é violado um direito fundamental de acesso à cultura, presente no
Artigo 73º CRP.
4º
Assim,
exigimos que se estabeleça uma política para a cultura clara e transparente.
Pois apesar de o Primeiro Ministro e Secretário de Estado da Cultura
reconhecerem que não estão satisfeitos com os valores destinados à Cultura,
continuam-se a destinar a outros setores grandes montantes do valor do PIB,
deixando aquém das expectativas os valores atribuídos ao setor cultural.
5º
Seria
desejável que o PIB fosse distribuído de forma mais equitativa por todas as
áreas e setores onde estes valores são necessários para fazer face às despesas,
de modo a garantir um acesso aos cidadãos a estas áreas, nomeadamente um acesso
à cultura. Tal poderá ter como consequência a formação de uma população mais
informada, mais culta e mais participativa. Como tal, cabe ao Governo, mais
concretamente ao Ministério da Cultura, preocupar-se e assegurar as condições
para que todos tenham acesso à cultura e que possam ser criadores, agentes
culturais e fruidores das artes ou artistas.
6º
Os
critérios dispostos no Artigo 5º do Regulamento são vagos e opacos, uma vez que
nós não obtivemos critérios objetivos que nos permitissem aferir a qualidade e
viabilidade das candidaturas ou sequer a empatia de que o presente regulamento
fala, relativamente às obras artísticas. Consideramos que o Artigo referido,
que concerne aos critérios de atribuição, é-nos apresentado padecendo de
vaguidade, opacidade e ambiguidade.
7º
A aplicação
dos critérios valorizou a dispersão dos fundos a nível nacional, em detrimento
da importância que apresentavam os projetos que se candidataram ao Concurso e
de uma continuidade de aposta de um serviço público de cultura que fosse ao
encontro do pressuposto constitucional consagrado no Artigo 73º nº4 e sua
respetiva concretização no Artigo 78º CRP.
8º
Cabe agora
referir que estamos perante um ato administrativo, como disposto no Artigo 148º
CPA, visto que é uma decisão individual e concreta. As menções obrigatórias
referidas no artigo 151º CPA encontram-se preenchidas. Podemos classificar este
ato administrativo como sendo permissivo, que confere ou amplia vantagens,
sendo classificado como uma subvenção: ato pelo qual um órgão da Administração
atribui a um particular uma quantia em dinheiro destinada a cobrir os custos
inerentes à prossecução de uma atividade privada, reconhecida de interesse
público.
9º
Posto isto,
e estando nós perante um ato administrativo, podemos referir que estão a ser
violados princípios administrativos que serão agora enunciados.
10º
A
discricionariedade exprimida pelos critérios é demasiado excessiva. Não se
admitem critérios de decisão como os que foram utilizados, pois os mesmos não
explicam de forma clara o modo que deve ser seguido para proceder a uma escolha
correta.
11º
Nos
critérios que são apresentados, as referências a “qualidade artística e
relevância cultural do projeto” e “mérito e adequação” mostram a referida
opacidade e vaguidade.
12º
Como tal, e
tendo em conta a opacidade dos critérios, é impossível o cumprimento do
princípio da boa administração consagrado no Artigo 5º CPA (e 266º nº1 da CRP),
pois com a utilização destes critérios não se irá verificar a desejada
eficiência por parte da Administração, o que leva a uma consequente violação do
Artigo 81º c) da CRP, que enuncia que é da competência do Estado zelar pela
eficiência da Administração.
13º
Em
consequência da vaguidade dos critérios utilizados, poderá verificar-se que não
se trata de forma justa todos os intervenientes, na relação com a Administração,
pelo facto de a interpretação ser demasiado livre, podendo levar a situações de
baixa segurança jurídica e de soluções pouco razoáveis. Ou seja, encontra-se
aqui uma clara violação do princípio da justiça e da razoabilidade, consagrado
nos Artigos 8º CPA e 266º nº 2 da CRP.
14º
Os
presentes critérios não valorizam a qualidade, mas sim única e exclusivamente a
distribuição totalmente igualitária pelo país. Denota-se uma clara violação do
princípio da igualdade, que vem consagrado no Artigo 6º CPA e nos Artigos 266º
nº2 e 13º CRP.
15º
A violação
de todos os princípios supra enumerados gera anulabilidade dos termos do artigo
163º/1 CPA.
16º
Nos casos
concretos, não é de fácil compreensão o porquê do financiamento do grupo amador
“Os Afonsinhos do Condado” e da “Sociedade Financeira para a Promoção das
Artes” em detrimento da Orquestra “Portugal Jovem”, representada por nós,
através de procuração.
17º
Quanto ao
grupo amador “Os Afonsinhos do Condado”, entendemos que o critério de decisão
não é equitativo face aos demais grupos, pois o fundamento de “inegável
interesse turístico” não é equitativo, uma vez que o mesmo pode ser usado em
quaisquer outras peças de outros grupos. Até podemos argumentar que aqui há uma
situação que viola o princípio da imparcialidade do Artigo 9º do CPA.
18º
Quanto ao
financiamento da “Sociedade Financeira para a Promoção das Artes”, podemos
começar por referir que não faz sentido que este financiamento exista, pois não
se trata de competência do Estado investir numa iniciativa societária, ou seja,
numa iniciativa privada. Visa-se a existência de uma autonomia da cultura que
não deve ser cruzada com outras áreas.
19º
Ainda
quanto ao financiamento da “Sociedade Financeira para a Promoção das Artes” é
de referir que este financiamento viola o Artigo 6º nº2 do Regulamento,
partindo nós da premissa que a Sociedade detém um fim lucrativo. Isto porque as
sociedades, a nível de Direito, são pessoas coletivas de base associativa, com
fim lucrativo.
20º
A Orquestra
“Portugal Jovem” pretende desdobrar-se da “Orquestra da Câmara para Todas as
Idades”. Face este pedido, foi decidido que não haveria qualquer financiamento
para tal, devido à menoridade da maior parte dos seus membros. Em primeiro
lugar, há uma grande violação ao dever de fundamentação, exigido nos Artigos
151º nº1 d) e 152º nº1 a) do CPA, visto que a premissa da “menoridade dos seus
membros” não preenche os requisitos dispostos no Artigo 153º do CPA. O Prof.
Doutor Vasco Pereira da Silva defende que a fundamentação é um direito
constitucionalmente protegido. Como tal, de acordo com os Artigos 161º nº2 d)
do CPA e 268º nº3 da CRP, o ato é nulo. Se tal não for suficiente, isto é, se a
fundamentação não for vista como um direito fundamental, aplica-se o regime de
anulabilidade que consta do Artigo 163º do CPA. De notar ainda que estamos
perante um argumento ad hominem,
falacioso, onde emerge um ataque pessoal.
21º
Aliás,
podemos até usar facilmente o argumento dado a nosso favor. Quanto ao não
financiamento da Orquestra “Portugal Jovem”, começamos por defender que o
financiamento desta seria muito importante, se tivermos em conta que este
constituiria um grande apoio a uma faixa etária mais nova que não possui
quaisquer rendimentos. Ou seja, sendo menores, não possuem rendimento. Logo,
faz sentido que o financiamento seja atribuído à Orquestra “Portugal Jovem”.
Até porque qualquer País considera como sendo muito importante a promoção do
gosto da população mais jovem pela cultura. Em Portugal, é um direito
fundamental o acesso à cultura, como podemos ler nos Artigos 70º, 73º e 78º da
CRP.
22º
Para além
do mais, não houve audiência prévia dos interessados (Artigo 121º do CPA), que
constitui o momento por excelência de participação dos interessados na formação
das decisões que lhes digam respeito. Como tal, é considerado como sendo um
direito constitucionalmente previsto no Artigo 267º nº5 da CRP. Por isso, e de
acordo com o Artigo 161º nº2 d) do CPA, é um ato nulo.
23º
Com tudo o
que foi exposto, podemos afirmar sem qualquer margem de dúvida, que estamos
perante uma série de vícios e violação de normas presentes no Código do
Procedimento Administrativo. Defendemos a anulabilidade do ato com base no
Artigo 163º nº1 do CPA.
24º
Por fim, é
verdade que o Governo argumentou que a matéria não é suscetível de controlo
jurisdicional, por se tratar de uma reserva da Administração. Aqui devemos
salientar que uma reserva da Administração é igual a uma reserva de lei.
25º
No entanto,
o argumento do Governo não é válido, pois não estamos perante uma matéria com
livre margem de apreciação, visto que foram violados os critérios de atribuição
do financiamento. Ou seja, a discricionariedade, que está limitada pelas
vinculações onde se enquadra a existência da margem, o fim, a competência e a
vontade esclarecida, pelos limites previstos na norma jurídica, e que são
compostos pelos princípios gerais da atividade administrativa. A violação
destes parâmetros gera uma ilegalidade.
26º
Assim, de
acordo com o que foi referido anteriormente, o Concurso de Apoio às Artes de
2028 padece de vários vícios. Logo, este deve ser considerado nulo, não
produzindo efeitos jurídicos, de acordo com o artigo 162º nº1 do CPA.
26º
Na hipótese
de o Concurso de 2028 não ser considerado nulo depois da decisão dos juízes,
arguimos que o mesmo padece de anulabilidade.
Da Prova
Documental – anexos
Anexos
//
PROCURAÇÃO //
O
Grupo “Portugal Jovem”, pessoa coletiva de 856 524 518, com sede na
Rua Vale Bacelos, nº. 21, 1258-333 Lisboa representada pelo seu Presidente João Miguel Camões, Solteiro,
residente na Rua da Ponte, nº 21 1900-083 Lisboa, NIF 250509577, constitui seus
bastante procuradores os SRS. DRS. MARIA
TERESA MENDONÇA, NUNO PIRES E TIAGO SOARES MONTEIRO, Advogados, com
escritório na Avenida de Roma, nº 149, 1900-151 Lisboa, à qual confere – com os
de substabelecer – os mais amplos poderes forenses gerais em Direito
permitidos.
Lisboa, 5 de Maio de 2018
O coordenador do Grupo,
João Miguel Camões
(João Miguel Camões)

PIB PORTUGAL:
205.184.000.000€ | FONTE: BANCO MUNDIAL, SITE OFICIAL
Maria Teresa Mendonça
Nuno Pires
Tiago Soares Monteiro
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