quinta-feira, 3 de maio de 2018

A importância da Audiência dos interessados e a questão doutrinária relativa ao direito em causa

Antes de mais, importa dizer que os atos e regulamentos administrativos são o produto de um procedimento, isto é, de uma “sucessão ordenada de atos e formalidades” destinados à tomada de uma decisão, tal como dispõe o artigo 1º/1 do Código de Procedimento Administrativo (de agora adiante, CPA). 
A audiência dos interessados consiste numa das fases do procedimento administrativo. Cabe aqui, essencialmente, analisar a sua relevância ou o porquê da sua consagração e ainda abordar a sequela doutrinária que discute a natureza do direito em causa.
A audiência dos interessados é o momento formal no qual os interessados participam no procedimento administrativo. Esta ocorre, geralmente, na parte final da instrução, depois de estarem apurados os elementos de facto e de Direito relevantes para a decisão final.
Nos termos do artigo 121º/1, “os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”. Deste modo, a administração deve ouvir os particulares e estes podem pronunciar-se sobre qualquer questão relevante para o procedimento, imediatamente antes da tomada da decisão. Tal como refere o preceito, para a audiência desempenhar cabalmente a sua função, têm os particulares de ser informados sobre o sentido provável dessa decisão, e, ainda sobre os seus fundamentos.
O CPA introduziu, por força desta disposição, a obrigatoriedade de existência de um momento formal de participação dos interessados no procedimento. Contudo, esta solução nem sempre esteve consagrada.
Tradicionalmente, este direito existia somente nos procedimentos disciplinares ou sancionatórios sob a regra de que ninguém podia ser condenado sem ter sido ouvido. Até à entrada em vigor do CPA, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) só reconhecia a existência do direito de audiência e defesa nestes procedimentos. 
No entendimento do Professor Freitas do Amaral, a passagem de um procedimento que não incluía a fase da audiência dos interessados para um procedimento que a tornou obrigatória foi uma “pequena-grande revolução”. A transformação foi de uma administração não participada –  em que o particular não sabia se o seu pedido e as suas razões eram convenientemente estudados e a decisão final chegava sempre como uma total surpresa – para uma administração da qual o particular passa a ser seu associado na tomada de decisões. 
Tal como refere o Professor Freitas do Amaral, os trâmites do procedimento passam de “requerimento, informação dos serviços e decisão final” passa a “requerimento, informação dos serviços, audiência dos interessados e decisão final”.
A audiência dos interessados surge como uma concretização do princípio da participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito, que decorre do artigo 267º/5 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A audiência dos interessados tem, assim, como funções: evitar as decisões surpresa, das quais os particulares não possam já “defender-se”, e facultar aos particulares uma oportunidade para fazerem valer os seus argumentos contra a Administração, tentando de algum modo influenciar o sentido de uma decisão de indeferimento ou de deferimento parcial. Por outro lado, a audiência ajuda a administração a decidir mais eficazmente e com a certeza de que prossegue o interesse público de modo adequado e em conformidade com o bloco de legalidade. 
Está em causa também o princípio da colaboração da Administração com os particulares, previsto nos artigos 267º/1 e 7º da CRP.
Os Professores Freitas do Amaral, João Coupers, João Martins Claro, João Raposo, Pedro Siza Vieira e Vasco Pereira da Silva referem, ainda, numa anotação ao artigo 8º do CPA, que “a participação dos particulares no processo de tomada de decisões administrativas apresenta uma função legitimadora, característica de uma Administração pública democrática, permitindo aos interessados uma proteção dos seus direitos e interesses legalmente em face da administração e conduzindo a um aumento da eficácia da atividade administrativa”.
Para o Professor Vasco Pereira da Silva, a participação dos interessados na formação de decisões que lhes dizem respeito é vista, em termos predominantemente subjetivistas, enquanto instrumento de garantia das posições jurídicas dos privados perante a Administração.
Apesar de obrigatória, a audiência prévia pode ser dispensada em circunstâncias excecionais, que são as previstas no artigo 124º do CPA. No entender dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado, dado ser a audiência dos interessados um instituto concretizador de um princípio constitucional, estas circunstâncias limitadoras da sua realização devem ser interpretadas restritivamente.
Destarte, dada a importância que demonstra ter, o que acontece se for violado o direito à audiência dos interessados, nos casos em que esta é obrigatória? 
Segundo os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado, “a audiência dos interessados constitui uma formalidade essencial cuja preterição acarreta vício de forma e a invalidade do ato administrativo que consubstancie a decisão final”. A questão está em saber que tipo de invalidade está em causa. 
A doutrina não tem sido unânime quanto a este ponto. Podemos dividir os autores em dois blocos. De um lado encontramos aqueles que consideram que o direito à audiência prévia é um verdadeiro direito fundamental, pelo que, a sua violação produzirá a nulidade do ato administrativo (artigo 161º/2, alínea d do CPA). De outro lado deparamo-nos com os autores que entendem que a violação deste direito, por não ser fundamental, consubstancia uma mera irregularidade no procedimento, pelo que a sanção será a anulabilidade (artigo 163º/1 do CPA).
A favor da segunda tese está Freitas do Amaral, com o apoio do Supremo Tribunal Administrativo. Segundo o Professor, “direitos fundamentais são apenas os direitos inerentes à dignidade essencial da pessoa humana”. Para além disso, o Professor invoca um outro argumento: se a jurisprudência tem entendido, nos casos de procedimentos disciplinar, que a falta de audiência do arguido não gera a nulidade, mas antes a anulabilidade, não faz sentido que em casos que não são tão graves como este se adote a sanção da nulidade.
Defensores do direito à audiência prévia como direito fundamental são os Professores Vasco Pereira da Silva, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado.
O Professor Vasco Pereira da Silva começa por invocar o princípio da não tipicidade ou da cláusula aberta, em matéria de direitos fundamentais (artigo 16º da CRP), para explicar que a posição jurídica de vantagem de um cidadão perante a administração é de qualificar como direito fundamental. De seguida, refuta a ideia segundo a qual direito à audiência prévia não é inerente à dignidade humana. Por fim conclui sublinhando que mesmo que se considerasse que o direito à audiência não era fundamental, todas as decisões administrativas que afetem direitos fundamentais devam ser tomadas com base num procedimento participado. Assim sendo, “quer pela via de classificação do direito à audiência como um direito fundamental, quer pela via dos direitos fundamentais afetados pelas decisões administrativas terem de resultar de um procedimento participado, chegamos à conclusão de que uma decisão administrativa praticada sem audiência dos particulares viola o conteúdo essencial de um direito fundamental pelo que deve ser considerada nula (artigo 161º/2, alínea d do CPA)”.
Os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado, consideram que se pode ainda chegar à nulidade por uma outra via que é a da consideração do direito à audiência como uma formalidade essencial do procedimento e um elemento essencial do ato administrativo. 
O Professor Mário Aroso de Almeida defende uma posição intermédia.
A posição perfilhada pelo Professor é a de que o direito à audiência dos interessados só é fundamental nos casos em que estejam em causa procedimentos disciplinares/ sancionatórios, por força dos artigos 269º/3 e 32º da CRP. Nos restantes casos, não se deve considerar que este direito tenha natureza de direito fundamental. Conforme o seu entender, “é certo que este direito é uma (…) das concretizações do imperativo (…) de assegurar a participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito. Afigura-se, no entanto, que este preceito constitucional tem (…) por objeto regular a estrutura organizatória da Administração Pública, pelo dele não recorre um direito à participação procedimental (…) passível de ser invocado (…)”.
Em face das posições destacadas, penso que a razão está com o Professor Mário Aroso de Almeida. No meu entendimento, é naturalmente obrigatória, sob pena de nulidade, a audiência dos particulares em procedimento sancionatório; contudo, já não me parece justificativa a qualificação como direito fundamental da generalidade das restantes situações de direito à audiência.
Bibliografia
Rebelo de Sousa, Marcelo e Salgado de Matos, André, Direito Administrativo Geral, Atividade Administrativa, Tomo III, 2ª Edição, Dom Quixote, 2009, páginas 127 a 134;
Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo II, Almedina, Coimbra, 2001, páginas 316 a 323;
Pereira da Silva, Vasco, Em Busca do Ato Administrativo Perdido, Almedina, Coimbra, 1996, páginas 424 a 432;
Aroso de Almeida, Mário, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2016, páginas 114 a 124;

Ana Catarina Fonseca Louro, aluna nº 57110, subturma 10B

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