domingo, 29 de outubro de 2017

A Administração directa

1. Grupos de entidades que compõem a Administração Pública
     Na perspectiva da Administração em sentido orgânico (i.e., reportando-se à sua organização), podem autonomizar-se três grandes grupos de entidades:
-administração directa do Estado (Lei nº 4/2004, de 15 de Janeiro): as suas entidades estão hierarquicamente subordinadas ao Governo, que exerce sobre elas um poder de direcção;
-administração indirecta do Estado (Lei nº 3/2004 de 15 de Janeiro): sujeitas à superintendência e tutela do Governo, que exerce sobre elas poderes de orientação, de fiscalização e de controlo;
-administração autónoma: estão apenas sujeitas à tutela do Governo, que exerce sobre elas poderes de fiscalização e controlo.

   Disto resulta que a relação que estes grandes grupos estabelecem com o Governo, na sua qualidade constitucional de órgão supremo da Administração Pública, é diferente e progressivamente mais ténue.

2. A Administração Directa
2.1 Administração directa central e administração directa periférica/local
     A administração directa do Estado desdobra-se, em função do factor territorial, em administração directa central e em administração directa periférica ou local:
-a primeira, integra os órgãos e serviços do Estado que exercem competência extensiva a todo o território nacional;
-a segunda, representa o conjunto de órgãos e serviços da pessoa colectiva Estado que dispõem de competência limitada a uma área territorial (que se designam de circunscrições administrativas),

     Em ambos os casos, estas entidades funcionam sob a direcção e dependência hierárquica do Governo.

2.2 Características do Estado-administração e da sua administração directa
     Segundo o professor Freitas do Amaral, o Estado (em sentido estrito) e a sua administração directa contêm as seguintes características:
a) Unicidade: O Estado é a única espécie do seu género (enquanto que ao conceito de autarquia local correspondem alguns milhares de entes autárquicos);
b) Carácter originário: ou seja, tem natureza originária, não sendo criado pelo poder constituído (ao contrário de todas as outras pessoas colectivas públicas que são sempre criadas ou reconhecidas por lei ou nos termos da lei);
c) Territorialidade: o Estado é uma pessoa colectiva de cuja natureza faz parte um certo território, o território nacional. Todas as parcelas territoriais, mesmo que afectas a outras entidades (como regiões, autarquias locais) estão sujeitas ao poder do Estado;
d) Multiplicidade de atribuições: o Estado é uma pessoa colectiva de fins múltiplos;
e) Pluralismo de órgãos e serviços: é composto por numerosos órgãos (Governo, membros do Governo individualmente considerados, directores-gerais, directores de finanças, etc.) e por uma pluralidade de serviços públicos (ministérios, secretarias de Estado, direcções-gerais, governos civis, repartições de finanças, etc);
f) Organização em ministérios: os órgãos e serviços do Estado-administração, a nível central, estão estruturados em departamentos, organizados por assuntos ou matérias, que se denominam ministérios;
g) Personalidade jurídica una: apesar da multiplicidade de atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não tendo personalidades jurídicas distintas. Cada órgão do Estado vincula o Estado no seu todo;
h) Instrumentalidade: a Administração do Estado é subordinada, não sendo, salvo casos excepcionais, nem independente nem autónoma. Esta constitui um instrumento para o desempenho dos fins do Estado. A isto se deve a submissão e subordinação pela Constituição da administração directa do Estado ao poder de Direcção do Governo (explicando-se, assim, o dever de obediência dos funcionários em relação aos governantes e a livre amovibilidade dos alto funcionários do Estado, por mera decisão discricionária do Governo);
i) Estrutura hierárquica: a administração directa do Estado está estruturada em termos hierárquicos, i.e., de acordo com um modelo de organização administrativa constituído por um conjunto de órgão e agentes ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direcção e ao subalterno o dever de obediência (se assim não fosse, a administração Estado deixava de ser subordinada e passava a ser autónoma e independente, e nesse caso o Governo não responderia politicamente por ela perante a AR);
j) Supremacia: O Estado-administração exerce poderes de supremacia não apenas em relação aos sujeitos de direito privado, mas também sobre as outras entidades públicas. Por essa razão, o Estado-administração é chamado de ente público máximo, enquanto que as demais pessoas colectivas públicas são designadas por por entes públicos menores, ou subordinados.

2.3 Órgãos da administração directa central:
     O principal órgão permanente e directo do Estado, com carácter administrativo, é o Governo: o artigo 182º da CRP declara que “o Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública”.
     São, portanto, estas as duas funções essenciais do Governo: enquanto órgão político, cabe-lhe a condução da política geral do país; como órgão administrativo, trata-se do órgão superior da administração pública portuguesa.
     Por sua vez, esta competência administrativa é desenvolvida no art. 199º da CRP, do qual decorrem as três funções administrativas do Governo:
a) Garantir a execução das leis (alíneas f) e c) do art. 199º);
b) Assegurar o funcionamento da Administração Pública (alíneas a), b), d) e e) do mesmo artigo);
c) Promover a satisfação das necessidades colectivas (alínea g) do art. 199º).

     Pelas tarefas que estão cometidas ao Governo, pelo que lhe compete fazer por si próprio ou mandar fazer a outros, por ser o órgão superior das hierarquias da administração do Estado, e ainda por lhe caber fiscalizar ou orientar as demais entidades públicas que, para além do Estado, fazem parte da Administração, o Governo é o principal órgão da Administração Pública.

     Na administração central directa, são também órgãos do Estado, colocados sob a direcção do Governo:
a) Os directores-gerais, directores de serviços e chefes de divisão ou de repartição dos ministérios, bem como os respectivos secretários-gerais;
b) O chefe do Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea;
c) O Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, bem como os directores da Polícia Judiciária, da Polícia de Segurança Pública, do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras e de outros organismos de natureza análoga;
d) O Procurador-Geral da República (art. 220º da CRP) e seus adjuntos;
e) Os inspectores-gerais e seus adjuntos;
f) Os dirigentes de gabinetes, centros e institutos não personalizados, incluídos na administração central do Estado;
g) As numerosas comissões existentes, com carácter permanente ou temporário, quer em cada um dos ministérios per si, quer abrangendo dois ou mais ministérios para fins de coordenação (comissões interministeriais).

     Pertencem ainda à administração central directa, e são portanto órgãos do Estado, embora sem dependerem do Governo por serem órgãos independentes:
a) O Provedor de Justiça (art. 23º da CRP);
b) O Conselho Económico e Social (art. 92º da CRP);
c) A Comissão Nacional de Eleições (lei nº 71/78, de 27 de dezembro);
d) A Entidade Reguladora da Comunicação Social (lei nº 53/2005, de 8 de Novembro);
e) Outros órgãos de natureza análoga.

2.4 Órgãos da administração directa local
     Como foi anteriormente referido, a administração local é o conjunto de órgãos e serviços do Estado que dispõem de competência limitada a uma área territorial restrita e funcionam sob a direcção dos correspondentes órgãos centrais.
     Os órgãos locais do Estado caracterizam-se por três elementos essenciais:
-são órgãos, isto é, podem por lei tomar decisões em nome do Estado, vinculando-o na sua qualidade de pessoa colectiva pública, face a outras entidades públicas e aos particulares em geral. Não são meros agentes sem competência própria (podem praticar actos administrativos);
-são órgãos do Estado, e não órgãos autárquicos. Não pertencem à administração local autárquica, mas antes à administração local do Estado. Por isso mesmo, estão integrados numa cadeia de subordinações hierárquicas em cujo topo se encontra o Governo (devem obediência às suas ordens e instruções);
-têm uma competência meramente local, isto é, delimitada em razão do território. Só podem actuar dentro da circunscrição administrativa a que a sua competência respeita.

     Para efeitos de administração geral, existe a divisão em distritos e conselhos; para efeitos de administração especial, existem outras divisões (p.ex., para efeitos de administração hidráulica, a base não é a do critério distrital ou concelhio, mas sim da divisão em bacias hidrográficas dos rios, ou seja, divisões hidráulicas).

     Existem numerosos órgãos locais do Estado: à frente de cada comando da PSP (metropolitano, regional ou distrital) encontra-se o respectivo comandante; as direcções distritais de finanças são chefiadas pelos directores de finanças; as repartições, pelos chefes das repartições de finanças; os serviços de saúde, pelos delegados de saúde e subdelegados de saúde; etc.
     A tendência é no sentido do aumento constante do número destes órgãos locais do Estado, criados e robustecidos num propósito de desconcentração de poderes.
     O Governador Civil é o principal órgão da administração local do Estado: é o magistrado administrativo que representa o Governo e exerce os poderes de tutela na circunscrição distrital. As suas funções estão definidas no artigo 291º/3 da CRP. Contudo, este órgão encontra-se hoje extincto (de facto, mas não de iure, pois continua previsto na Constituição, como vimos).

Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2016

Bruno Silva, subturma 10, nº 57244

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