“O Direito Administrativo sem fronteiras”
Numa nota prévia, é necessário reconhecer que também se pode falar em “Fonteiras do Direito Administrativo”.
Falamos assim antagonicamente ao tema em questão, no sentido de enunciar os demais ramos de Direito existentes em comparação com o Direito Administrativo, ou seja, em estudar as suas distinções e relações entre ambos.
Deste modo podemos referenciar o Direito Administrativo vs. O Direito Privado; O Direito Administrativo vs. O Direito Judiciário; O Direito Administrativo vs. O Direito Penal e por fim o Direito Administrativo vs. O Direito Internacional.
Em cada ramo de direito existem diferenças que os fazem ser 2 tipos de direito distintos e por isso falar de fonteiras apresenta-se como que um conceito pertinente para que possamos definir da melhor forma possível o que na verdade é o Direito Administrativo e como este atua com os outros ramos existentes.
No entanto, quando falamos em Direito Administrativo não podemos deixar de pensar na sua expansão e no seu meio de intervenção, pois mesmo que se consiga fazer essa distinção fronteiriça não podemos pensar no mesmo como uma realidade estanque mas sim uma realidade bastante dinâmica fase a esses mesmos ramos distintos, e vice-versa. Um dos exemplos, e pegando no ramos acima referidos, é o do Direito Administrativo vs. Direito Internacional: durante as ultimas décadas o Direito Administrativo tem contribuindo bastante para a elaboração normativa, jurisprudencial e cientifica do Direito Comunitário europeu, assim como tem sido sujeito a cada vez mais normas comunitárias que o condicionam internamente, com por exemplo o regime jurídico da concorrência e dos preços e com a liberalização de alguns serviços públicos tradicionais, (energia e telecomunicações).
De outro modo, podemos também falar em “Direito Administrativo sem fronteiras” tendo como base 3 origens:
1. O Direito Comparado
2. O Direito Europeu
3. O Direito Global
1. No século XIX e prolongando-se no seculo XX até ao anos 70, o Direito Administrativo era um direito nacional que mudava consoante o Estado a que estava adstrito, não havendo por isso um único Direito Administrativo nem a preocupação dos administrativistas de conhecer e comunicar com os direitos dos diferentes Estados. Não havia assim a necessidade de comparar os Direitos Administrativos existentes.
O facto de o Direito comparado apenas ser utilizado no ramo privado também impossibilitava essa sua aplicação mais abrangente.
Foi só nos anos 70 que surgiu a necessidade de conhecer e comparar os diferentes direitos existentes. Uma época que se denota pela transição de um Estado de Providência, prestador e com intervenção social direta, para passarmos para um Estado que garante nas áreas económicas e sociais um estimulo, regulação, orientação e incentivo das atividades privadas designadamente as que prosseguem fins comuns/gerais – O Estado Pós-social –. Este passou a perder o seu protagonismo de intervenção para dar lugar e incentivar os seus cidadãos a dinamizar ecomonica e socialmente, quer lá dentro, quer em relações sociais internacionais.
Com esta “margem de manobra” e uma abertura que possibilitava para além do nacional, os administrativistas sentiram a necessidade de conhecer o Direito dos Vizinhos para entender o seu próprio Direito.
Foi através do Direito Comparado que se possibilitou este conhecimento internacional do Direito Administrativo e aqui podemos referir-nos já ao segundo ponto.
2. O Direito Comparado atua como fonte do Direito Europeu, este possibilita que através do conhecimento dos diferentes direitos nacionais dos Estados que o compõem se crie um conjunto de princípios comuns europeus que podem assim submeter esses mesmos Estados. É o conhecimento do conjunto de regras nacionais desses Estados que vai permitir criar vetores relacionais, ou seja, princípios, que os vão ligar enquanto comunidade europeia.
Temos como exemplo o Tribunal de Justiça da U.E que para criar um Direito Administrativo tem que comparar todos esses Direitos Administrativos nacionais para poder submeter todos esses Estados a princípios comuns europeus. Trata-se de uma autentica “europeização” do Direito.
3. Outro dos aspetos que contribuiu para um Direito Administrativo sem fronteiras foi a globalização, fenómeno que pode ser evidenciado acima de tudo pela comunicação social, economia, politica, MAS hoje em dia também o apresenta no domínio jurídico.
Podemos assim falar de um Direito Administrativo Global, ou seja, um conjunto de regras e princípios europeus conhecidos internacionalmente e que regem as relações e problemas europeus entre entidades públicas e privadas de diferentes Estados.
Esta expansão global do Direito Administrativo surgiu, em primeira análise, com as consequentes transformações do DIP e pelo aumento dos sujeitos de Direito Internacional.
No primeiro caso essas transformações consistiram no facto de antigamente os Estados apenas manterem relações entre si, ou seja, relações horizontais – acordavam regras e impunham-nas no seu território que por sua vez eram “unilateralmente” responsáveis pelo seu cumprimento ou incumprimento dessas regras pelos seus nacionais – só existiam relações verticais entre o Estado e os seus sujeitos e que compreendiam todos os problemas do seu Direito interno.
Foi apenas nos anos 70 que o DIP passou a aplicar-se diretamente aos indivíduos e não só estabelecido como um “Direito dos Estados”, passando assim a ser também sujeitos de DIP:
- as relações verticais que cada Estado mantinha independentemente, passam a ser reguladas conjuntamente por toda a comunidade global, não havendo assim diferenças;
- surgem os tribunais internacionais, não na sua génese, mas que alargaram as suas funções para regular essas relações verticais, no caso de um cidadão querer apresentar alguma queixa contra o seu próprio Estado pelo incumprimento dessas regras ou contra outro Estado.
Assim a realidade jurídica tornou-se uma realidade global, existindo uma rede de relações entre diversos indivíduos e entidades públicos e privadas que são regularizadas internacionalmente, tanto para o Direito Administrativo como para o DIP.
No segundo caso, o aumento dos sujeitos de direito internacional também abriu portas para uma necessidade de transformar a natureza desse direito pois seria imprescindível criar mecanismos que conseguissem responder aos problemas de todos os sujeitos como é o exemplo dos tribunais, órgãos administrativos especiais encarregados de emitir normas de Direito Administrativo Global e de julgar litígios de normas referentes aos direitos fundamentais considerados de aplicabilidade imediata, e que os particulares pudessem defender-se do seu próprio Estado com a violação dessas regras.
O que se pode concluir com esta análise de um verdadeiro Direito Administrativo sem fronteiras é o facto de este surgir num âmbito de necessidade de acompanhar a evolução global, que nos trás novos desafios e novos problemas que precisam de respostas atualizadas e de um pensamento dinâmico e informado para deste modo conseguirmos construir um Direito Administrativo adequado a todos os seus “pacientes”.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4ªEdição, Almedina, Coimbra, 2016
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Em busca do Ato Administrativo perdido, Almedina, Coimbra, 1996
Matilde Ribeiro | Subturma 10 | Nº 56851
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