Para se caracterizar o Direito Administrativo
não é apenas necessário estudar os poderes da administração. Antes de mais, é
preciso estudar e compreender os direitos dos particulares nas relações
jurídicas administrativas porque há, de facto, uma posição de igualdade entre o
particular e a Administração. Contrariamente ao que sucedia nos primórdios do
direito administrativo, em que o particular era um mero objeto da Administração,
hoje em dia ele é muito mais que isso: é um titular de direitos de direitos em
face da Administração, capaz de estabelecer relações com os órgãos do poder
público. A lógica da Administração era a da negação dos direitos dos
particulares, mas nos nossos dias os eles relevam bastante para a atuação da
Administração Pública.
Coloca-se então a questão: visto que o
objetivo da Administração Pública é a prossecução do interesse público, pode
fazê-lo livremente? Ou os direitos subjetivos dos particulares constituem um
limite face à atuação da Administração Pública?
Princípio da
prossecução do interesse público
A noção de interesse público, definida pelo
Professor Doutor João Caupers como ‘’o interesse de uma comunidade, ligado à
satisfação das necessidades coletivas (…) ” (cfr. Caupers, João, Introdução ao Direito Administrativo, Âncora,
Lisboa, 2007), é algo abstrato, com um elevado grau de indeterminação, visto
que depende das necessidades coletivas de cada sociedade em momentos
específicos. Nas palavras dos Professores Doutores Marcelo Rebelo de Sousa e
André Salgado de Matos ‘’o interesse público é o norte da administração
pública; e é por isso que o art. 266º,1 CRP e o art. 4º CPA individualizam o
princípio da prossecução do interesse público em termos categóricos (…) ‘‘
(cfr. Rebelo de Sousa, Marcelo/ Salgado de Matos, André, Direito Administrativo Geral, D. Quixote, Lisboa – tomo I, Introdução e Princípios fundamentais,). Contudo,
tal não obsta a que haja uma tendência para se determinar quais as áreas em que
é preciso uma maior intervenção da Administração em nome do interesse público,
nomeadamente a nível da educação, saúde ou transportes públicos.
Respeito
pelos direitos subjetivos dos particulares
A lei tanto fixa os interesses públicos a
prosseguir pela Administração Pública como fixa igualmente as regras a que ela
deve obedecer para tal prossecução: é uma delimitação do espaço de decisão da Administração
Pública, pelo que esta deve respeitar os direitos e interesses dos particulares
(art. 266º/1 da CRP).
Prescreve o art. 4.º do Código do Procedimento
Administrativo que “Compete aos órgãos da
Administração Pública prosseguir o interesse público, no respeito pelos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.” O art. 6.º deste
Código diz o seguinte: “Nas suas relações com os particulares, a Administração
Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar,
beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever
ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica,
condição social ou orientação sexual.”
Foi com o reconhecimento dos Direitos
Fundamentais dos cidadãos (como o direito à vida ou à integridade pessoal,
expressos nos arts. 24º e 25º da CRP, respetivamente) que os particulares
passaram a relacionar-se com as autoridades públicas segundo um de estatuto de
igualdade. Justamente, este reconhecimento da titularidade de direitos
subjetivos por parte dos particulares perante a Administração ‘’constitui um
princípio essencial do Estado de Direito, cuja consagração determina
importantes consequências práticas no domínio do Direito Administrativo (…) ”
(cfr. Pereira da Silva, Vasco, Em busca
do Acto Administrativo Perdido, Almedina, Coimbra, 1996, p. 213) Deste
modo, os particulares podem (e devem) atuar para defenderem os seus direitos,
caso sejam lesados pela Administração, pelo menos em relação a direitos
fundamentais. Acresce salientar, neste sentido, que também a nível do
Contencioso Administrativo é necessário uma proteção dos direitos subjetivos
dos particulares, equiparando as suas posições com as da Administração, ou
seja, tanto podem haver relações em que o particular está numa posição de
supremacia face à administração como o contrário.
O princípio do respeito pelos direitos
subjetivos dos particulares impõe que estes direitos sejam ponderados em
conjunto com o interesse público. Desta ponderação não podem, naturalmente, resultar
meios de prossecução do interesse público que lesem de forma inadequada e
desnecessária as posições subjetivas dos particulares.
Como refere o Professor Doutor Vasco Pereira
da Silva, a ordem jurídica portuguesa trata os indivíduos como titulares de direitos
subjetivos perante as autoridades públicas e como elementos da relação jurídica
administrativa. O nosso ordenamento jurídico acolheu uma conceção ampla de
direitos subjetivos públicos, segundo a qual eles podem ter várias fontes como
a Constituição (ex. direitos fundamentais: art. 12.º da CRP), o direito
internacional (art. 8.º da CRP), a lei ordinária (ex. Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que
aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais
entidades públicas), o regulamento, o ato administrativo e o contrato (ex. art.
266.º da CRP e art. 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, que
estabelece o seguinte: “Os
órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito,
dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com
os respetivos fins.”
No art. 1º da CRP está consagrada a dignidade
humana enquanto princípio de uma República soberana. Assim, se a Administração
têm em vista a concretização de um qualquer interesse público, este vai estar
condicionado pelo princípio da dignidade humana, princípio este que determinará
o conteúdo e o alcance do interesse público a realizar. Portanto, não se pode
afirmar que a Administração Pública esteja sempre numa posição de superioridade
relativamente aos particulares, pois a sua atuação está condicionada pelos
direitos subjetivos destes.
O art. 22.º da CRP é outro exemplo da
consagração do princípio da proteção dos direitos subjetivos dos particulares
ao prever o princípio da responsabilidade patrimonial direta das entidades
públicas por danos causados aos cidadãos, o qual, ao lado do princípio da
legalidade (art. 3.º da CRP) e do princípio da judicialidade (art. 20.º da
CRP), é um dos instrumentos estruturantes do Estado de direito democrático
enquanto elemento do direito geral das pessoas à reparação dos danos causados
por outrem. Como se defende no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22/10/2009 (in www.dgsi.pt), no art. 22.º da CRP estabelece-se ‘’(…)o
princípio da imputação direta ao Estado dos ilícitos cometidos pelos titulares
dos seus órgãos, funcionários ou agentes, impondo-se-lhe que responda, ao lado
daqueles titulares dos órgãos, funcionários ou agentes, por atos funcionais,
quando a lei impuser a responsabilidade direta destes. Por integrar um
direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias,
pode tal normativo ser invocado diretamente pelo lesado (cfr. Marcelo Rebelo de
Sousa, “Responsabilidade dos estabelecimentos públicos de saúde” in:
“Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa,
pág. 161).’’
Em sede de contencioso administrativo o
reconhecimento dos direitos subjetivos faz-se mediante o acesso ao direito e à
tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º da CRP). Quanto ao procedimento
administrativo, ele pode ser iniciado oficiosamente ou a pedido dos
interessados nos termos dos arts. 53.º e 68.º do Código de Procedimento
Administrativo.
Conceções
unitárias do Direito subjetivo VS Conceções trinitárias das posições jurídicas
de vantagem
Os Professor Doutores João Caupers e Diogo
Freitas do Amaral adotam uma distinção, nascida em Itália, entre direitos
subjetivos e interesses legítimos e, posteriormente, interesses difusos. Os
primeiros caracterizam-se por consubstanciar uma situação jurídica ativa que
possibilita a satisfação de um interesse próprio do seu titular, pelo que lhe é
conferida uma proteção jurídica direta. Quanto aos segundos, tem-se entendido
que nem a Administração Pública tem o dever de os satisfazer, nem o particular
lhe pode exigir que sejam satisfeitos. O dever da Administração Pública
consiste apenas em prosseguir o interesse público e ao fazê-lo pode ocorrer a
satisfação do interesse legítimo do privado por ser conexo com aquele. Por
último, o que está em causa nos interesses difusos, que surgiram nos anos
setenta devido aos novos direitos fundamentais, é a proteção de um bem de interesse
público e dela resulta, consequentemente, a proteção do direito do particular.
A distinção entre direitos subjetivos e
interesse legítimo é, todavia, largamente criticada pelo Professor Doutor Vasco
Pereira da Silva, que afirma que o ordenamento jurídico português utiliza ambas
as expressões como sinónimos. De modo a sustentar a sua opinião, invoca o art.
268º/3,4,5 da CRP e os arts. 4º, 12º, 53º e 140/1, b) do Códido de Procedimento Administrativo de 91 que utilizam os dois termos de forma indistinta.
Finalmente, existe a conceção unitária,
oriunda do Direito Alemão, e que tem por base a teoria da norma da proteção.
Face ao exposto, importa realçar novamente a
ideia de que o sujeito particular é, inegavelmente, titular de direitos
subjetivos face à Administração Pública. Ainda que ela possa fazer valer a sua
vontade unilateralmente (através de um ato administrativo ou de um
regulamento), a sua conduta deve prejudicar o menos possível os direitos
subjetivos dos cidadãos.
Bibliografia
CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 8ª edição, Âncora Editora,
Lisboa, 2005, pp. 79-82
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, Almedina, Coimbra, 1996,
pp. 212-255
REBELO DE SOUSA, Marcelo / SALGADO DE MATOS,
André, Direito Administrativo Geral-
tomo I, 14ª edição, D. Quixote, Lisboa, pp. 201-207
Maria Manuel Pedro, nº 57136, subturma 10, turma B
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