quinta-feira, 19 de outubro de 2017

O reconhecimento de direitos subjetivos dos particulares perante a Administração


  Para se caracterizar o Direito Administrativo não é apenas necessário estudar os poderes da administração. Antes de mais, é preciso estudar e compreender os direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas porque há, de facto, uma posição de igualdade entre o particular e a Administração. Contrariamente ao que sucedia nos primórdios do direito administrativo, em que o particular era um mero objeto da Administração, hoje em dia ele é muito mais que isso: é um titular de direitos de direitos em face da Administração, capaz de estabelecer relações com os órgãos do poder público. A lógica da Administração era a da negação dos direitos dos particulares, mas nos nossos dias os eles relevam bastante para a atuação da Administração Pública.
Coloca-se então a questão: visto que o objetivo da Administração Pública é a prossecução do interesse público, pode fazê-lo livremente? Ou os direitos subjetivos dos particulares constituem um limite face à atuação da Administração Pública?

Princípio da prossecução do interesse público
  A noção de interesse público, definida pelo Professor Doutor João Caupers como ‘’o interesse de uma comunidade, ligado à satisfação das necessidades coletivas (…) ” (cfr. Caupers, João, Introdução ao Direito Administrativo, Âncora, Lisboa, 2007), é algo abstrato, com um elevado grau de indeterminação, visto que depende das necessidades coletivas de cada sociedade em momentos específicos. Nas palavras dos Professores Doutores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos ‘’o interesse público é o norte da administração pública; e é por isso que o art. 266º,1 CRP e o art. 4º CPA individualizam o princípio da prossecução do interesse público em termos categóricos (…) ‘‘ (cfr. Rebelo de Sousa, Marcelo/ Salgado de Matos, André, Direito Administrativo Geral, D. Quixote, Lisboa – tomo I, Introdução e Princípios fundamentais,). Contudo, tal não obsta a que haja uma tendência para se determinar quais as áreas em que é preciso uma maior intervenção da Administração em nome do interesse público, nomeadamente a nível da educação, saúde ou transportes públicos.

Respeito pelos direitos subjetivos dos particulares
  A lei tanto fixa os interesses públicos a prosseguir pela Administração Pública como fixa igualmente as regras a que ela deve obedecer para tal prossecução: é uma delimitação do espaço de decisão da Administração Pública, pelo que esta deve respeitar os direitos e interesses dos particulares (art. 266º/1 da CRP).
  Prescreve o art. 4.º do Código do Procedimento Administrativo que “Compete aos órgãos da Administração Pública prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.” O art. 6.º deste Código diz o seguinte: “Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
  Foi com o reconhecimento dos Direitos Fundamentais dos cidadãos (como o direito à vida ou à integridade pessoal, expressos nos arts. 24º e 25º da CRP, respetivamente) que os particulares passaram a relacionar-se com as autoridades públicas segundo um de estatuto de igualdade. Justamente, este reconhecimento da titularidade de direitos subjetivos por parte dos particulares perante a Administração ‘’constitui um princípio essencial do Estado de Direito, cuja consagração determina importantes consequências práticas no domínio do Direito Administrativo (…) ” (cfr. Pereira da Silva, Vasco, Em busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, Coimbra, 1996, p. 213) Deste modo, os particulares podem (e devem) atuar para defenderem os seus direitos, caso sejam lesados pela Administração, pelo menos em relação a direitos fundamentais. Acresce salientar, neste sentido, que também a nível do Contencioso Administrativo é necessário uma proteção dos direitos subjetivos dos particulares, equiparando as suas posições com as da Administração, ou seja, tanto podem haver relações em que o particular está numa posição de supremacia face à administração como o contrário.
  O princípio do respeito pelos direitos subjetivos dos particulares impõe que estes direitos sejam ponderados em conjunto com o interesse público. Desta ponderação não podem, naturalmente, resultar meios de prossecução do interesse público que lesem de forma inadequada e desnecessária as posições subjetivas dos particulares.
  Como refere o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, a ordem jurídica portuguesa trata os indivíduos como titulares de direitos subjetivos perante as autoridades públicas e como elementos da relação jurídica administrativa. O nosso ordenamento jurídico acolheu uma conceção ampla de direitos subjetivos públicos, segundo a qual eles podem ter várias fontes como a Constituição (ex. direitos fundamentais: art. 12.º da CRP), o direito internacional (art. 8.º da CRP), a lei ordinária (ex. Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas), o regulamento, o ato administrativo e o contrato (ex. art. 266.º da CRP e art. 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, que estabelece o seguinte: “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”
  No art. 1º da CRP está consagrada a dignidade humana enquanto princípio de uma República soberana. Assim, se a Administração têm em vista a concretização de um qualquer interesse público, este vai estar condicionado pelo princípio da dignidade humana, princípio este que determinará o conteúdo e o alcance do interesse público a realizar. Portanto, não se pode afirmar que a Administração Pública esteja sempre numa posição de superioridade relativamente aos particulares, pois a sua atuação está condicionada pelos direitos subjetivos destes.
  O art. 22.º da CRP é outro exemplo da consagração do princípio da proteção dos direitos subjetivos dos particulares ao prever o princípio da responsabilidade patrimonial direta das entidades públicas por danos causados aos cidadãos, o qual, ao lado do princípio da legalidade (art. 3.º da CRP) e do princípio da judicialidade (art. 20.º da CRP), é um dos instrumentos estruturantes do Estado de direito democrático enquanto elemento do direito geral das pessoas à reparação dos danos causados por outrem. Como se defende no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22/10/2009 (in www.dgsi.pt), no art. 22.º da CRP estabelece-se ‘’(…)o princípio da imputação direta ao Estado dos ilícitos cometidos pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, impondo-se-lhe que responda, ao lado daqueles titulares dos órgãos, funcionários ou agentes, por atos funcionais, quando a lei impuser a responsabilidade direta destes. Por integrar um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pode tal normativo ser invocado diretamente pelo lesado (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa,  “Responsabilidade dos estabelecimentos públicos de saúde” in: “Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa, pág. 161).’’
  Em sede de contencioso administrativo o reconhecimento dos direitos subjetivos faz-se mediante o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º da CRP). Quanto ao procedimento administrativo, ele pode ser iniciado oficiosamente ou a pedido dos interessados nos termos dos arts. 53.º e 68.º do Código de Procedimento Administrativo.

Conceções unitárias do Direito subjetivo VS Conceções trinitárias das posições jurídicas de vantagem
  Os Professor Doutores João Caupers e Diogo Freitas do Amaral adotam uma distinção, nascida em Itália, entre direitos subjetivos e interesses legítimos e, posteriormente, interesses difusos. Os primeiros caracterizam-se por consubstanciar uma situação jurídica ativa que possibilita a satisfação de um interesse próprio do seu titular, pelo que lhe é conferida uma proteção jurídica direta. Quanto aos segundos, tem-se entendido que nem a Administração Pública tem o dever de os satisfazer, nem o particular lhe pode exigir que sejam satisfeitos. O dever da Administração Pública consiste apenas em prosseguir o interesse público e ao fazê-lo pode ocorrer a satisfação do interesse legítimo do privado por ser conexo com aquele. Por último, o que está em causa nos interesses difusos, que surgiram nos anos setenta devido aos novos direitos fundamentais, é a proteção de um bem de interesse público e dela resulta, consequentemente, a proteção do direito do particular.
  A distinção entre direitos subjetivos e interesse legítimo é, todavia, largamente criticada pelo Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, que afirma que o ordenamento jurídico português utiliza ambas as expressões como sinónimos. De modo a sustentar a sua opinião, invoca o art. 268º/3,4,5 da CRP e os arts. 4º, 12º, 53º e 140/1, b) do Códido de Procedimento Administrativo de 91 que utilizam os dois termos de forma indistinta.
  Finalmente, existe a conceção unitária, oriunda do Direito Alemão, e que tem por base a teoria da norma da proteção.


  Face ao exposto, importa realçar novamente a ideia de que o sujeito particular é, inegavelmente, titular de direitos subjetivos face à Administração Pública. Ainda que ela possa fazer valer a sua vontade unilateralmente (através de um ato administrativo ou de um regulamento), a sua conduta deve prejudicar o menos possível os direitos subjetivos dos cidadãos. 

Bibliografia
CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 8ª edição, Âncora Editora, Lisboa, 2005, pp. 79-82
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 212-255
REBELO DE SOUSA, Marcelo / SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo Geral- tomo I, 14ª edição, D. Quixote, Lisboa, pp. 201-207


Maria Manuel Pedro, nº 57136, subturma 10, turma B

Sem comentários:

Enviar um comentário

Administração pública online

Administração Pública online                     Com o avanço do mundo digital, tem-se procurado desenvolver os meios de trabalho e serviços...