quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Os direitos subjectivos de acordo com a Teoria da “norma de protecção”

A ideia que se tem hoje do cidadão encontra-se intrinsecamente ligada ao desenvolvimento social e à própria consolidação do Estado, dado o seu poder de manifestação de interesses individuais ou coletivos, com a finalidade de tornar a vida em comunidade mais confortável e abastecida de elementos essenciais. No entanto, o cidadão não é capaz de, sozinho, satisfazer todas as suas necessidades. Aqui surge a figura do Estado, ente responsável por prover a execução de serviços e atividades que atenda às exigências política e social.


A Professora Doutora Maria João Estorninho afirma ser indispensável “reinventar” as formas de garantia dos particulares em face de uma Administração Pública que já não corresponde de todo aos quadros tradicionais liberais. E ainda marca que, nesta matéria, têm sido defendidas na doutrina todas as soluções teoricamente concebíveis. Assim, num extremo estão aqueles que  exigem uma reserva de lei total, isto é, uma expressa previsão legal para todo e qualquer ato da Administração, mesmo que seja de direito privado. Enquanto que no outro extremo estão aqueles que continuam a defender a reserva de lei apenas nos moldes tradicionais. Existem também as inúmeras teses intermédias, como as que exigem a extensão da reserva de lei, não a toda a administração de prestação, mas tão só às chamadas “prestações necessárias à existência”, ou ainda menos, apenas aos atos em que a Administração exerce poder público apesar de não praticar atos administrativos.
Ora, já foram referidas as posições substantivas de vantagem dos particulares em relação à Administração, sendo que iremos agora fazer menção às posições jurídicas conformes com a realidade do atual estado constitucional e da situação no quadro de Direito Português.
De acordo com o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, podemos atender a duas concepções: concepção trinitária e unitária.
A concepção trinitária, fala em três posições substantivas de vantagem: os direitos subjetivos, os interesses legítimos e os interesses difusos. De acordo com esta construção, há uma proteção direta por parte da ordem jurídica da posição dos particulares quando estamos perante um direito subjetivo e, portanto, nesse caso, há uma criação intencional dessa posição através de uma norma jurídica, que cria essa posição subjetiva de vantagem. No caso do interesse legítimo, aquilo que a lei faz é apenas estabelecer um dever de atuação da administração, dever este que protege indiretamente o particular, conferindo-lhe uma posição subjetiva que corresponde a um interesse legítimo. Quanto aos interesses difusos, esta categoria nasceu nos anos setenta e surgiu na sequência dos novos direitos fundamentais consagrados na constituição, e qualificam-se por corresponderem a situações de proteção objetiva de um bem-jurídico, e que aquilo que o legislador constituinte quis fazer, foi não atribuir posições de vantagem, mas apenas regular objetivamente um bem-jurídico objetivo que é de todos, e este bem não pode ser apropriado por ninguém. Contudo, na perspetiva do Professor Pereira da Silva, não se justifica adotar esta construção, pelo que, em todos os casos, estamos perante direitos subjetivos.
Relativamente à conceção unitária, esta entende que estamos apenas perante um único direito subjetivo, embora com diferentes espécies e conteúdos. Aqui distinguimos também a construção do Direito Reativo desenvolvida no quadro do Direito Espanhol e que foi em Portugal defendida pelo Professor Pereira da Silva, que posteriormente a abandonou. A conceção do Direito Reativo assenta na base de que o Direito Subjetivo surge no momento em que há uma lesão e um particular se dirige a Tribunal para colocar essa mesma lesão em causa. Em contrapartida, inserida na construção unitária, temos a Teoria da Norma da Proteção que iremos abordar após a referência de outras concepções doutrinárias.


O Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa diz que “Os direitos subjetivos públicos não vinculam só a Administração Pública, mas vinculam-na em primeira linha, ao passo que os direitos subjetivos privados a vinculam, amiúde, em paridade com os demais cidadãos” apresentando de seguida a sua posição, a do “interesse indiretamente protegido”. A definição de interesse indiretamente protegido assenta naquele interesse que merece proteção imediata da legalidade vigente, mas em posição secundária, subalterna em relação a outro interesse, que, esse, pode justificar, ou não, a atribuição do direito subjetivo. O Professor Marcelo, de modo a esclarecer-nos quanto a esta definição, dá o exemplo do  interesse de todos e cada um dos cidadãos de salvaguardar a sua saúde quando a lei impõe vacinação geral por razões de saúde pública. O interesse primariamente protegido é um interesse público, o da garantia da saúde pública. No entanto, a lei protege ainda imediatamente, mas de forma indireta, o interesse de cada cidadão quanto à sua saúde. Não atribui a cada um deles um direito à vacinação, embora confira-lhe proteção, que chega à possibilidade de ir a tribunal para responsabilizar civilmente a Administração Pública, por não cumprimento da lei, com danos para o cidadão proponente da ação. O Professor finaliza assinalando que no interesse indiretamente protegido, como no direito subjetivo, há interesse, há proteção imediata, e há alguns, embora escassos, poderes jurídicos. Porém não há, proteção direta, e, por isso nos poderes atribuídos não cabe a suscetibilidade de realização plena do interesse em tribunal, mas apenas a de responsabilizar civilmente quem o tiver violado, dando como referência o nº1 do artigo 483º do Código Civil, que diz cobrir direitos subjetivos e interesses indiretamente protegidos.
Na sequência dos interesses indiretamente protegidos, também se fala em “interesses reflexamente protegidos” que consiste num interesse que não é objeto de proteção imediata, nem mesmo indireta pela lei. O exemplo dado pelo Professor Marcelo é o dos importadores de certo produto, que podem ser beneficiados com a proibição da importação por concorrentes seus, na aplicação de legislação visando salvaguardar a saúde pública. Se o propósito da lei fosse garantir a concorrência, aí estaria a proteger, em primeiro lugar, um interesse geral, e, indiretamente, ainda que forma imediata, interesses privados dos concorrentes. No entanto, se o principal interesse protegido é o da saúde pública, sendo que o secundário o de cada cidadão à saúde, o interesse dos importadores concorrentes não é protegido por lei, em termos imediatos. Porém, eles ganham ou perdem com a interdição ou a permissão de importar. No interesse reflexamente protegido, tal como no direito subjetivo, há interesse e sua proteção. Contudo, diz o Professor que a semelhança única neste aspeto. Não existe proteção nem imediata, nem direta e os limitados poderes atribuídos não envolvem sequer a responsabilização do violador. O único poder de efetivação jurisdicional que é reconhecido é o de impugnar a ilegalidade de comportamento de outrem, se ela existir, invocando, para o efeito, interesse na verificação dessa ilegalidade e na destruição do ato ilegal. O interesse reflexamente protegido não justifica sequer, o contrário do interesse indiretamente protegido, ação de responsabilidade civil do seu violador, pois nenhuma lei visou contemplar imediatamente o interesse só reflexamente protegido.


Seguindo para a posição do Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, este defende que a existência do Direito Administrativo fundamenta-se na necessidade de permitir à Administração que prossiga o interesse público, o qual deve ter primazia sobre os interesses privados. Tal primazia exige que a Administração disponha de poderes de autoridade para impor aos particulares as soluções de interesse público que forem indispensáveis, sendo que o Professor fornece-nos os exemplos dos poderes de tributar, de expropriar, de conceder ou recusar licenças, entre outros. A salvaguarda do interesse público implica também o respeito por variadas restrições e o cumprimento de grande número de deveres a cargo da Administração.
Não são, pois, adequadas as soluções do direito privado, civil ou comercial, (enquanto que na teoria dos interesses indiretamente protegidos, o Professor Marcelo faz menção ao artigo 483º/1 do CC - Responsabilidade Civil) sendo que é necessário aplicar-se soluções novas, específicas, próprias da Administração Pública, ou seja, soluções de Direito Administrativo.
Para a competência dos tribunais administrativos, ficam os recursos de anulação dos atos administrativos arguidos de ilegalidade, a impugnação dos regulamentos ilegais, e as ações relativas aos contratos administrativos, à responsabilidade da Administração por atividades de gestão pública, e ao reconhecimento de direitos ou interesses legítimos resultantes de leis administrativas.


De seguida, iremos avançar para a posição doutrinária adotada pelo nosso Professor Regente, o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, sendo esta a Teoria da Norma da Proteção.
Antes de mais, importa referir que para o Professor, existem seis principais concepções no que diz respeito ao modo de figurar essas posições de vantagem dos particulares em face da administração. Assim elas podem ser concebidas como: “uma mera situação de interesse de facto que confere aos indivíduos legitimidade processual, uma vez que possuem um “interesse próximo” do da Administração. Esta conceção parte do princípio de que os particulares não defendem através do recurso nenhuma posição jurídica subjetiva em face da administração”; “um “direito à legalidade”, ou um “direito reflexo” que os indivíduos fazem valer no processo”; “duas modalidades de posições jurídicas distintas - os direitos subjetivos e os interesses legítimos, consoante o poder de vantagem do indivíduo resulte imediata e intencionalmente das normas jurídicas, ou seja, atribuído apenas de forma mediata e reflexa”; “igualmente as duas modalidades de direitos subjetivos e interesses legítimos, mas que se distinguem, já não com base no caráter mediato ou imediato no modo de proteção pela norma mas antes consoante se trate ou não de uma situação dependente do exercício do poder administrativo”; “duas situações diferentes - os direitos subjetivos “clássicos ou “ativos”, e os direitos subjetivos “novos”, ou “reativos”; ou que domina estes últimos de direitos “eventuais”, ou “futuros”; “uma única categoria de situações jurídicas dos particulares, a dos direitos subjetivos”.
Avançando para a Teoria da Norma da Proteção, esta foi concebida por OTTMAR BÜHLER, ainda nos finais do século XIX, tendo sida posteriormente reformulada por SCHMIDT-ASSMANN e posteriormente por BAUER nos anos setenta que adota uma perspetiva ampla de direitos subjetivos.
Aquando da formulação desta teoria, BÜHLER definiu três condições para a existência de um direito subjetivo, sendo estas: a existência de uma norma jurídica que criasse a tal posição de vantagem, isto é, a presença de uma norma vinculativa; que essa criação que parte da norma jurídica se destinasse a tutelar os direitos dos particulares, sendo este o sentido de proteção da norma; a possibilidade do particular ir a tribunal para ter tutela desta posição subjetiva de vantagem, pelo que é necessário que o particular tenha o direito de reação contra uma lesão da sua esfera jurídica.
No entanto, nos finais do século XIX esta concepção era ainda limitada, pelo que haviam algumas posições de vantagem excluídas pelo simples motivo de que tais posições não eram ainda discutidas na época. Com o passar do tempo e o consequente levantamento de novas questões, pelo que grande parte destas surgiram com as grandes guerras, nomeadamente a 2ª Guerra Mundial, houve uma necessidade de reformular estas três condições. Na sequência da instauração da nova ordem jurídica alemã que decorreu da guerra e da recuperação do Estado de Direito, OTTO BACHOF reestruturou a Teoria da Norma da Proteção de BÜHLER, nos anos 50. Relativamente ao facto de ter de existir uma norma jurídica vinculativa que crie uma posição de vantagem (BÜHLER) Basta uma vinculação, ou seja, há um direito subjetivo sempre que a administração tenha um poder vinculado independentemente desse poder vinculado estar ao lado do poder discricionário, pelo que se entende que não há poderes totalmente discricionários ou totalmente vinculados; os poderes vinculados e os poderes discricionários coexistem na mesma atuação jurídica e coexistem no mesmo poder que está a ser exercido. Portanto, Bachof vem dizer que não é preciso que estejamos perante uma norma integralmente vinculada, dado que basta que esta possua um ou mais vínculos jurídicos e isso introduz um direito subjetivo dos particulares.
Quanto à condição da orientação da norma de BÜHLER, BACHOF considera que o que está envolvido no quadro da relação jurídica administrativa são tanto os direitos de primeira geração, os direitos a abstenções estaduais, como os direitos de caráter económico, social e cultural e que a administração tem o dever quer de não agredir a esfera jurídica dos particulares, quer nos casos em que a administração tem o dever de atuar para a tutela dos particulares, em ambos os casos o particular possui um direito subjetivo. BACHOF diz também que em razão da lógica constitucional, que vincula a Administração ao atribuir direitos fundamentais aos particulares, que consagra a existência de relações jurídicas administrativas, que estabelece direitos aos particulares e que estabelece mecanismos de proteção desses direitos, no quadro constitucional dos modernos Estados de Direito deve-se, em princípio, presumir que uma norma jurídica que estabeleça um qualquer dever de administração, devemos considerar-la, numa forma presumida, que esse dever corresponde a um direito de um particular. Pressupor que a orientação da norma que estabelece um dever para a administração, a orientação da norma é o sentido favorável ao particular, é no sentido de proteger o particular. Deste modo, o particular não só passa a ter direitos de abstenção, passa a ter ainda direitos de condenação da administração, à prática de atos de natureza punitiva, a administração tem o dever de atuar favoravelmente ao particular, e este dever de atuar gera a existência de Direitos Subjetivos (o Professor Pereira da Silva faculta-nos aqui o exemplo do direito do auxílio à saúde e à infância).
No que respeita à possibilidade de reação jurisdicional, já não estamos a falar de uma causa, mas sim de uma consequência, ou seja, a razão pela qual o particular pode ir a juízo, não é causa da condição do direito, é sim, uma consequência do facto de o particular ter um direito substantivo. Ele vai a juízo para defender uma posição substantiva, para tutelar uma situação de vantagem que lhe foi conferida pela ordem jurídica. Portanto, o poder de ir a juízo, não é uma causa, é uma condição do exercício do direito e, como tal, não deve estar incluída no conteúdo do direito. Note-se que o mencionado é sustentado no artigo 268º/4 e 5 da Constituição da República, sendo um direito fundamental de acesso à justiça administrativa e, portanto, este direito é uma consequência da existência do direito substantivo.


Em suma, neste post vimos várias posições doutrinárias relativamente às posições substantivas, sendo que as posições mais extremas são a da do Professor Freitas do Amaral, que defende que a Administração, acima dos interesses privados, tem de prosseguir os interesses públicos, e a do Professor Vasco Pereira da Silva que simpatiza com a Teoria da Norma da Proteção de BACHOF. Por fim, as teorias intermédias mencionadas pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, sendo estas a do interesse indiretamente protegido e do interesse reflexamente protegido.
Numa nota final, após a toda a pesquisa realizada e assim muito de relance, a minha opinião encontra-se inclinada para a Teoria da Norma da Proteção pelo que me parece ser a mais adequada à realidade. No entanto, para todos os efeitos o meu juízo encontra-se suspenso até conseguir aprofundar mais os conhecimentos na disciplina.


Luana Pinto Maia
Nº57106


Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, DIOGO, «Curso de Direito Administrativo», volume I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015.
PEREIRA DA SILVA, VASCO, «Em Busca do Acto Administrativo Perdido», Almedina, Coimbra, 1996.
REBELO DE SOUSA, MARCELO «Lições de Direito Administrativo I», Lisboa 1994/95.
ESTORNINHO, MARIA JOÃO, «A Fuga Para o Direito Privado», Almedina, Coimbra, 1996.
PEREIRA DA SILVA, DIOGO / SARLET, INGO WOLFGANG «Direito Público Sem Fronteiras»(“e-book”), ICJP, Lisboa, 2011.


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