domingo, 5 de novembro de 2017

A Administração Independente

Numa primeira abordagem à Administração independente, podemos começar por analisar a definição que nos é dada por diversos professores. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa refere os “órgãos independentes” como “órgãos e serviços do Estado-Administração que não se integram em nenhum ministério, acabando, em rigor, por servir todo o Estado-Administração”. O Professor Jorge Miranda identifica os “órgãos independentes da Administração” como órgãos que interferem no exercício da função administrativa sem dependerem de direção, superintendência ou tutela do Governo e cujos titulares, quase sempre eleitos, no todo ou em parte, pelo Parlamento, gozam de inamovibilidade. Uns são criados diretamente pela Constituição, outros pela lei ordinária, embora com fundamento naquela pela sua instrumentalidade com direitos, liberdades e garantias e com princípios gerais de Direito eleitoral”. O Professor Vital Moreira completa dizendo considerar as autoridades administrativas independentes como “particularmente adequadas para superintender naquelas atividades que, pela sua natureza ou melindre, devem estar acima da luta partidária e da maioria governamental de cada momento (…) ”.
Podemos então verificar que a Administração independente é situada fora do âmbito do Governo e que têm como missão regular um determinado setor da sociedade. Alguns dos pontos fulcrais desta Administração encontram-se na inamovibilidade durante o mandato, que deve ser entendida como uma medida para reforçar a imparcialidade da atuação perante os órgãos de soberania. Este mecanismo impede que os titulares dos cargos sejam demitidos no caso de proferirem decisões consideradas incorretas ou politicamente inconvenientes pelo bloco maioria parlamentar/Governo; Na independência funcional traduzida na inexistência de ordens e da obrigação de prestação de contas; E na independência face aos interesses envolvidos na sua atividade, traduzida na ausência de título representativo na designação dos membros dirigentes, pois quando um membro é nomeado é-o enquanto especialista. A Administração independente prossegue interesses de cuja realização o Estado está incumbido, mas que necessitam de uma tutela de proteção jurídica que implica a sua execução por entidades “independentes”.
Podemos classificar as tarefas fundamentais do Estado português desempenhadas pela Administração independente em várias espécies. Tarefas de organização política, através da realização do princípio da democracia representativa. Tarefas de garantia da efetivação dos direitos fundamentais à informação, à liberdade de imprensa e à independência dos meios de comunicação social, bem como à liberdade de consciência e à reserva da intimidade da vida privada e familiar. Tarefas adequadas à realização da democracia económica, social e cultural, mediante a vigilância pelo funcionamento eficiente dos mercados.
Administração Independente: Órgãos independentes e Entidades Administrativas Independentes
Como referido pelo Professor Freitas do Amaral, a categoria da Administração independente é composta pelos órgãos administrativos qualificados pela Constituição e pela lei expressamente como independentes e pelas entidades administrativas independentes, referidas no artigo 267º/3 CRP, sem que se confundam. Para designar conjuntamente os órgãos e entidades independentes, é utilizada a expressão autoridades administrativas independentes.
Órgãos Administrativos Independentes
Apesar de o Governo ser “o órgão superior da Administração Pública” -182º CRP, não significa que tenha o monopólio da função administrativa. Pela sensibilidade de algumas matérias e porque essas mesmas requerem um distanciamento em relação ao Governo por tratarem da tutela dos direitos, liberdades e garantias, a Constituição prevê qual o órgão independente que deve assegurar o desempenho dessa função, impondo ao legislador que o institua ou pode somente determinar que é necessária a criação de uma entidade que proteja certo direito fundamental, ficando o legislador com total liberdade. São exemplos disso:
·         Provedor de Justiça (Art. 23º CRP) – Protege todos os direitos dos cidadãos contra ações ou omissões dos poderes públicos, destacando-se o Governo como órgão superior da Administração Pública.
·         Comissão Nacional de Eleições (CNE) (Arts. 49º e 113º CRP) – Visa proteger o livre exercício do direito de voto e o respeito pela vontade popular, garantindo que todos os processos eleitorais decorrem com respeito pela lei.
·         Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) (Art. 35º CRP) – Visa tutelar o respeito pela privacidade e segurança dos dados informatizados das pessoas contra todas as entidades públicas e privadas que os detenham, incluindo as bases de dados da Administração Pública.
·         Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) (Art. 39º CRP) – Deve garantir a independência dos órgãos de comunicação social do setor público simultaneamente perante o poder político – onde o Governo se integra – e o poder económico. O artigo 38º CRP diz que a estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do setor público são independentes perante o Governo e a Administração e também é tarefa da ERC assegurar que assim sucede.
·         Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) (Art. 268º/2 CRP) – Entidade pública independente que funciona junto da AR. Defesa do direito à informação dos administrados contra o Governo e contra os seus serviços, em benefício do princípio da transparência.
·         Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República (SIR) (Arts. 26º e 34º CRP) – Evitar que estes serviços, que operam em áreas muito delicadas e em estreita relação com o Primeiro-Ministro e outros membros do Governo, extravasem as suas funções e ponham em causa direitos dos cidadãos, como a inviolabilidade das suas comunicações, dos seus dados pessoais, da reserva da intimidade da vida privada, ou mesmo a sua segurança e integridade física.
Importa também realçar que há algumas diferenças entre os órgãos: no caso do Provedor de Justiça, este tem uma competência genérica de intervenção na defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, enquanto os restantes órgãos têm somente uma competência limitada a um único direito ou conjunto de direitos com relação entre si. Ao contrário dos restantes órgãos, o Provedor de Justiça não tem nem poderes decisórios nem sancionatórios, tendo somente poder de influência.
Os direitos, liberdades e garantias são considerados instrumentos de defesa dos cidadãos contra o poder público, pelo que se considera o Governo como potencial e principal agressor desses direitos. Tendo isto em consideração, a salvaguarda destes não pode encontrar-se nas suas mãos. Diz-nos o Professor Freitas do Amaral que “a participação da Assembleia da República na designação dos membros dos referidos órgãos independentes dá mais garantias aos cidadãos. A existência de um órgão administrativo independente permite também antecipar a tutela dos direitos que, de outra forma, só poderia ser obtida mais tarde em tribunal.”
 Entidades Administrativas Independentes com Funções de Regulação
Estes órgãos e a ERC não visam a proteção de direitos dos cidadãos mas antes o desempenho de diversas atividades económicas. Para que determinadas atividades económicas se pretendem expandir ao mercado concorrencial, como a energia ou as comunicações, torna-se necessário criar uma entidade pública reguladora que garanta a concorrência e proteja os consumidores. Isto resulta com a transparência da lei-quadro que rege a totalidade das entidades reguladoras – Lei 67/2013, de 28 de Agosto – com exceção do Banco de Portugal e da ERC. Estas entidades gerem-se pelos critérios específicos do mercado concorrencial e é segundo esses critérios que gerem os interesses económicos conflituantes. O nº 3 do artigo 267º da Constituição diz que “a lei pode criar entidades administrativas independentes”. Para melhor controlar a liberdade dada ao legislador, o artigo 6º da referida lei-quadro das entidades reguladoras estabelece um conjunto de parâmetros positivos e negativos que indicam quando pode e quando não pode ser criada uma nova entidade com esta natureza. Diz-nos o Professor Freitas do Amaral que, “como esta lei não tem valor reforçado, nada impede o legislador amanhã de criar mais uma entidade destas, para juntar ao Banco de Portugal e às nove que por agora aquela lei enquadra: Instituto de Seguros de Portugal; Comissão de Mercados de Valores Mobiliários; Autoridade da Concorrência; Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos; Autoridade Nacional de Comunicações; Autoridade Nacional de Aviação Civil; Autoridade da Mobilidade e dos Transportes; Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos; Entidade Reguladora da Saúde.”
A independência destas entidades administrativas não resulta de qualquer imposição constitucional, é uma opção reversível e não impede que as mesmas sejam “associadas a um ministério”, denominado “ministério responsável” (artigo 9º) que pode somente solicitar informações e documentação.


Distinção entre Administração Independente e Administração Direta
Para o Professor Vital Moreira, podemos definir Administração Direta como uma “atividade administrativa levada a cabo diretamente pelos próprios serviços administrativos do Estado, sob a direção do Governo, que é o órgão superior da Administração pública estadual, embora repartida por tantos departamentos quantos os ministérios. Os serviços são organizados em forma de pirâmide e a relação que se estabelece entre as várias estruturas da Administração direta é uma relação de hierarquia.” O Professor José Lucas Cardoso considera que, apesar de ambas partilharem da característica de estarem incumbidas da prossecução de fins do Estado, nos encontramos perante “espécies de Administração pública” distintas, pois enquanto a Administração direta pode ser considerada como a natureza da Administração pública no Estado moderno as restantes espécies de Administração pública resultaram da descentralização de atribuições do Estado noutras pessoas coletivas de caráter territorial, associativo ou institucional.
Para uma melhor compreensão da distinção entre as duas, passarei a enunciar algumas das características da Administração direta contrapostas às da Administração independente:
·         Unicidade vs. Pluralidade – A Administração direta caracteriza-se pela unicidade pois podemos dizer que o Estado é a única espécie, enquanto na Administração independente há uma “pluralidade” de estruturas organizatórias bem como da natureza jurídica das mesmas.
·         Caráter originário vs. Ato de vontade dos órgãos de soberania – A Administração direta integra a essência do Estado, enquanto a Administração independente resulta de um ato de vontade dos órgãos de soberania em consagrar estruturas organizatórias dotadas de um regime jurídico específico nas relações com o órgão superior da Administração pública.
·         Multiplicidade de atribuições vs. Atribuições específicas – Enquanto a Administração direta a pessoa coletiva em questão é o Estado, que prossegue diversas atribuições, na Administração independente temos estruturas que prosseguem atribuições específicas previstas nos seus respetivos diplomas.

Distinção entre Administração Independente e Administração Indireta
A Administração estadual indireta é a administração dos assuntos públicos que é realizada, não por órgãos dependentes imediatamente do Estado, mas por entidades dotadas de personalidade jurídica. Apesar de hoje a delimitação destes dois tipos de Administração já ser considerada consensual na doutrina, podemos ainda encontrar em livros mais antigos a Administração independente enquadrada como Administração indireta estadual, pelo que importa fazer um distanciamento entre as duas.
·         A Administração indireta consiste numa atividade administrativa destinada à realização de fins do Estado mas que este encarrega outras pessoas coletivas de prosseguirem, enquanto a Administração independente, embora consista igualmente numa atividade administrativa destinada à realização de fins do Estado, é uma atividade exercida por entidades não subordinadas diretamente ao próprio Estado.
·         As pessoas coletivas que integram a Administração indireta estão sujeitas ao poder de superintendência do Governo, enquanto as estruturas que compõem a Administração independente, por definição, não se encontram sujeitas aos poderes de direção, nem de controlo, da Administração pública pelo Governo.
O Professor João Caupers mencionava que dentro da administração indireta poderíamos distinguir dois grandes grupos de pessoas coletivas: as que possuem personalidade jurídica pública e as que não possuem.  No grupo das pessoas coletivas de estatuto público, encontramos duas categorias: as entidades públicas empresariais, que têm todas as características das empresas e os institutos públicos, onde refere, entre outros, o Banco de Portugal e a Autoridade Nacional de Comunicações, entidades estas que hoje é consensual na doutrina serem pertencentes não à Administração indireta mas sim à Administração independente.

Distinção entre Administração Independente e Administração Autónoma
O Professor José Lucas Cardoso define a administração autónoma como a “Administração de interesses públicos, próprios de certas coletividades ou agrupamentos infra estaduais, por meio de corporações de Direito público ou outras formas de organização representativa, dotadas de poderes administrativos, que exercem sob responsabilidade própria, sem sujeição a um poder de superintendência do Estado nem a formas de tutela de mérito”. Apesar da Administração autónoma e a independente terem em comum a característica de não se encontrarem subordinadas ao Governo, solução que implica a irresponsabilidade deste órgão de soberania perante o Parlamento pela atividade daquelas “Administrações”, são várias as características que distinguem as “espécies de Administração pública” em apreço:
·         A Administração autónoma goza em geral de maior grau de independência em relação à Administração do Estado que a denominada Administração independente na medida em que a independência das autoridades administrativas independentes assume sempre caráter precário e relativo, enquanto a Administração autónoma é reconhecida expressamente pela Lei Fundamental, que confere a dignidade de limite material de revisão constitucional às Administrações autónomas territoriais.
·         A independência da Administração independente é um fim em si mesma, enquanto a independência da Administração autónoma é uma consequência da autoadministração e da relação de responsabilidade dos respetivos dirigentes perante a sua base social de legitimação. A Administração autónoma só é independente “para cima”, perante o Governo, não para baixo, perante a sua base sociológica, em consequência da respetiva legitimidade democrática endógena, enquanto a Administração independente é dotada de independência em ambos os sentidos
·         A Administração autónoma consiste num fenómeno de autoadministração de alguns setores da atividade económica e social pelos próprios interessados, enquanto a Administração independente se destina a promover a independência e a imparcialidade da atuação da Administração pública perante os interesses a regular.

Conclusão
Podemos então concluir que a Administração independente é já parte integrante da divisão que durante muito tempo foi tripartida, onde se encontrava a Administração direta, indireta e autónoma. Sendo que a Administração independente é também ela dividida entre órgãos independentes e entidades administrativas independentes sendo que não se encontram sujeitas a controlo por parte do Governo pela necessidade de separação para que não haja promiscuidade e para que a sua atuação seja imparcial.

Bibliografia
AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2016
CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição, Âncora Editora, Lisboa, 2009
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4ª Edição, Walters Kluwer Portugal, 2010
CARDOSO, José Lucas, Autoridades Administrativas Independentes e Constituição, Coimbra Editora, 2002

Legislação
Constituição da República Portuguesa
Lei nº 67/2003 - Lei-quadro das entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo



Madalena Dória, aluna nº 56754

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