Numa primeira abordagem
à Administração independente, podemos começar por analisar a definição que nos
é dada por diversos professores. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa refere os “órgãos
independentes” como “órgãos e serviços do Estado-Administração que não se
integram em nenhum ministério, acabando, em rigor, por servir todo o
Estado-Administração”. O Professor Jorge Miranda identifica os “órgãos
independentes da Administração” como órgãos que interferem no exercício da
função administrativa sem dependerem de direção, superintendência ou tutela do
Governo e cujos titulares, quase sempre eleitos, no todo ou em parte, pelo
Parlamento, gozam de inamovibilidade. Uns são criados diretamente pela
Constituição, outros pela lei ordinária, embora com fundamento naquela pela sua
instrumentalidade com direitos, liberdades e garantias e com princípios gerais
de Direito eleitoral”. O Professor Vital Moreira completa dizendo considerar as
autoridades administrativas independentes como “particularmente adequadas para
superintender naquelas atividades que, pela sua natureza ou melindre, devem
estar acima da luta partidária e da maioria governamental de cada momento (…) ”.
Podemos então verificar
que a Administração independente é situada fora do âmbito do Governo e que têm
como missão regular um determinado setor da sociedade. Alguns dos pontos
fulcrais desta Administração encontram-se na inamovibilidade durante o mandato,
que deve ser entendida como uma medida para reforçar a imparcialidade da atuação
perante os órgãos de soberania. Este mecanismo impede que os titulares dos
cargos sejam demitidos no caso de proferirem decisões consideradas incorretas
ou politicamente inconvenientes pelo bloco maioria parlamentar/Governo; Na independência
funcional traduzida na inexistência de ordens e da obrigação de prestação de
contas; E na independência face aos interesses envolvidos na sua atividade,
traduzida na ausência de título representativo na designação dos membros
dirigentes, pois quando um membro é nomeado é-o enquanto especialista. A
Administração independente prossegue interesses de cuja realização o Estado
está incumbido, mas que necessitam de uma tutela de proteção jurídica que
implica a sua execução por entidades “independentes”.
Podemos classificar as
tarefas fundamentais do Estado português desempenhadas pela Administração
independente em várias espécies. Tarefas de organização política, através da
realização do princípio da democracia representativa. Tarefas de garantia da
efetivação dos direitos fundamentais à informação, à liberdade de imprensa e à
independência dos meios de comunicação social, bem como à liberdade de
consciência e à reserva da intimidade da vida privada e familiar. Tarefas
adequadas à realização da democracia económica, social e cultural, mediante a
vigilância pelo funcionamento eficiente dos mercados.
Administração Independente: Órgãos
independentes e Entidades Administrativas Independentes
Como referido pelo
Professor Freitas do Amaral, a categoria da Administração independente é
composta pelos órgãos administrativos qualificados pela Constituição e pela lei
expressamente como independentes e pelas entidades administrativas independentes,
referidas no artigo 267º/3 CRP, sem que se confundam. Para designar
conjuntamente os órgãos e entidades independentes, é utilizada a expressão
autoridades administrativas independentes.
Órgãos Administrativos
Independentes
Apesar de o Governo ser
“o órgão superior da Administração Pública” -182º CRP, não significa que tenha
o monopólio da função administrativa. Pela sensibilidade de algumas matérias e
porque essas mesmas requerem um distanciamento em relação ao Governo por
tratarem da tutela dos direitos, liberdades e garantias, a Constituição prevê qual
o órgão independente que deve assegurar o desempenho dessa função, impondo ao
legislador que o institua ou pode somente determinar que é necessária a criação
de uma entidade que proteja certo direito fundamental, ficando o legislador com
total liberdade. São exemplos disso:
·
Provedor de
Justiça (Art. 23º CRP) – Protege todos os direitos dos cidadãos contra ações ou
omissões dos poderes públicos, destacando-se o Governo como órgão superior da
Administração Pública.
·
Comissão
Nacional de Eleições (CNE) (Arts. 49º e 113º CRP) – Visa proteger o livre
exercício do direito de voto e o respeito pela vontade popular, garantindo que
todos os processos eleitorais decorrem com respeito pela lei.
·
Comissão
Nacional de Proteção de Dados (CNPD) (Art. 35º CRP) – Visa tutelar o respeito
pela privacidade e segurança dos dados informatizados das pessoas contra todas
as entidades públicas e privadas que os detenham, incluindo as bases de dados
da Administração Pública.
·
Entidade
Reguladora da Comunicação Social (ERC) (Art. 39º CRP) – Deve garantir a
independência dos órgãos de comunicação social do setor público simultaneamente
perante o poder político – onde o Governo se integra – e o poder económico. O artigo
38º CRP diz que a estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social
do setor público são independentes perante o Governo e a Administração e também
é tarefa da ERC assegurar que assim sucede.
·
Comissão de
Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) (Art. 268º/2 CRP) – Entidade
pública independente que funciona junto da AR. Defesa do direito à informação
dos administrados contra o Governo e contra os seus serviços, em benefício do
princípio da transparência.
·
Conselho de
Fiscalização do Sistema de Informações da República (SIR) (Arts. 26º e 34º CRP)
– Evitar que estes serviços, que operam em áreas muito delicadas e em estreita
relação com o Primeiro-Ministro e outros membros do Governo, extravasem as suas
funções e ponham em causa direitos dos cidadãos, como a inviolabilidade das
suas comunicações, dos seus dados pessoais, da reserva da intimidade da vida
privada, ou mesmo a sua segurança e integridade física.
Importa também realçar
que há algumas diferenças entre os órgãos: no caso do Provedor de Justiça, este
tem uma competência genérica de intervenção na defesa dos direitos fundamentais
dos cidadãos, enquanto os restantes órgãos têm somente uma competência limitada
a um único direito ou conjunto de direitos com relação entre si. Ao contrário
dos restantes órgãos, o Provedor de Justiça não tem nem poderes decisórios nem
sancionatórios, tendo somente poder de influência.
Os direitos, liberdades
e garantias são considerados instrumentos de defesa dos cidadãos contra o poder
público, pelo que se considera o Governo como potencial e principal agressor
desses direitos. Tendo isto em consideração, a salvaguarda destes não pode
encontrar-se nas suas mãos. Diz-nos o Professor Freitas do Amaral que “a
participação da Assembleia da República na designação dos membros dos referidos
órgãos independentes dá mais garantias aos cidadãos. A existência de um órgão
administrativo independente permite também antecipar a tutela dos direitos que,
de outra forma, só poderia ser obtida mais tarde em tribunal.”
Entidades Administrativas Independentes com
Funções de Regulação
Estes órgãos e a ERC
não visam a proteção de direitos dos cidadãos mas antes o desempenho de
diversas atividades económicas. Para que determinadas atividades económicas se
pretendem expandir ao mercado concorrencial, como a energia ou as comunicações,
torna-se necessário criar uma entidade pública reguladora que garanta a
concorrência e proteja os consumidores. Isto resulta com a transparência da
lei-quadro que rege a totalidade das entidades reguladoras – Lei 67/2013, de 28
de Agosto – com exceção do Banco de Portugal e da ERC. Estas entidades gerem-se
pelos critérios específicos do mercado concorrencial e é segundo esses
critérios que gerem os interesses económicos conflituantes. O nº 3 do artigo
267º da Constituição diz que “a lei pode criar entidades administrativas
independentes”. Para melhor controlar a liberdade dada ao legislador, o artigo
6º da referida lei-quadro das entidades reguladoras estabelece um conjunto de
parâmetros positivos e negativos que indicam quando pode e quando não pode ser
criada uma nova entidade com esta natureza. Diz-nos o Professor Freitas do
Amaral que, “como esta lei não tem valor reforçado, nada impede o legislador
amanhã de criar mais uma entidade destas, para juntar ao Banco de Portugal e às
nove que por agora aquela lei enquadra: Instituto de Seguros de Portugal;
Comissão de Mercados de Valores Mobiliários; Autoridade da Concorrência;
Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos; Autoridade Nacional de
Comunicações; Autoridade Nacional de Aviação Civil; Autoridade da Mobilidade e
dos Transportes; Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos; Entidade
Reguladora da Saúde.”
A independência destas
entidades administrativas não resulta de qualquer imposição constitucional, é
uma opção reversível e não impede que as mesmas sejam “associadas a um
ministério”, denominado “ministério responsável” (artigo 9º) que pode somente
solicitar informações e documentação.
Distinção entre Administração
Independente e Administração Direta
Para o Professor Vital
Moreira, podemos definir Administração Direta como uma “atividade
administrativa levada a cabo diretamente pelos próprios serviços
administrativos do Estado, sob a direção do Governo, que é o órgão superior da
Administração pública estadual, embora repartida por tantos departamentos
quantos os ministérios. Os serviços são organizados em forma de pirâmide e a
relação que se estabelece entre as várias estruturas da Administração direta é
uma relação de hierarquia.” O Professor José Lucas Cardoso considera que,
apesar de ambas partilharem da característica de estarem incumbidas da
prossecução de fins do Estado, nos encontramos perante “espécies de
Administração pública” distintas, pois enquanto a Administração direta pode ser
considerada como a natureza da Administração pública no Estado moderno as
restantes espécies de Administração pública resultaram da descentralização de
atribuições do Estado noutras pessoas coletivas de caráter territorial,
associativo ou institucional.
Para uma melhor
compreensão da distinção entre as duas, passarei a enunciar algumas das características
da Administração direta contrapostas às da Administração independente:
·
Unicidade vs.
Pluralidade – A Administração direta caracteriza-se pela unicidade pois podemos
dizer que o Estado é a única espécie, enquanto na Administração independente há
uma “pluralidade” de estruturas organizatórias bem como da natureza jurídica
das mesmas.
·
Caráter
originário vs. Ato de vontade dos órgãos de soberania – A Administração direta
integra a essência do Estado, enquanto a Administração independente resulta de
um ato de vontade dos órgãos de soberania em consagrar estruturas
organizatórias dotadas de um regime jurídico específico nas relações com o
órgão superior da Administração pública.
·
Multiplicidade
de atribuições vs. Atribuições específicas – Enquanto a Administração direta a
pessoa coletiva em questão é o Estado, que prossegue diversas atribuições, na
Administração independente temos estruturas que prosseguem atribuições
específicas previstas nos seus respetivos diplomas.
Distinção entre Administração Independente
e Administração Indireta
A Administração
estadual indireta é a administração dos assuntos públicos que é realizada, não
por órgãos dependentes imediatamente do Estado, mas por entidades dotadas de
personalidade jurídica. Apesar de hoje a delimitação destes dois tipos de
Administração já ser considerada consensual na doutrina, podemos ainda
encontrar em livros mais antigos a Administração independente enquadrada como
Administração indireta estadual, pelo que importa fazer um distanciamento entre
as duas.
·
A Administração
indireta consiste numa atividade administrativa destinada à realização de fins
do Estado mas que este encarrega outras pessoas coletivas de prosseguirem,
enquanto a Administração independente, embora consista igualmente numa
atividade administrativa destinada à realização de fins do Estado, é uma
atividade exercida por entidades não subordinadas diretamente ao próprio
Estado.
·
As pessoas
coletivas que integram a Administração indireta estão sujeitas ao poder de
superintendência do Governo, enquanto as estruturas que compõem a Administração
independente, por definição, não se encontram sujeitas aos poderes de direção,
nem de controlo, da Administração pública pelo Governo.
O Professor João
Caupers mencionava que dentro da administração indireta poderíamos distinguir
dois grandes grupos de pessoas coletivas: as que possuem personalidade jurídica
pública e as que não possuem. No grupo
das pessoas coletivas de estatuto público, encontramos duas categorias: as
entidades públicas empresariais, que têm todas as características das empresas e
os institutos públicos, onde refere, entre outros, o Banco de Portugal e a Autoridade
Nacional de Comunicações, entidades estas que hoje é consensual na doutrina
serem pertencentes não à Administração indireta mas sim à Administração
independente.
Distinção entre Administração
Independente e Administração Autónoma
O Professor José Lucas
Cardoso define a administração autónoma como a “Administração de interesses
públicos, próprios de certas coletividades ou agrupamentos infra estaduais, por
meio de corporações de Direito público ou outras formas de organização
representativa, dotadas de poderes administrativos, que exercem sob
responsabilidade própria, sem sujeição a um poder de superintendência do Estado
nem a formas de tutela de mérito”. Apesar da Administração autónoma e a
independente terem em comum a característica de não se encontrarem subordinadas
ao Governo, solução que implica a irresponsabilidade deste órgão de soberania
perante o Parlamento pela atividade daquelas “Administrações”, são várias as
características que distinguem as “espécies de Administração pública” em
apreço:
·
A Administração
autónoma goza em geral de maior grau de independência em relação à
Administração do Estado que a denominada Administração independente na medida
em que a independência das autoridades administrativas independentes assume sempre
caráter precário e relativo, enquanto a Administração autónoma é reconhecida
expressamente pela Lei Fundamental, que confere a dignidade de limite material
de revisão constitucional às Administrações autónomas territoriais.
·
A independência
da Administração independente é um fim em si mesma, enquanto a independência da
Administração autónoma é uma consequência da autoadministração e da relação de
responsabilidade dos respetivos dirigentes perante a sua base social de
legitimação. A Administração autónoma só é independente “para cima”, perante o
Governo, não para baixo, perante a sua base sociológica, em consequência da
respetiva legitimidade democrática endógena, enquanto a Administração
independente é dotada de independência em ambos os sentidos
·
A Administração
autónoma consiste num fenómeno de autoadministração de alguns setores da
atividade económica e social pelos próprios interessados, enquanto a
Administração independente se destina a promover a independência e a
imparcialidade da atuação da Administração pública perante os interesses a
regular.
Conclusão
Podemos então concluir
que a Administração independente é já parte integrante da divisão que durante
muito tempo foi tripartida, onde se encontrava a Administração direta, indireta
e autónoma. Sendo que a Administração independente é também ela dividida entre
órgãos independentes e entidades administrativas independentes sendo que não se
encontram sujeitas a controlo por parte do Governo pela necessidade de
separação para que não haja promiscuidade e para que a sua atuação seja
imparcial.
Bibliografia
AMARAL, Diogo
Freitas, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª edição, Almedina,
Coimbra, 2016
CAUPERS, João, Introdução
ao Direito Administrativo, 10ª edição, Âncora Editora, Lisboa, 2009
MIRANDA, Jorge, Manual
de Direito Constitucional, Tomo V, 4ª Edição, Walters Kluwer Portugal, 2010
CARDOSO, José Lucas,
Autoridades Administrativas Independentes e Constituição, Coimbra Editora, 2002
Legislação
Constituição da
República Portuguesa
Lei nº 67/2003 - Lei-quadro
das entidades administrativas independentes com funções de regulação da
atividade económica dos setores privado, público e cooperativo
Madalena Dória, aluna nº 56754
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