domingo, 5 de novembro de 2017

A Codificação do Direito Administrativo em Portugal

A codificação é uma caraterística típica dos países da família romano-germânica, sendo que estes dispõem de codificações de direito público e de direito privado, apresentadas em códigos. Ora, estes documentos reúnem as principais normas reguladoras de um determinado ramo de Direito, organizadas de acordo com um conjunto de princípios fundamentais e com a Ciência do Direito.  No âmbito do Direito Público, esta área abrange o Direito Constitucional, o Direito Penal e também o Direito Administrativo. No entanto, apenas os primeiros se encontram codificados de forma relativamente uniforme nos países desta família.
Nos países que integram o Sistema de Administração Executiva, entre os quais Portugal, o Direito Administrativo não se encontra codificado na sua totalidade. São poucos os países que utilizam códigos para regular alguns setores do Direito Administrativo, sendo que, por exemplo, a França, dispõe de legislação avulsa para tratar determinadas categorias do Direito Administrativo.
Portugal não é exceção à regra dentro deste sistema, uma vez que não possui uma codificação global deste ramo de direito público. Os diplomas em vigor ao longo do tempo na ordem jurídica portuguesa, que versavam sobre Direito Administrativo, foram designados de Código Administrativo. No entanto, esta foi uma classificação erroneamente atribuída, uma vez que estes não codificavam o Direito Administrativo na sua generalidade, limitando-se a codificar a parte referente à administração local comum, com destaque para três entidades: as autarquias locais, os magistrados administrativos e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa local (pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos que prosseguem fins de interesse geral, em cooperação com a administração central ou local).

·         A codificação ao longo dos tempos em Portugal
Os códigos administrativos que Portugal conheceu, desde 1832, variaram de acordo com a inspiração política dos governos responsáveis pela sua redação, alternando entre uma tendência centralizadora e uma tendência descentralizadora.
A primeira grande reforma administrativa portuguesa foi levada a cabo por Mouzinho da Silveira, através do Decreto nº23, de 16 de maio de 1832, onde se decretou a divisão do país em províncias, comarcas e concelhos, devendo cada um ser dirigido por um representante do governo central. Nele previu-se ainda a extinção dos forais, refletindo assim a tendência centralizadora da época.
O Código Administrativo de 1836, da autoria de Passos Manuel, tratou apenas a administração local comum e veio propor a divisão do território português em distritos, concelhos e freguesias, devendo estes ser orientados por um administrador-geral, um administrador e um regedor, respetivamente. Este código setembrista afastou-se da reforma de Mouzinho da Silveira e instaurou um movimento descentralizador na administração.
O Código Administrativo de 1842, publicado por Costa Cabral, de pendor centralizador, veio a ser substituído pelo Código Administrativo de 1878, de Rodrigues Sampaio, já de caráter descentralizador. Em 1886, o Código Administrativo da autoria de José Luciano de Castro, seguiu as égides do código anterior e manteve a sua inclinação descentralizadora.
O Código Administrativo de 1896, de João Franco, introduziu um movimento rigorosamente centralizador na administração portuguesa.
O movimento de codificação abrandou com a entrada na Primeira República (1910 – 1926), não tendo sido publicado nenhum código administrativo durante esse período. A inclinação para a descentralização foi reforçada com a nova entrada em vigor dos Códigos de 1878 e de 1886.
Já na Segunda República, também conhecida por Estado Novo (1933 – 1974), foi publicado o Código Administrativo de 1936-1940, de inspiração centralizadora.
A Revolução do 25 de abril trouxe consigo um novo regime e a necessidade de substituir o Código regulador da administração local comum que vigorou durante o regime ditatorial português. No entanto, a intenção de preparar um novo Código Administrativo foi descontinuada, uma vez que em 1984 se extinguiu a Comissão Revisória do Código Administrativo, ficando os trabalhos suspensos até 1991. Nesta altura surgiu o Código de Processo Administrativo, que veio regular um setor extenso e importante da parte geral do direito administrativo. Mais tarde, em 2008, a parte referente aos contratos administrativos foi autonomizada, passando a ser parte integrante do Código dos Contratos Públicos.
Recentemente, em 2015, o Código de Processo Administrativo de 1991 sofreu uma revisão exaustiva que deu origem ao novo Código de Processo Administrativo. A essência do Código de 1991 prevaleceu nas disposições do Código de 2015.

·         O problema da codificação administrativa global
Nas últimas décadas, a promoção da codificação dos preceitos alusivos à regulação do procedimento administrativo teve como objetivo a correção da atividade jurídica desenvolvida pela Administração no âmbito do direito público. Esta interfere com os direitos e os interesses legítimos dos particulares ao estipular a possibilidade de estes apresentarem queixas à Administração, ao regular a tomada de decisões e sucessiva execução das mesmas pela Administração, entre outras regras.
Art. 267.º/5, CRP - "O processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito."

®    Será a codificação do direito administrativo global necessária ou despropositada?
Marcello Caetano opta pela tese da conveniência ao considerar possível e urgente a necessidade de codificar o direito administrativo, ou pelos menos, a parte geral.
Afonso Queiró, por outro lado, refere a insuficiência doutrinal para a construção de uma base consistente da codificação de direito administrativo e opta, ao invés, por uma codificação parcial ou setorial.
Já Freitas do Amaral assume uma posição intermédia, ou seja, compreende a importância da codificação total do direito administrativo, mas também, da sua codificação setorial, isto é, a codificação feita por cada ministério que integra a administração central. Estas codificações seriam necessárias, possíveis e urgentes para impedir a confusão legislativa que despoletaria a incerteza e insegurança dos particulares em relação à Administração.
João Caupers considera a codificação integral do direito administrativo algo inexequível, uma vez que este incide sobre uma vasta quantidade de normas, impossíveis de reunir num código.
Por último, Marcelo Rebelo de Sousa aponta como obstáculos à codificação do direito administrativo a sua juventude, a mutabilidade conjuntural, isto é, a sua dependência das grandes conceções sociais, das estruturas politicas, económicas, sociais e culturais, e a sua natureza fragmentária, ou seja, o facto de não regular o exercício global da função administrativa, mas apenas frações da mesma. Marcelo Rebelo de Sousa refere ainda a rigidez e a falta de versatilidade normativa dos códigos como fortes pontos de colisão com a rápida mutação tecnológica, económica, social e cultural do direito administrativo.

Tendo em conta as opiniões doutrinárias, a codificação do Direito Administrativo é um ponto inevitável para o seu conhecimento e para assegurar as garantias individuais em relação à Administração. Para além do mais, a própria Constituição da República Portuguesa prevê a criação de uma lei para a regulação do funcionamento da atividade administrativa.
Por outro lado, deve ser evitada uma codificação muito detalhada do Direito Administrativo, pois, devido à rigidez típica dos códigos, a introdução de alterações ao regime codificado tornar-se-ia num processo altamente moroso. Também não devem ser somente codificados os princípios gerais do Direito Administrativo, de modo a prevenir a ineficácia do funcionamento da Administração.

Bibliografia:
  • Caupers, João: Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição, Âncora Editora, 2009, págs. 71 e 72;
  • Freitas do Amaral, Diogo: Curso de Direito Administrativo, vol. I, 4ª edição, Almedina, 2015, págs. 150-155;
  • Rebelo de Sousa, Marcelo e Salgado de Matos, André: Direito Administrativo Geral, tomo I – Introdução e princípios fundamentais, 3ª edição, Dom Quixote, 2008, págs. 52-55.

      Ana Brito (56896), subturma 10, turma B, 2º ano

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