A inserção das Associações públicas na Administração Públia (Autónoma)
É evidente que o
Estado é a principal entidade que integra a Administração, mas não é a única.
Contrariamente àquilo que possa ser a opinião comum ou leiga, existem muitas
outras entidades que pertencem à Administração Pública enquanto sistema de
órgãos, serviços e agentes que em nome da coletividade asseguram a satisfação
das necessidades coletivas. Os municípios, as freguesias, as regiões autónomas, as universidades,
os institutos públicos, as empresas públicas e, designadamente, as associações
públicas são algumas das pessoas coletivas que exercem atividade administrativa
pública e que não integram o Estado. A relevância destas entidades no plano da
Administração Pública tem, aliás, vindo a acentuar-se cada vez mais em
homenagem ao princípio da descentralização.
Enquanto objeto
de estudo, vamos focar-nos na figura da Associação Pública como uma das
entidades que integra a Administração.
A associação
aparece definida do Código Civil (artigos 157º e 167º) como uma pessoa
coletiva, constituída pelo agrupamento de várias pessoas singulares ou
coletivas, que não tem por fim o lucro económico dos seus associados. Regra
geral, as associações são entidades privadas, no entanto, em certos casos, a lei
pode criar ou reconhecer uma associação com o objetivo de assegurar a
prossecução de determinados interesses coletivos, podendo mesmo atribuir-lhe
para o efeito um conjunto de poderes públicos.
Para melhor
compreensão desta entidade, torna-se imprescindível a análise do tipo de
atividade administrativa que realiza. À luz da CRP (artigo 199º, alínea d),
existem três tipos de administração: a direta, a indireta e a autónoma.
A administração estadual
direta é aquela que se desenvolve por serviços integrados na pessoa coletiva do
Estado. Este tipo de atividade pressupõe a prossecução das atribuições da
pessoa coletiva a que chamamos Estado sob direção do Governo e na sua
dependência hierárquica. Por outras palavras, sem autonomia cedida.
Por sua vez, a
administração estadual indireta é desenvolvida para realização dos fins e
atribuições do Estado mas é exercida por outras pessoas coletivas públicas
distintas deste. No fundo, o Estado confia a outros sujeitos de Direito a
prossecução dos seus fins, procedendo, para tal, a uma devolução de poderes. Apesar de deterem um certo grau
de autonomia, estas pessoas coletivas ficam, naturalmente, sujeitas aos poderes
de superintendência e tutela do governo (artigo 199º, alínea d) da CRP).
Finalmente, a
administração autónoma do Estado é, nas palavras do Professor Diogo Freitas do
Amaral, aquela que “prossegue interesses
públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma,
definindo com independência a orientação das suas atividades, sem sujeição à
superintendência do Governo”. Opõe-se, deste modo, à administração indireta
que prossegue atribuições alheias. O único poder a que se encontra sujeita a
administração autónoma é à tutela do Governo (artigos 199º, alínea d); 229º/4 e
242º da CRP).
A questão de
saber em qual destas administrações se insere a associação pública gera alguma
divergência na doutrina. Alguns autores defendem que a Associação Pública é um
modo de administração indireta, como é o caso do Professor Rogério E. Soares.
Segundo estes autores as associações públicas criadas pelo Poder pertencem à
administração indireta do Estado.
Outros autores,
como é o caso de Diogo Freitas do Amaral, Gomes Canotilho, Vital Moreira, Jorge
Miranda, Marcelo Rebelo de Sousa e João Caupers, defendem a teste segundo a
qual a associação pública é um modo de administração autónoma.
É também esta a
tese que acolho por considerar, em primeiro lugar, que o que está em causa nas
Associações públicas é a prossecução de interesses públicos próprios dos
associados, ainda que, coincidentes com os interesses e fins públicos do
Estado.
Em segundo
lugar, por considerar, tal como o Professor Diogo Freitas do Amaral, que quando
se cria ou reconhece de associações públicas se está a optar por lhes atribuir
um amplo grau de autonomia, renunciando-se ao poder de orientação e
superintendência e reservando apenas um poder de fiscalização ou tutela
administrativa. Contrariamente com o que acontece na administração indireta, em
que, apesar de se confiarem interesses do Estado a outras pessoas coletivas,
não se lhes reconhece autonomia tal ao ponto de se abdicar do poder de
orientação ou superintendência.
Espécies de associações públicas
As Associações
públicas caracterizam-se pela heterogeneidade. Existem associações públicas
entre particulares, associações públicas entre entes públicos e associações
públicas mistas.
As associações
públicas de entidades públicas ou os consórcios públicos são a categoria
menos controversa. As áreas metropolitanas, as comunidades intermunicipais e as
associações de municípios e de freguesias (artigos 247º e 253º da CRP) são
alguns exemplos de consórcios públicos.
As associações
públicas entre particulares são a categoria mais importante das associações
públicas. As ordens e câmaras profissionais são os exemplos típicos, porém,
existem outros: a Academia de Ciências de Lisboa, a Academia Portuguesa de
História, a Academia Internacional de Cultura Portuguesa, entre outras.
A lei que a cria
ou reconhece qualquer associação pública entre privados transfere para ela a
prossecução de um interesse público coincidente com os interesses particulares
dos seus associados. Isto significa que a lei admite que esse interesse público
específico será melhor prosseguido pelos particulares interessados, em regime
de associação e sob a direção de órgãos por si eleitos, do que por um serviço
integrado no Estado.
Em Portugal, tal
como na Itália, na Alemanha e na Espanha, a opção no campo da regulação do
exercício de uma determinada atividade profissional tem sido esta: a de
reconhecer associações públicas.
Segundo o
Professor Diogo Freitas do Amaral, as ordens e câmaras profissionais “são associações públicas formadas pelos
membros de certas profissões de interesse público com o fim de, por devolução
de poderes do Estado, regular e disciplinar o exercício da respetiva atividade
profissional” (artigo 2º da LAPP).
Estas
associações têm como funções: representar a profissão face ao exterior; apoiar
os seus membros; regular o acesso e o exercício da profissão e desempenhar
funções administrativas acessórias ou instrumentais que poderão ir da aplicação
de sanções disciplinares à expulsão da ordem e, consequentemente, à interdição
do exercício da profissão.
A associação
pública profissional é caracterizada pela unicidade; filiação (ou inscrição) e
quotização obrigatórias; autoadministração e poder disciplinar.
A característica
da unicidade impede a existência de outras associações públicas com os mesmos
objetivos mas não inviabiliza o surgimento de associações privadas paralelas ou
de outras associações públicas com diferente âmbito territorial.
A unicidade e a
filiação obrigatória acarretam como consequência uma restrição à liberdade de
associação (consagrado no artigo 46º da CRP) e à liberdade de profissão
(consagrada no artigo 47º da CRP).
Comecemos pela
primeira. A liberdade positiva de associação, prevista no artigo 46º/1 da CRP,
e que se exprime no direito de constituir associação sem quaisquer
impedimentos, vê-se fortemente condicionada pelo princípio de unicidade das
ordens profissionais. Por sua vez, a liberdade negativa de associação, que
consiste na faculdade de não se fazer parte de uma determinada associação, fica
praticamente eliminada com a imposição da filiação obrigatória. A não inscrição
na ordem implica a consequência gravosa da impossibilidade de exercício da
profissão. Por outro lado, também não é permitido aos membros da ordem cancelar
a respetiva inscrição continuando a exercer a profissão.
Mas, para além
da liberdade de associação, também a liberdade de profissão é restringida, em
grande parte, pelas ordens. O artigo 47º/1 da CRP determina que todos têm o direito de escolher livremente a
profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo
interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade. Há uma restrição
a este princípio e também à liberdade de exercício da profissão na medida em
que, havendo um dever de inscrição como condição de exercício profissional, o
que significa que quem não se inscreve na ordem não pode exercer.
As associações
públicas profissionais regem-se pela LAPP (Lei nº 2/2013, de 10 de Janeiro),
que estabelece o se regime jurídico de criação, organização e funcionamento. Enquanto
associações públicas, as ordens profissionais estão ainda sujeitas as regras
constitucionais e legais gerais sobre a matéria.
Finalmente,
existem ainda as chamadas associações públicas de caráter misto que se
caracterizam pelo agrupamento entre entidades públicas e privadas. É o que
acontece, por exemplo, com as cinco Entidades Regionais de Turismo constituídas
pela lei nº 33/2013, de 16 de Maio.
Regime legal e constitucional das Associações púbicas entre entidades privadas
Perante
a existência das Associações Públicas entre entidades privadas assistimos a uma
dualidade de regimes provenientes de dois ramos de Direito diferentes. Tal
como refere o Professor Vital Moreira, o regime a que estas entidades estão
sujeitas é um regime híbrido ou misto, que reflete a sua natureza. É como se
para determinados efeitos se considerassem sujeitos de Direito privado, e para
outros, sujeitos de Direito público. Aquilo que provoca confusão é a não
coincidência entre a natureza jurídica das associações (púbica) e a natureza do
seu substrato (privada).
O
Professor frisa como a “atividade administrativa de Direito privado é uma
realidade corrente e crescente”. Em função disto, tem sido verificada uma fuga
do Direito Administrativo para o Direito privado. Porém, essa fuga não poderá
ter como efeito um escape às garantias constitucionais.
É importante
assentar que o regime aplicável às associações públicas entre entidades
privadas será variável conforme as circunstâncias e o tipo de entidade em
questão.
As
associações públicas respeitam as regras contidas nos artigos 165º/1, alínea
s); 267º/1 e 267º/4 da CRP. A primeira norma integra-as na competência relativa
da Assembleia da República. A segunda considera-as forma de desburocratização,
aproximação da Administração pública das populações e participação dos interessados
na gestão daquela. A terceira determina que só possam ser constituídas para a
satisfação de necessidades específicas, não podendo exercer funções próprias
das associações sindicais; e que tenham uma organização interna fundada no
respeito pelos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus
órgãos.
Estas
entidades estão ainda sujeitas a outras normas e princípios constitucionais,
tais como: o princípio segundo o qual a validade de todos os poderes políticos
depende da sua conformidade com a CRP (artigo 3º/3); a regra de vinculação das
entidades públicas ao regime de direitos, liberdades e garantias (artigo
18º/1); a todos os princípios sobre a atividade administrativa (artigo 266º),
entre muitos outros.
Conclusão
Em
suma, tem-se verificado um crescente peso das Associações públicas no seio da
Administração que está ligado à necessidade de diversificar as formas de
organização e meios de atuação da Administração pública, mas também, com uma
tendência neocorporativista que se desenvolveu desde muito cedo em Portugal.
Na
perspetiva do Professor João Caupers, as associações públicas constituem um
fenómeno de diferenciação, ou seja, de fazer corresponder a cada interesse
coletivo uma organização especificamente destinada a prossegui-lo.
Bibliografia
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito
Administrativo I, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 2015;
MOREIRA, Vital, Administração Autónoma e Associações
Públicas, Coimbra Editora, 2003;
Catarina
Louro, aluna nº 57110, Subturma 10, Turma B
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