sexta-feira, 3 de novembro de 2017


A inserção das Associações públicas na Administração Públia (Autónoma)


É evidente que o Estado é a principal entidade que integra a Administração, mas não é a única. Contrariamente àquilo que possa ser a opinião comum ou leiga, existem muitas outras entidades que pertencem à Administração Pública enquanto sistema de órgãos, serviços e agentes que em nome da coletividade asseguram a satisfação das necessidades coletivas. Os municípios, as freguesias, as regiões autónomas, as universidades, os institutos públicos, as empresas públicas e, designadamente, as associações públicas são algumas das pessoas coletivas que exercem atividade administrativa pública e que não integram o Estado. A relevância destas entidades no plano da Administração Pública tem, aliás, vindo a acentuar-se cada vez mais em homenagem ao princípio da descentralização.

Enquanto objeto de estudo, vamos focar-nos na figura da Associação Pública como uma das entidades que integra a Administração.

A associação aparece definida do Código Civil (artigos 157º e 167º) como uma pessoa coletiva, constituída pelo agrupamento de várias pessoas singulares ou coletivas, que não tem por fim o lucro económico dos seus associados. Regra geral, as associações são entidades privadas, no entanto, em certos casos, a lei pode criar ou reconhecer uma associação com o objetivo de assegurar a prossecução de determinados interesses coletivos, podendo mesmo atribuir-lhe para o efeito um conjunto de poderes públicos.

Para melhor compreensão desta entidade, torna-se imprescindível a análise do tipo de atividade administrativa que realiza. À luz da CRP (artigo 199º, alínea d), existem três tipos de administração: a direta, a indireta e a autónoma.

A administração estadual direta é aquela que se desenvolve por serviços integrados na pessoa coletiva do Estado. Este tipo de atividade pressupõe a prossecução das atribuições da pessoa coletiva a que chamamos Estado sob direção do Governo e na sua dependência hierárquica. Por outras palavras, sem autonomia cedida.

Por sua vez, a administração estadual indireta é desenvolvida para realização dos fins e atribuições do Estado mas é exercida por outras pessoas coletivas públicas distintas deste. No fundo, o Estado confia a outros sujeitos de Direito a prossecução dos seus fins, procedendo, para tal, a uma devolução de poderes. Apesar de deterem um certo grau de autonomia, estas pessoas coletivas ficam, naturalmente, sujeitas aos poderes de superintendência e tutela do governo (artigo 199º, alínea d) da CRP).
Finalmente, a administração autónoma do Estado é, nas palavras do Professor Diogo Freitas do Amaral, aquela que “prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas atividades, sem sujeição à superintendência do Governo”. Opõe-se, deste modo, à administração indireta que prossegue atribuições alheias. O único poder a que se encontra sujeita a administração autónoma é à tutela do Governo (artigos 199º, alínea d); 229º/4 e 242º da CRP). 
A questão de saber em qual destas administrações se insere a associação pública gera alguma divergência na doutrina. Alguns autores defendem que a Associação Pública é um modo de administração indireta, como é o caso do Professor Rogério E. Soares. Segundo estes autores as associações públicas criadas pelo Poder pertencem à administração indireta do Estado. 
Outros autores, como é o caso de Diogo Freitas do Amaral, Gomes Canotilho, Vital Moreira, Jorge Miranda, Marcelo Rebelo de Sousa e João Caupers, defendem a teste segundo a qual a associação pública é um modo de administração autónoma. 
É também esta a tese que acolho por considerar, em primeiro lugar, que o que está em causa nas Associações públicas é a prossecução de interesses públicos próprios dos associados, ainda que, coincidentes com os interesses e fins públicos do Estado. 
Em segundo lugar, por considerar, tal como o Professor Diogo Freitas do Amaral, que quando se cria ou reconhece de associações públicas se está a optar por lhes atribuir um amplo grau de autonomia, renunciando-se ao poder de orientação e superintendência e reservando apenas um poder de fiscalização ou tutela administrativa. Contrariamente com o que acontece na administração indireta, em que, apesar de se confiarem interesses do Estado a outras pessoas coletivas, não se lhes reconhece autonomia tal ao ponto de se abdicar do poder de orientação ou superintendência.
Espécies de associações públicas
As Associações públicas caracterizam-se pela heterogeneidade. Existem associações públicas entre particulares, associações públicas entre entes públicos e associações públicas mistas. 
As associações públicas de entidades públicas ou os consórcios públicos são a categoria menos controversa. As áreas metropolitanas, as comunidades intermunicipais e as associações de municípios e de freguesias (artigos 247º e 253º da CRP) são alguns exemplos de consórcios públicos. 
As associações públicas entre particulares são a categoria mais importante das associações públicas. As ordens e câmaras profissionais são os exemplos típicos, porém, existem outros: a Academia de Ciências de Lisboa, a Academia Portuguesa de História, a Academia Internacional de Cultura Portuguesa, entre outras.
A lei que a cria ou reconhece qualquer associação pública entre privados transfere para ela a prossecução de um interesse público coincidente com os interesses particulares dos seus associados. Isto significa que a lei admite que esse interesse público específico será melhor prosseguido pelos particulares interessados, em regime de associação e sob a direção de órgãos por si eleitos, do que por um serviço integrado no Estado. 
Em Portugal, tal como na Itália, na Alemanha e na Espanha, a opção no campo da regulação do exercício de uma determinada atividade profissional tem sido esta: a de reconhecer associações públicas. 
Segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, as ordens e câmaras profissionais “são associações públicas formadas pelos membros de certas profissões de interesse público com o fim de, por devolução de poderes do Estado, regular e disciplinar o exercício da respetiva atividade profissional” (artigo 2º da LAPP). 
Estas associações têm como funções: representar a profissão face ao exterior; apoiar os seus membros; regular o acesso e o exercício da profissão e desempenhar funções administrativas acessórias ou instrumentais que poderão ir da aplicação de sanções disciplinares à expulsão da ordem e, consequentemente, à interdição do exercício da profissão.
A associação pública profissional é caracterizada pela unicidade; filiação (ou inscrição) e quotização obrigatórias; autoadministração e poder disciplinar. 
A característica da unicidade impede a existência de outras associações públicas com os mesmos objetivos mas não inviabiliza o surgimento de associações privadas paralelas ou de outras associações públicas com diferente âmbito territorial. 
A unicidade e a filiação obrigatória acarretam como consequência uma restrição à liberdade de associação (consagrado no artigo 46º da CRP) e à liberdade de profissão (consagrada no artigo 47º da CRP).  
Comecemos pela primeira. A liberdade positiva de associação, prevista no artigo 46º/1 da CRP, e que se exprime no direito de constituir associação sem quaisquer impedimentos, vê-se fortemente condicionada pelo princípio de unicidade das ordens profissionais. Por sua vez, a liberdade negativa de associação, que consiste na faculdade de não se fazer parte de uma determinada associação, fica praticamente eliminada com a imposição da filiação obrigatória. A não inscrição na ordem implica a consequência gravosa da impossibilidade de exercício da profissão. Por outro lado, também não é permitido aos membros da ordem cancelar a respetiva inscrição continuando a exercer a profissão. 
Mas, para além da liberdade de associação, também a liberdade de profissão é restringida, em grande parte, pelas ordens. O artigo 47º/1 da CRP determina que todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade. Há uma restrição a este princípio e também à liberdade de exercício da profissão na medida em que, havendo um dever de inscrição como condição de exercício profissional, o que significa que quem não se inscreve na ordem não pode exercer.
As associações públicas profissionais regem-se pela LAPP (Lei nº 2/2013, de 10 de Janeiro), que estabelece o se regime jurídico de criação, organização e funcionamento. Enquanto associações públicas, as ordens profissionais estão ainda sujeitas as regras constitucionais e legais gerais sobre a matéria.
Finalmente, existem ainda as chamadas associações públicas de caráter misto que se caracterizam pelo agrupamento entre entidades públicas e privadas. É o que acontece, por exemplo, com as cinco Entidades Regionais de Turismo constituídas pela lei nº 33/2013, de 16 de Maio.

Regime legal e constitucional das Associações púbicas entre entidades privadas
Perante a existência das Associações Públicas entre entidades privadas assistimos a uma dualidade de regimes provenientes de dois ramos de Direito diferentes. Tal como refere o Professor Vital Moreira, o regime a que estas entidades estão sujeitas é um regime híbrido ou misto, que reflete a sua natureza. É como se para determinados efeitos se considerassem sujeitos de Direito privado, e para outros, sujeitos de Direito público. Aquilo que provoca confusão é a não coincidência entre a natureza jurídica das associações (púbica) e a natureza do seu substrato (privada). 
O Professor frisa como a “atividade administrativa de Direito privado é uma realidade corrente e crescente”. Em função disto, tem sido verificada uma fuga do Direito Administrativo para o Direito privado. Porém, essa fuga não poderá ter como efeito um escape às garantias constitucionais.
É importante assentar que o regime aplicável às associações públicas entre entidades privadas será variável conforme as circunstâncias e o tipo de entidade em questão.
As associações públicas respeitam as regras contidas nos artigos 165º/1, alínea s); 267º/1 e 267º/4 da CRP. A primeira norma integra-as na competência relativa da Assembleia da República. A segunda considera-as forma de desburocratização, aproximação da Administração pública das populações e participação dos interessados na gestão daquela. A terceira determina que só possam ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podendo exercer funções próprias das associações sindicais; e que tenham uma organização interna fundada no respeito pelos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos. 
Estas entidades estão ainda sujeitas a outras normas e princípios constitucionais, tais como: o princípio segundo o qual a validade de todos os poderes políticos depende da sua conformidade com a CRP (artigo 3º/3); a regra de vinculação das entidades públicas ao regime de direitos, liberdades e garantias (artigo 18º/1); a todos os princípios sobre a atividade administrativa (artigo 266º), entre muitos outros.

Conclusão
Em suma, tem-se verificado um crescente peso das Associações públicas no seio da Administração que está ligado à necessidade de diversificar as formas de organização e meios de atuação da Administração pública, mas também, com uma tendência neocorporativista que se desenvolveu desde muito cedo em Portugal. 
Na perspetiva do Professor João Caupers, as associações públicas constituem um fenómeno de diferenciação, ou seja, de fazer corresponder a cada interesse coletivo uma organização especificamente destinada a prossegui-lo.
Bibliografia 
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo I, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 2015;
MOREIRA, Vital, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 2003;
Catarina Louro, aluna nº 57110, Subturma 10, Turma B

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