Em Portugal, tanto as entidades públicas como as empresas públicas estão sujeitas a uma tutela administrativa. Contudo, face a entidades pertencentes à Administração Indirecta, por outras palavras, sujeitos detentores de autonomia que procuram alcançar os fins do Estado, não só existe uma actividade de controlo, mas também um exercício de orientação por parte de uma determinada pessoa colectiva pública. Tal justifica o facto de que uma das competências do Governo consiste em “...superintender na administração pública”, de acordo com o disposto no artigo 199º da Constituição da República Portuguesa. Esta competência está também prevista no artigo 42.º da Lei-quadro dos Institutos Públicos, n.º 3/2004, de 15 de Janeiro, relativamente aos membros do Governo.
Segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, a superintendência é designada como um poder atribuído ao Estado, ou a outra pessoa colectiva de fins múltiplos (prossegue variados encargos), concedendo-lhe a faculdade de transmitir direcções, realizar nomeações ou demissões, tutelar certos actos através da exigência de uma autorização, e definir objectivos a prosseguir por pessoas colectivas públicas, com fins singulares, das quais se destacam os institutos públicos e as empresas públicas, que estão dependentes desta entidade que outorga as orientações. De forma a realizar tal competência, a entidade em questão poderá dar directivas, que se traduzem em instruções que determinam os objectivos a alcançar, sem especificar os meios a que se poderá recorrer para tal, e emitir recomendações, ou seja, meros conselhos que não acarretam uma punição pelo não cumprimento.
Todavia, importa ratificar que esta noção de superintendência sofreu alterações com o passar dos anos, visto que, antes da revisão constitucional de 1982, era tradicionalmente concebida pelo Professor Marcello Caetano como “... a faculdade que o superior tem de rever e confirmar, modificar ou revogar, os actos administrativos praticados pelos subalternos.”. Por outras palavras, este poder, que continua a existir sob o nome de poder de supervisão, permitia a reformulação, e até mesmo, a anulação de actos jurídicos que fossem declarados como inconvenientes ou ilegais.
A Superintendência, a Hierarquia e a Tutela
Definido o conceito de superintendência, dever-se-à proceder às diferenças que esta possui quando comparada com a hierarquia ou a tutela.
l Em primeiro lugar, enquanto a superintendência é um fenómeno intersubjectivo, pois estabelece-se entre duas entidades públicas, a hierarquia, por sua vez, é um fenómeno inter-orgânico pelo facto de ocorrer internamente numa entidade pública.
l Em segundo lugar, o poder de direcção pertencente à hierarquia, produz ordens que originam um dever de obediência. Já a superintendência, emite recomendações ou directivas.
l Em terceiro lugar, e ao invés da superintendência que concede à entidade pública menor livre apreciação, a hierarquia estabelece uma relação entre subordinado e superior.
l Por Fim, e ao contrário da hierarquia, a superintendência obedece ao princípio da legalidade, o que significa que este poder não se presume e só poderá ser exercido de acordo com o estipulado na lei.
No que diz respeito à distinção entre a superintendência e a tutela Administrativa, por um lado, esta traduz-se na competência de controlar a gestão e o funcionamento de uma pessoa colectiva independente, através da sujeição à legalidade. Por outro lado, a superintendência fixa as metas e define a orientação da conduta de organismos dependentes à entidade que exerce este poder. Assim, nunca será permitido que o órgão que exerce a superintendência dê uma ordem directa relativamente a um caso concreto.
A Natureza Jurídica
Existem três teorias que abordam a temática da natureza jurídica da superintendência.
1. A superintendência como tutela reforçada
Esta teoria transmite a ideia de que os poderes exercidos pela entidade responsável pelos institutos e empresas públicas, como é o caso do Estado, são poderes de tutela. Contudo, estes são também compostos pelo poder de orientação, sendo esta a razão pela qual se entende que a Superintendência é uma modalidade mais forte da tutela administrativa.
Não obstante, o Professor Freitas do Amaral contra-argumenta relembrando que a tutela administrativa consiste num conjunto de poderes de controlo, tornando-se incompatível com a noção de um poder de orientação. Como já fora acima referido, orientar traduz-se na definição de objectivos, enquanto que controlar é o equivalente a fiscalizar e garantir o respeito e obediência a certas normas ou valores.
2. A superintendência como hierarquia enfraquecida
Esta teoria considera que, ao transmitir directivas e recomendações, o poder de orientação acaba por enfraquecer o poder de direcção, por outras palavras, a faculdade de emitir ordens e instruções. O Professor Freitas do Amaral também rejeita esta teoria. Porém, admite a sua aplicação nos casos de serviços públicos com autonomia mas sem personalidade jurídica, pois a Hierarquia, apesar de existir, seria enfraquecida, não pela Superintendência, mas pela autonomia.
Segundo o Professor, se esta teoria fosse verdadeira, o exercício dos poderes de superintendência não necessitariam de uma consagração legal expressa. Desta forma, a teoria dos poderes implícitos seria suficiente para reconhecer à entidade superintendente todos os poderes próprios do superior hierárquico. Tal seria possível pois a teoria dos poderes implícitos determina que, quando a Constituição concede uma função a um certo órgão ou instituição, também está implicitamente a conferir-lhe os meios necessários para a efectivação desta actividade, que neste caso seria o poder de orientação. No entanto, a Constituição distingue faz questão de claramente distinguir a direcção sobre a Administração Directa e a Superintendência sobre a Administração Indirecta, como dispões a alínea d) do artigo 199º. Consequentemente, conclui-se que a Superintendência não se presume, visto que os poderes são aqueles que a lei conferir expressamente, nunca devendo ultrapassar os limites legalmente impostos.
3. A superintendência como poder de orientação:
Esta é a teoria defendida pelo Professor Freitas do Amaral, que define a Superintendência, não como uma categoria da Tutela ou da Hierarquia, mas antes como uma modalidade autónoma, diferente das restantes (sui generis) e com natureza própria, considerando que não se poderá associá-la ao poder de direcção ou ao poder de controlo.
Bibliografia
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OTERO, Paulo. Conceito e Fundamento Da Hierarquia Administrativa. Coimbra Editora, 1992.
CORREIA, J. M. Sérvulo. Noções De Direito Administrativo. Editora Danubio, LDA, 1982.
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AMARAL, Diogo Freitas do. Curso De Direito Administrativo. 4ª ed., vol. 1, Almedina, 2016.
CAETANO, Marcello. Do Poder Disciplinar: No Direito Administrativo Português. Imprensa Da Universidade, 1932.
Carolina Fernandes Duarte, Subturma 10, Nº 57006
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