quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Tutela Administrativa


 A figura da Tutela Administrativa está constitucionalmente consagrada no artigo 199º/d da CRP - “Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas: … exercer a tutela sobre esta (administração indireta) e sobre a administração autónoma.”.
Contudo, a sua caracterização e definição foi alvo de discussão pela doutrina.
Podemos, portanto, distinguir três grandes teses que visam constituir uma definição de tutela administrativa.
a)     Tese que aproxima a figura da tutela administrativa com a figura da hierarquia administrativa.
Esta posição foi defendida pelo Professor Marcelo Caetano caracterizando a tutela como uma hierarquia enfraquecida, imperfeita ou mitigada. O professor caracteriza a tutela como um exercício de coordenação de interesses entre duas entidades (a tutelar e a tutelada). Assim, os poderes de tutela surgem para substituir os poderes de hierarquia quando estes não podem existir, ou seja, perante entidades dotadas de autonomia.

b)    A tese que caracteriza a tutela administrativa como poder de intervenção na gestão da entidade tutelada
Esta posição foi considerada pelo Professor Pires de Lima, que considera a tutela como um poder de condicionar a atividade da entidade tutelada, com o “fim de coordenar os serviços descentralizados com os serviços nacionais” (no caso da tutela do Governo sobre as autarquias locais).

c)     A tutela como poder de controlo
A maioria da doutrina identifica a tutela como um poder de controlo, neste sentido se pronunciam o Professor Vasco Pereira da Silva, o Professor Freitas de Amaral, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o Professor Paulo Otero, e outros autores.

Atendendo à noção fornecida pelo Professor Freitas de Amaral, a tutela administrativa consiste no “conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública (Governo, órgão por excelência que exerce a função administrativa do Estado) na gestão de outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação”, e está constitucionalmente consagrada no artigo 199º/d da CRP.

Características:
Ü A tutela administrativa pressupõe a existência de duas entidades com personalidade jurídica própria e autónoma uma da outra: a pessoa coletiva tutelar; e a pessoa coletiva tutelada;
Ü A pessoa coletiva tutelar é necessariamente uma pessoa pública; a pessoa tutelada pode ser uma pessoa coletiva pública ou privada.
Ü Os poderes de tutela são de mera gestão da pessoa coletiva;
Ü O fim da tutela é assegurar que a entidade tutelada cumpra as leis em vigor (legalidade) e garantir que sejam adotadas soluções convenientes e oportunas para a prossecução do interesse público (mérito).

Diferenças que separam a tutela administrativa de outras figuras jurídicas:
1.     Tutela administrativa vs hierarquia
A hierarquia é um modelo de organização situado no interior de cada pessoa coletiva, enquanto que a tutela assenta na relação entre duas pessoas coletivas distintas.
Distinção dos poderes de ambas as figuras jurídicas: A hierarquia comporta três poderes, o poder de direção, o poder de supervisão e o poder disciplinar. Em oposição a tutela não embarga esses poderes. As entidades tuteladas são autónomas da entidade tutelar, e a lei declara mesmo que os órgãos são independentes (LAL, art. 44º).
2.     Tutela administrativa vs poderes dos órgãos de controlo jurisdicional da Administração Pública
A tutela administrativa é exercida por órgãos da própria Administração Pública, no âmbito da função administrativa. Enquanto que os órgãos de controlo jurisdicional da Administração Pública, como o Tribunal de Contas, exercem os seus poderes no âmbito da função jurisdicional.

3.     Tutela administrativa vs controlos internos da Administração
A distinção funde-se na ausência de duas pessoas coletivas, que é uma característica essencial da Tutela Administrativa.

A Tutela Administrativa distingue-se quanto ao fim e quanto ao conteúdo.
Quanto ao fim, a tutela administrativa separa-se em tutela de legalidade e tutela de mérito.
Ø A tutela de legalidade visa verificar se as decisões tomadas pela entidade tutelada estão conforme a lei ou não.
Ø A tutela de mérito visa avaliar se as decisões tomadas pela entidade tutelada são corretas ou incorretas do ponto de vista administrativo, financeiro, etc.
Esta distinção releva para definir os parâmetros da extensão de poderes da entidade tutelar sob a entidade tutelada. Nomeadamente, quanto à tutela do Governo sobre as autarquias locais a Constituição Portuguesa define que a tutela é de mera tutela de legalidade, não permitindo a tutela de mérito (artigo 242º/1).

Noutro plano, distingue-se a tutela administrativa quanto ao conteúdo, em cinco modalidades:
i.                    Tutela integrativa
ii.                  Tutela inspetiva
iii.               Tutela sancionaria
iv.                Tutela revogatória
v.                  Tutela substitutiva

Ø A tutela integrativa é aquela que consiste no poder de autorizar ou aprovar os atos da entidade tutelada.
Assim, a tutela integrativa verifica-se em dois momentos diferentes:
A tutela integrativa que consiste em autorizar a prática de atos realiza-se à priori, isto é, antes da entidade tutelada praticar o ato tem de obter a devida autorização da entidade tutelar.
A tutela integrativa que consiste em aprovar a prática de atos realiza-se à posteriori, isto é, a entidade tutelar pode praticar primeiro o ato, mas depois necessita da aprovação da entidade tutelar para que o ato seja executado. Portanto, a entidade tutelar tem competência para aprovar o ato ou recusar a aprovação do ato.
As duas submodalidades da tutela integrativa têm consequências jurídicas diferentes. A exigência de autorização é uma condição de validade, pelo que a sua ausência gera invalidade ao ato praticado. A exigência de aprovação é uma condição de existência, logo a sua ausência de inexistência ao ato praticado.
A autorização e a aprovação podem ser tácitas ou expressas; totais ou parciais; e puras, condicionais ou a termo.
Todavia, a entidade tutelar não tem competência para modificar o ato sujeito a autorização ou aprovação, pois a entidade tutelar não tem poder de substituição na tutela integrativa. Isto é, fazer-se substituir pela entidade tutelada e modificar o conteúdo do ato.

Ø A tutela inspetiva consiste no “poder de fiscalização da organização e funcionamento da entidade tutelada.”
Ø A tutela sancionatória consiste no “poder de aplicar sansões por irregularidades que tenham sido detetadas na entidade tutelada, no exercício do poder de fiscalização.”
Ø A tutela revogatória é o “poder de revogar os atos administrativos praticados pela entidade tutelada.”
Ø A tutela substitutiva é o “poder de suprir as omissões da entidade tutelada, praticando, em vez dela e por conta dela, os atos que forem legalmente devidos.”

Regime jurídico da tutela administrativa
Em primeiro lugar, atendendo ao princípio da legalidade que regula toda a Administração Pública, a tutela administrativa não se presume, só existe quando a lei expressamente a prevê, e nas modalidades determinadas por lei, conforme previsto no artigo 267º/2 da CRP.
Em segundo lugar, a entidade tutelada tem legitimidade para impugnar os atos pelos quais a entidade tutelar exerça os seus poderes de tutela. Isto significa que, se a entidade tutelar exercer um poder de tutela que prejudique a entidade tutelada, tem a última o direito de impugnar esses atos junto dos tribunais administrativos (artigo 55º/1/c do CPTA).

Análise concreta da tutela administrativa na Administração Indireta e na Administração Autónoma:
Administração Indireta é constituída por uma série de pessoas coletivas autónomas do Estado, mas que prosseguem fins do Estado. Deste modo, são entidades criadas pelo Estado, que se constituem fora da estrutura do Estado, e por isso o Estado não exerce poderes de hierarquia, mas de tutela. Desta unidade administrativa identificamos institutos públicos e entidades públicas empresariais. 
No caso da Administração Indireta, existe uma coordenação de interesses, pois estas entidades prosseguem os mesmos fins, pelo que a tutela administrativa neste caso aplica-se quanto a ambos os fins: tutela de legalidade e tutela de mérito. Neste sentido se posiciona o Professor regente Vasco Pereira da Silva.
Administração Autónoma incorpora entidades com personalidade jurídica própria autónoma do Estado, que prosseguem fins próprios. Contudo, por prosseguirem interesses públicos, o legislador decidiu atribuir-lhes personalidade de Direito Público. Desta unidade administrativa destacam-se as seguintes entidades: as Autarquias Locais, os Municípios, as Freguesias e as Regiões Autónomas.
No caso da Administração Autónoma, os interesses destas pessoas coletivas são próprios, independentes dos interesses do Estado, podendo até colidir. Por conseguinte, o controlo exercido sobre estas entidades, nomeadamente sob as autarquias locais, é de mera legalidade, conforme consagrado no artigo 242º/1 da CRP. Neste sentido mais uma vez, se pronuncia o Professor regente Vasco Pereira da Silva.  



Bibliografia:
BAPTISTA MACHADO, João, “Participação e descentralização”, Coimbra, 1982, pp. 10-27.
FOLQUE, André, “A Tutela Administrativa nas Relações entre o Governo e os Municípios”, Coimbra, 2004, pp. 256-335.
FREITAS DE AMARAL, Diogo, “Curso de Direito Administrativo”, Volume I, Almedina, 2015, pp. 729-740.
Texto de apoio: Apontamentos das aulas teóricas lecionadas pelo Professor Vasco Pereira da Silva. 


Miriam Ferreira,
nº56712

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