A figura da Tutela Administrativa está
constitucionalmente consagrada no artigo 199º/d da CRP - “Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas: … exercer
a tutela sobre esta (administração indireta) e sobre a administração autónoma.”.
Contudo, a
sua caracterização e definição foi alvo de discussão pela doutrina.
Podemos, portanto,
distinguir três grandes teses que visam constituir uma definição de tutela
administrativa.
a)
Tese que aproxima a figura da tutela
administrativa com a figura da hierarquia administrativa.
Esta posição foi defendida pelo Professor Marcelo Caetano caracterizando
a tutela como uma hierarquia enfraquecida, imperfeita ou mitigada. O professor
caracteriza a tutela como um exercício de coordenação de interesses entre duas
entidades (a tutelar e a tutelada). Assim, os poderes de tutela surgem para
substituir os poderes de hierarquia quando estes não podem existir, ou seja,
perante entidades dotadas de autonomia.
b)
A tese que caracteriza a tutela
administrativa como poder de intervenção na gestão da entidade tutelada
Esta posição foi considerada pelo Professor Pires de Lima, que considera
a tutela como um poder de condicionar a atividade da entidade tutelada, com o
“fim de coordenar os serviços descentralizados com os serviços nacionais” (no
caso da tutela do Governo sobre as autarquias locais).
c)
A tutela como poder de controlo
A maioria da doutrina identifica a tutela como um poder de controlo,
neste sentido se pronunciam o Professor Vasco Pereira da Silva, o Professor Freitas
de Amaral, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o Professor Paulo Otero, e
outros autores.
Atendendo à
noção fornecida pelo Professor Freitas de Amaral, a tutela administrativa consiste
no “conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública (Governo,
órgão por excelência que exerce a função administrativa do Estado) na gestão de
outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua
atuação”, e está constitucionalmente consagrada no artigo 199º/d da CRP.
Características:
Ü A tutela administrativa pressupõe a
existência de duas entidades com personalidade jurídica própria e autónoma uma
da outra: a pessoa coletiva tutelar; e a pessoa coletiva tutelada;
Ü A pessoa coletiva tutelar é
necessariamente uma pessoa pública; a pessoa tutelada pode ser uma pessoa
coletiva pública ou privada.
Ü Os poderes de tutela são de mera
gestão da pessoa coletiva;
Ü O fim da tutela é assegurar que a
entidade tutelada cumpra as leis em vigor (legalidade) e garantir que sejam
adotadas soluções convenientes e oportunas para a prossecução do interesse
público (mérito).
Diferenças que separam a tutela
administrativa de outras figuras jurídicas:
1. Tutela administrativa vs hierarquia
A hierarquia é um modelo de organização situado no interior de cada
pessoa coletiva, enquanto que a tutela assenta na relação entre duas pessoas
coletivas distintas.
Distinção dos poderes de ambas as figuras jurídicas: A hierarquia
comporta três poderes, o poder de direção, o poder de supervisão e o poder
disciplinar. Em oposição a tutela não embarga esses poderes. As entidades
tuteladas são autónomas da entidade tutelar, e a lei declara mesmo que os
órgãos são independentes (LAL, art. 44º).
2. Tutela administrativa vs poderes dos
órgãos de controlo jurisdicional da Administração Pública
A tutela administrativa é exercida por órgãos da própria Administração
Pública, no âmbito da função administrativa. Enquanto que os órgãos de controlo
jurisdicional da Administração Pública, como o Tribunal de Contas, exercem os
seus poderes no âmbito da função jurisdicional.
3. Tutela administrativa vs controlos
internos da Administração
A distinção funde-se na ausência de duas pessoas coletivas, que é uma
característica essencial da Tutela Administrativa.
A Tutela
Administrativa distingue-se quanto ao
fim e quanto ao conteúdo.
Quanto ao
fim, a tutela administrativa separa-se em tutela de legalidade e tutela de
mérito.
Ø A tutela de legalidade visa
verificar se as decisões tomadas pela entidade tutelada estão conforme a lei ou
não.
Ø A tutela de mérito visa avaliar
se as decisões tomadas pela entidade tutelada são corretas ou incorretas do
ponto de vista administrativo, financeiro, etc.
Esta distinção
releva para definir os parâmetros da extensão de poderes da entidade tutelar
sob a entidade tutelada. Nomeadamente, quanto à tutela do Governo sobre as
autarquias locais a Constituição Portuguesa define que a tutela é de mera
tutela de legalidade, não permitindo a tutela de mérito (artigo 242º/1).
Noutro
plano, distingue-se a tutela administrativa quanto ao conteúdo, em cinco
modalidades:
i.
Tutela
integrativa
ii.
Tutela
inspetiva
iii.
Tutela
sancionaria
iv.
Tutela
revogatória
v.
Tutela
substitutiva
Ø A tutela integrativa é aquela que consiste no poder de autorizar ou
aprovar os atos da entidade tutelada.
Assim, a
tutela integrativa verifica-se em dois momentos diferentes:
A tutela
integrativa que consiste em autorizar a prática de atos realiza-se à priori,
isto é, antes da entidade tutelada praticar o ato tem de obter a devida
autorização da entidade tutelar.
A tutela
integrativa que consiste em aprovar a prática de atos realiza-se à posteriori,
isto é, a entidade tutelar pode praticar primeiro o ato, mas depois necessita
da aprovação da entidade tutelar para que o ato seja executado. Portanto, a
entidade tutelar tem competência para aprovar o ato ou recusar a aprovação do
ato.
As duas submodalidades
da tutela integrativa têm consequências jurídicas diferentes. A exigência de
autorização é uma condição de validade, pelo que a sua ausência gera invalidade
ao ato praticado. A exigência de aprovação é uma condição de existência, logo a
sua ausência de inexistência ao ato praticado.
A
autorização e a aprovação podem ser tácitas ou expressas; totais ou parciais; e
puras, condicionais ou a termo.
Todavia, a
entidade tutelar não tem competência para modificar o ato sujeito a autorização
ou aprovação, pois a entidade tutelar não tem poder de substituição na tutela
integrativa. Isto é, fazer-se substituir pela entidade tutelada e modificar o
conteúdo do ato.
Ø A tutela inspetiva consiste no “poder de fiscalização da organização
e funcionamento da entidade tutelada.”
Ø A tutela sancionatória consiste no “poder de aplicar sansões por
irregularidades que tenham sido detetadas na entidade tutelada, no exercício do
poder de fiscalização.”
Ø A tutela revogatória é o “poder de revogar os atos administrativos
praticados pela entidade tutelada.”
Ø A tutela substitutiva é o “poder de suprir as omissões da entidade
tutelada, praticando, em vez dela e por conta dela, os atos que forem
legalmente devidos.”
Regime jurídico da tutela administrativa
Em primeiro
lugar, atendendo ao princípio da legalidade que regula toda a Administração
Pública, a tutela administrativa não se presume, só existe quando a lei
expressamente a prevê, e nas modalidades determinadas por lei, conforme
previsto no artigo 267º/2 da CRP.
Em segundo
lugar, a entidade tutelada tem legitimidade para impugnar os atos pelos quais a
entidade tutelar exerça os seus poderes de tutela. Isto significa que, se a
entidade tutelar exercer um poder de tutela que prejudique a entidade tutelada,
tem a última o direito de impugnar esses atos junto dos tribunais
administrativos (artigo 55º/1/c do CPTA).
Análise concreta da tutela
administrativa na Administração Indireta e na Administração Autónoma:
Administração
Indireta é constituída por uma série de pessoas coletivas autónomas do Estado,
mas que prosseguem fins do Estado. Deste modo, são entidades criadas pelo
Estado, que se constituem fora da estrutura do Estado, e por isso o Estado não
exerce poderes de hierarquia, mas de tutela. Desta unidade administrativa
identificamos institutos públicos e entidades públicas empresariais.
No caso da
Administração Indireta, existe uma coordenação de interesses, pois estas
entidades prosseguem os mesmos fins, pelo que a tutela administrativa neste
caso aplica-se quanto a ambos os fins: tutela de legalidade e tutela de mérito.
Neste sentido se posiciona o Professor regente Vasco Pereira da Silva.
Administração
Autónoma incorpora entidades com personalidade jurídica própria autónoma do
Estado, que prosseguem fins próprios. Contudo, por prosseguirem interesses
públicos, o legislador decidiu atribuir-lhes personalidade de Direito Público.
Desta unidade administrativa destacam-se as seguintes entidades: as Autarquias
Locais, os Municípios, as Freguesias e as Regiões Autónomas.
No caso da
Administração Autónoma, os interesses destas pessoas coletivas são próprios,
independentes dos interesses do Estado, podendo até colidir. Por conseguinte, o
controlo exercido sobre estas entidades, nomeadamente sob as autarquias locais,
é de mera legalidade, conforme consagrado no artigo 242º/1 da CRP. Neste
sentido mais uma vez, se pronuncia o Professor regente Vasco Pereira da Silva.
Bibliografia:
FOLQUE,
André, “A Tutela Administrativa nas Relações entre o Governo e os Municípios”,
Coimbra, 2004, pp. 256-335.
FREITAS DE
AMARAL, Diogo, “Curso de Direito Administrativo”, Volume I, Almedina, 2015,
pp. 729-740.
Texto de
apoio: Apontamentos das aulas teóricas lecionadas pelo Professor Vasco Pereira
da Silva.
Miriam Ferreira,
nº56712
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