quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Delegação de Poderes


 A delegação de poderes insere-se na matéria da organização administrativa, podendo ser enquadrada na modalidade da desconcentração derivada, de acordo com a posição de Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos. Importa então esclarecer que a desconcentração derivada requer permissão legal expressa e apenas se efectiva mediante um acto específico praticado para o efeito do superior.
  Sendo uma matéria de elevado conteúdo, torna-se impossível aprofundar todas as especificidades que constituem a delegação de poderes, contudo, tentarei explicar o máximo possível sem que se torne volumoso.
  A delegação acontece se a lei atribui a um determinado órgão a competência normal para a prática de determinados actos, permitindo, porém, que esse órgão delegue noutro uma parte dessa competência. A isto corresponderá a delegação de poderes, cuja explicação consta no artigo 44.º/1 do Código do Procedimento Administrativo.
Artigo 44.º CPA
Delegação de poderes

1 - Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre a mesma matéria. 
 Assim, Freitas do Amaral define a delegação de poderes como o acto pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratiquem actos administrativos sobre a mesma matéria.
 De acordo com Freitas do Amaral, são três os requisitos que a ordem jurídica exige para que haja delegação de poderes:
1.  É necessária uma lei que preveja expressamente a faculdade de um órgão delegar poderes noutro: lei de habilitação.
  NOTA: A competência é irrenunciável e inalienável, só podendo haver delegação de poderes com base na lei: por isso, devemos atender ao artigo 111.º/2 da CRP que declara que “nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei”. O artigo 36.º do CPA acentua bem que os princípios de irrenunciabilidade e da inalienabilidade da competência não impedem a figura da delegação de poderes:
2.  É necessária a existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma pessoa colectiva pública, ou de dois órgãos de pessoas colectivas públicas distintas, dos quais um seja o órgão normalmente competente (o delegante) e outro, o órgão eventualmente competente (o delegado).
3.    É necessária a prática do acto de delegação propriamente dito, ou seja, o ato pelo qual o delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado, permitindo-se a prática de certos actos na matéria sobre a qual é normalmente competente.
Artigo 47.º CPA
Requisitos do ato de delegação

1 - No ato de delegação ou subdelegação, deve o órgão delegante ou subdelegante especificar os poderes que são delegados ou subdelegados ou os atos que o delegado ou subdelegado pode praticar, bem como mencionar a norma atributiva do poder delegado e aquela que habilita o órgão a delegar.
2 - Os atos de delegação ou subdelegação de poderes estão sujeitos a publicação, nos termos do artigo 159.º
 Existem certas figuras próximas da delegação de poderes, com as quais não a podemos confundir. Freitas do Amaral enlenca as seguintes como principais:
  •    Transferência legal de competências – Concretiza uma forma de desconcentração originária, decorrendo imediatamente da lei. É definitiva, até que uma lei disponha em sentido contrário.
  •    Concessão – Difere da delegação de poderes na medida em que tem por destinatário, em regra, uma entidade privada.
  •     Delegação de serviços públicos – Tem em vista transferir para entidades particulares, sem fins lucrativos, a gestão global de um serviço público de carácter social ou cultural.
  •     Representação – Os actos que o representante pratica são em nome do representado e reflectem-se na esfera jurídica deste.
  •     Substituição – A lei permite que uma entidade exerça poderes ou pratique actos que pertencem à esfera jurídica própria de uma entidade distinta, sendo que as consequências caem na esfera do substituído.
  •     Suplência – Quando um titular de um órgão administrativo não pode exercer um cargo e as suas funções são asseguradas por um suplente.
  •     Delegação de assinatura – A lei permite que certos órgãos da Administração incumbam um funcionário subalterno de assinar a correspondência expedida em nome daqueles.
  •     Delegação tácita – A lei determina que a competência de certo órgão seja delegada a outro e enquanto o primeiro nada disser, ela está de facto delegada.

Esta última figura é controversa na doutrina, pelo que há quem a considere uma espécie de delegação de poderes. Freitas do Amaral afirma que não a pudemos enquadrar na delegação de poderes propriamente dita visto que esta última integra-se na desconcentração derivada enquanto a delegação tácita é uma forma de desconcentração originária, isto é, o delegante não delega porque não existe a necessidade para tal.
 Freitas do Amaral reflecte sobre a distinção entre as espécies de habilitação para a prática da delegação de poderes e as espécies de delegações de poderes propriamente ditas.
 A habilitação pode ser genérica ou específica. O primeiro caso acontece quando a lei permite que certos órgãos deleguem, sempre que quiserem, alguns dos seus poderes em determinados outros órgãos. Deste modo, uma só lei de habilitação serve de fundamento a todo e qualquer acto de delegação praticado entre esses tipos de órgãos. Esta modalidade está exposta no artigo 44.º, números 3 e 4 do CPA.
Artigo 44.º
Delegação de poderes

3 - Mediante um ato de delegação de poderes, os órgãos competentes para decidir em determinada matéria podem sempre permitir que o seu imediato inferior hierárquico, adjunto ou substituto pratiquem atos de administração ordinária nessa matéria.
4 - O disposto no número anterior vale igualmente para a delegação de poderes dos órgãos colegiais nos respetivos presidentes, salvo havendo lei de habilitação específica que estabeleça uma particular repartição de competências entre os diversos órgãos.

 Estão aqui representados casos de (1) Delegação do superior no seu imediato inferior hierárquico; (2) Delegação do órgão principal no seu adjunto ou substituto; e (3) Delegação dos órgãos colegiais no seu presidente. Importa acrescentar que a lei impõe uma limitação importante na parte final do artigo 44.º/3 do CPA, sendo que, neste tipo de delegações, só podem ser delegados os poderes para atos de administração ordinária, por oposição aos atos de administração extraordinária que ficam sempre indelegáveis, salvo lei de habilitação específica.
 Administração Ordinária vs. Administração Extraordinária: A primeira consiste em todos os atos não definitivos, bem como os atos definitivos que sejam vinculados ou cuja discricionariedade não tenha significado ou alcance inovador na orientação geral da entidade pública a que pertence o órgão. O segundo traduz-se em orientações gerais nova ou no não seguimento das existentes.
 Espécies de delegação:
           Ampla ou restrita – Conforme o delegante resolva delegar uma grande parte dos seus poderes ou apenas uma pequena parcela dele. A lei exclui a hipótese de delegação total (artigo 45.º, alínea a) do CPA).
·         Específica ou genérica – Tratando-se de um acto isolado ou permitindo a prática de uma pluralidade de actos.
·       Delegação hierárquica – Delegação de poderes de um superior hierárquico num seu subalterno. Delegação não hierárquica – Delegação de poderes de um órgão administrativo noutro órgão ou agente que não dependa hierarquicamente do delegante.
 Podemos ainda distinguir delegação propriamente dita (de 1º grau) de subdelegação de poderes (pode ser uma delegação de 2º grau, de 3º, etc.).
 A delegação é genericamente regulada pelo Código de Procedimento Administrativo, desde o artigo 44.º até ao artigo 50.º.
 Os requisitos do acto de delegação em si encontram-se no artigo 47.º do CPA, a cima exposto. No número 1 do mesmo artigo, é possível encontrar o requisito da especificação dos poderes delegados, sendo este relativo ao conteúdo da própria delegação. Outro requisito estará relacionado com publicação, sendo que esta deve ser feita no Diário da República ou na publicação oficial da entidade pública, assim como no sítio institucional da Internet (artigo 47.º/2 e 159.º do CPA). Por fim, resta referir que a falta de algum dos requisitos exigidos por lei tornará o acto de delegação inválido.
 Relativamente aos poderes do delegante, importa esclarecer que uma vez conferida a delegação de poderes, o delegado adquire a possibilidade de exercer esses poderes para a prossecução do interesse público. Mas quais os poderes efetivos do delegante? #Questão Doutrinária
 MARCELLO CAETANO e ANDRÉ GONÇALVES sustentam que partir do ato de delegação, o delegante não perde nem os seus poderes nem a possibilidade de os exercer.
 FREITAS DO AMARAL discorda com a posição a cima mencionada, defendendo que não faz sentido, em termos de racionalidade da organização administrativa, que o delegante confira uma delegação de poderes ao delegado para continuar a poder exercer esses mesmos poderes como se não os tivesse delegado. Isto posto, afirma que o delegante tem a faculdade de avocação de casos concretos compreendidos no âmbito da delegação conferida (artigo 49.º/2 do CPA). Além do poder de avocação, o delegante tem ainda o poder de dar ordens, directivas ou instruções ao delegado, sobre o modo como deverão ser exercidos os poderes delegado (artigo 49.º/1). Deste modo, o delegante continua a ser o órgão “responsável pela totalidade da função”.
Artigo 49.º
Poderes do delegante ou subdelegante

1 - O órgão delegante ou subdelegante pode emitir diretivas ou instruções vinculativas para o delegado ou subdelegado sobre o modo como devem ser exercidos os poderes delegados ou subdelegados.
2 - O órgão delegante ou subdelegante tem o poder de avocar, bem como o de anular, revogar ou substituir o ato praticado pelo delegado ou subdelegado ao abrigo da delegação ou subdelegação.
 Quanto aos requisitos dos actos praticados pelo delegado: Estes devem obedecer aos requisitos genéricos exigidos por lei para os actos administrativos, bem como aos requisitos específicos do tipo legal de ato a praticar em cada caso. Por serem actos praticados por delegação têm de conter a menção expressa de que são praticados por delegação, identificando o órgão delegante (artigos 48.º/1 e 158.º/1/a) do CPA).
Artigo 48.º
Menção da qualidade de delegado ou subdelegado

1 - O órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação. 
 A natureza dos actos do delegado é algo problemático na doutrina e na jurisprudência, discutindo-se se os mesmos são definitivos (Freitas do Amaral recorre ao artigo 44.º/5 CPA para sustentar que sim).
 A extinção da delegação pode acontecer por anulação/revogação (quando o delegande põe termo à mesma) ou por caducidade (sempre que muda a pessoa do delegante ou do delegado).
 O regime jurídico da subdelegação está consagrado no artigo 46.º do CPA.
                A natureza jurídica da delegação é a base de uma grande questão doutrinária, sendo fundamentada por diversas teorias e conceções, das quais se destacam:
1)       Tese da Alienação – De acordo com esta a delegação de poderes é um acto de transmissão ou alienação de competência do delegante antes da delegação, passa por força desta, e com fundamento na lei de habilitação, para a esfera de competência do delegado.
2)       Tese de autorização – Defendida por André Gonçalves Pereira, perfilhada por Marcello Caetano e, inicialmente, defendida por Freitas do Amaral. Nesta conceção, a competência do delegante não é alienada ou transmitida para o delegado. O que se passa é que a lei de habilitação confere desde logo uma competência condicional ao delegado sobre as matérias em que permite a delegação. Antes da delegação, o delegado já é competente, pelo que o delegante simplesmente passa a permitir (autoriza) ao delegado a utilização dessas competências.
3)       Tese da Transferência – Defendida por Freitas do Amaral desde 1968 e perfilhada por Rogério Soares. A competência exercida pelo delegado com base na delegação de poderes não é uma competência própria, mas uma competência alheia. Logo, a delegação de poderes constitui uma transferência do delegante para o delegado, mas não uma transferência da titularidade dos poderes e sim uma transferência do exercício dos poderes.


 Diva Gonçalves | Nº 57106

Bibliografia:
- DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 2015.
- MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2ª Edição, Dom Quixote, 2006.

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