Antes de mais, numa nota introdutória, importa fazer uma breve menção à evolução histórica da Administração. Estamos então a falar do sistema administrativo tradicional, ou sistema administrativo da monarquia tradicional europeia. Uma das características deste sistema era a indiferenciação das funções administrativa e jurisdicional e, por consequência, inexistência de uma separação rigorosa entre os órgãos do poder executivo do poder judicial. O rei detém simultaneamente os papéis de supremo administrador e o supremo juíz, tendo a faculdade de exercer ambas as funções de administrativa e judicial. Outra característica é a da não subordinação da Administração Pública ao princípio da legalidade e, por resultado, insuficiência do sistema de garantias jurídicas dos particulares face à Administração. Ora, antes das grandes revoluções liberais não existia uma intensa subordinação da Administração Pública à lei, ou seja, significa que das duas uma: ou não haviam normas que regulassem a Administração Pública, ou então que essas normas nem sempre revestiam caráter jurídico. Estas normas não vinculavam o poder soberano, sendo que os particulares não possuíam o direito de se queixarem contra ofensas por parte da Administração aos seus direitos ou interesses legítimos estando impossibilitados de invocar normas de proteção para o efeito.
Após a Grande Revolução de Inglaterra e a Revolução Francesa, assistimos a uma alteração de paradigma. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão vem dizer que a sociedade que não consagra a separação de poderes, não possui constituição. Nesse âmbito, dividiu-se o poder do Rei em diversas funções que foram atribuídas a órgãos distintos, sendo que a função administrativa se passou a diferenciar da função jurisdicional. Temos, ao mesmo tempo, o fenómeno da proclamação dos direitos do homem como direitos naturais anteriores e superiores ao poder político, sendo que a Administração Pública passou a estar subordinada a normas jurídicas de caráter externo e obrigatórias para todos, pelo que os particulares passaram a ser titulares de direitos subjetivos ou perante a Administração. Temos, então, o surgimento do Estado de Direito.
No entanto, na implantação dos sistemas administrativos modernos verificam-se subdivisões pois a Administração Pública foi-se adaptando a cada país. Dentro desses sistemas iremos fazer menção ao de tipo britânico, francês e português.
Principiando com o sistema de tipo britânico, ou de administração judiciária, podemos referir-nos às seguintes características que este possui que são a separação de poderes, o Estado de Direito, a descentralização, a sujeição da Administração aos tribunais comuns, a subordinação da administração ao direito comum, a execução judicial das decisões administrativas e por fim, as garantias jurídicas dos administrados. Começando pela separação de poderes, o Rei foi impedido de resolver questões de natureza contenciosa e foi também proibido de emanar ordens aos juízes, transferi-los ou demiti-los. Quanto à existência de Estado de Direito, o Rei passou a estar subordinado ao direito, nomeadamente o direito consuetudinário, resultante da common law. Relativamente à Descentralização, podemos dizer que em Inglaterra já há muito se pratica a distinção entre a administração central e a administração local, porém a administração local possuía grande autonomia face à mínima intervenção da administração central, sendo que se considera que as autarquias locais atuavam como governos locais. No que diz respeito à Sujeição da Administração aos tribunais comuns, a Administração passa a estar subordinada ao controle jurisdicional dos tribunais comuns, ou seja, os litígios que surgiam entre a Administração e os particulares, são da competência dos tribunais comuns e não qualquer tribunal especial. No que se refere à Subordinação da Administração ao direito comum, falamos aqui em rule of law, ou seja, o direito aplica-se a todos em qualquer circunstância, sendo que o Rei, os seus funcionários, os restantes cidadãos, os órgãos da administração central e as autarquias locais estão subordinadas ao mesmo direito comum, pelo que a Administração não detém poderes exorbitantes que lhe permita exercer poderes de autoridade perante os cidadãos. No que concerne à Execução judicial das decisões administrativas, referimos que a Administração Pública não é livre de executar as suas decisões por si mesma, pelo que estas não possuem força executória própria, sendo que não são impostas sem um parecer de um tribunal comum. No que tange às Garantias jurídicas dos administrados, os particulares passam a dispor de um sistema de garantias contra as ilegalidades e abusos da Administração Pública, sendo que os tribunais gozam de plena jurisdição relativamente à Administração Pública.
Seguidamente, abordar-se-á o sistema administrativo de tipo francês, de administração executiva ou sistema de administração continental. Este sistema distingue-se pelo facto da estrutura da sua administração ser centralizada e hierarquizada (centralização) pois após a Revolução Francesa torna-se indispensável construir um mecanismo administrativo eficaz e obediente, sendo que os funcionários são organizados segundo o princípio da hierarquia. Os municípios perdem autonomia administrativa e financeira e passam a ser coordenados por um maire nomeado pelo Governo e assistido por um Conseil municipal, sendo que as autarquias locais transitam de pequenos governos autónomos para instrumentos administrativos do poder central. Por outro lado, ao contrário do sistema de administração judiciária, já temos aqui a existência de um ramo de direito especial, o Direito Administrativo. Este é uma ramo de direito especial pois atribui poderes exorbitantes à Administração Pública, exorbita da normalidade permitindo à Administração fazer coisas sem as quais ela seria equiparada a um mero cidadão. Outra importante característica é a de que a Administração tem o poder de executar as suas próprias decisões e pode fazê-lo por autoridade própria (privilégio de execução prévia). No que se refere aos tribunais, para um direito especial, existem tribunais especiais, os tribunais administrativos, sendo que estes tribunais não se misturam com a administração. Destaca-se, por último, enquanto no sistema de administração judiciária o Estado não se responsabilizava pelos atos dos seus funcionários, no sistema continental existe essa responsabilização (garantia administrativa), ou seja, a Administração Pública responde pelos danos provocados pelos funcionários aos particulares.
No confronto entre os sistemas supramencionados é possível auferir alguns pontos de convergência. Entre eles temos o facto de que a organização administrativa inglesa tornou-se, com o tempo, mais centralizada, pois desenvolveram-se os ministérios que passaram a controlar as autarquias. Relativamente ao Direito regulador administrativo, no Reino Unido, com a transição para o Estado Social, houve um aumento do intervencionismo económico do Estado e, consequentemente, aumentou a prestação do Estado e o número de leis que encontrou a atividade prestadora do Estado. Quanto ao sistema franco-germânico, neste aspeto, o privado passou a misturar-se com o público. No que tange às execução nas decisões administrativas, no sistema continental o privilégio da execução passou a ser excecionalíssimo no sistema continental. No que diz respeito ao controlo judicial, os tribunais administrativos não se limitam a anular atos administrativos, estes têm outro tipo de poderes, controlam a jurisdicidade. Em Inglaterra surgiram os administrative tribunals, uma tentativa de chegar a tribunal, mas não têm a separação da Administração Pública que têm os tribunais. Estes administrative tribunals fazem com que a decisão administrativa seja formada através de um process of law, sendo que garante que todas as decisões são tomadas mediante a existência de um procedimento. Neste aspeto, os sistema continental reforça o mecanismo do procedimento. Por fim, ambos os sistemas incorrem atualmente de uma enorme influência da criação da União Europeia.
Por último, temos o sistema administrativo português que já bem conhecemos. Podemos, em primeiro lugar, identificá-lo como semelhante ao sistema de tipo francês. Depois do 25 de abril de 1974 a nossa Administração Pública consolidou o princípio da separação entre a administração e a justiça, introduzido com a revolução liberal. Assistimos nessa altura a uma atenuação do princípio do predomínio da administração local sobre a administração municipal, pelo que os órgãos das autarquias locais passam a ser eleitos pelas comunidades que estas abrangem. A Administração Pública encontra-se subordinada, não só à lei, como também à justiça, tribunais. A Administração encontra-se subordinada ao Direito, sendo que o artigo 266º da Constituição da República Portuguesa nos diz:
- A Administração Pública visa a prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
- Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, a proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
Deste preceito retira-se que toda a atividade administrativa está submetida ao império da lei, que a atividade administrativa assume caráter jurídico e é geradora de direitos e deveres, que para a própria Administração, quer para os particulares. Resulta também deste princípio que a ordem jurídica deve atribuir aos cidadãos garantias que lhes assegurem o cumprimento da lei pela Administração Pública, daí a Administração estar sujeita ao controle dos tribunais. No entanto, sendo o sistema português um sistema de administração executiva, nem todas as relações jurídicas estabelecidas entre a Administração e os particulares são da competência dos tribunais administrativos, pelo que o controle jurisdicional das detenções ilegais pertence aos tribunais judiciais. Outro exemplo são as questões relativas ao estado e capacidade das pessoas, bem como as questões de propriedade ou posse, são também das atribuições dos tribunais comuns. Por fim, os direitos emergentes de contratos civis ou comerciais celebrados pela Administração, ou de responsabilidade civil dos poderes públicos por atividade de gestão privada, estão igualmente incluídos na esfera reservada da jurisdição ordinária.
Em suma, foi possível evidenciar as diferenças e semelhanças entre os três sistemas, sendo que o sistema português enquadra-se no sistema de administração executiva, pelo que a grande distinção que se saliente é entre este último e o sistema de administração judiciária. No primeiro, o Estado é pessoa coletiva e o Direito Administrativo é encarado como um direito especial, logo, com poderes extraordinários, e no segundo, o Estado não é pessoa coletiva e a Administração equipara-se com um mero cidadão, submetendo-se ao controle pelos tribunais comuns.
Luana Pinto Maia Aluna nº 57106
Luana Pinto Maia Aluna nº 57106
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