A estrutura da Administração pública e o
conteúdo da Actividade Administrativa sofreram significativas alterações ao
longo da história, sendo possível apontar contrastes determinantes.
A separação
entre a Administração e a Justiça (órgãos jurisdicionais) foi um factor
determinante e de enorme importância no percurso evolutivo da administração.
Desta forma,
podem ter-se em conta os diversos tipos de Estados de forma a compreender melhor
esta evolução.
Primeiramente,
no Estado Romano, o Imperador era titular dos poderes legislativo, executivo e
judicial, concentrando em si todos os poderes, sendo a justiça um dos pilares
mais relevantes da administração pública. No Estado Medieval,
também não havia indiferenciação entre a administração e a justiça, existindo cumulação
de funções executivas e judiciais nos mesmos órgãos. O rei é aqui o supremo
legislador e o supremo juiz. Porém, a cumulação de poderes teria bastantes
consequências, para além de inúmeras injustiças e satisfação de interesses
próprios (como mandar matar quem se oponha ao poder do Rei), o Rei poderia
subtrair quem quisesse do cumprimento da lei, conceder privilégios, subtrair
deveres gerais, subtrair-se ele próprio às regras gerais.
No Estado
Moderno, no qual se define o aparecimento do conceito de Estado na acepção
actual e pela centralização do poder político, distingue-se o Estado
corporativo, Absoluto e Liberal. No Estado Corporativo (meados do século XV)
são postas em vigor, em Portugal, as Ordenações Afonsinas das quais é possível concluir-se
que a justiça continuava confundida e misturada, organicamente, com a
administração. No Estado Absoluto ocorre a centralização completa do poder
real. As garantias individuais do estado não eram elevadas e a protecção
conferida, nos termos das Ordenações, pelos tribunais comuns não era bem recebida
pelo poder politico, sendo exemplo disso o alvará do tempo do Marquês de Pombal
(1751) que retira a esses tribunais a competência para conhecer dos decretos
reais e outros actos da Administração central, confiando-a aos “tribunais régios”.
Com a
Revolução Francesa, os cidadãos passam a ser titulares de direitos subjectivos
públicos invocáveis perante o Estado. E estabelece-se, finalmente, o principio
da separação de poderes: a coroa perde o poder legislativo que é entregue ao
Parlamento e o poder judicial confiado aos Tribunais, ficando esta com o poder
executivo, estabelecendo-se, também, o principio da legalidade que impede a
administração de invadir a esfera dos particulares ou prejudicar os seus
direitos sem ter por base uma lei emanada do poder legislativo.
Se os órgãos
administrativos violam a lei e com isso ofendem a esfera subjectiva dos
cidadãos, estes podem recorrer a tribunal para fazer valer os seus direitos
face à Administração. Desta forma, está
presente uma diferença significativa em relação aos outros Estados, pois os
órgãos jurisdicionais deixam agora de servir os interesses apenas do Estado e
do Monarca, para satisfazer o interesse público, tendo em conta os direitos dos
cidadãos.
Foi instituído na Revolução
Francesa a promiscuidade das tarefas de administrar e julgar, segundo o
professor Vasco Pereira da Silva o “pecado original”. Destaca que os artigos 7º
do Decreto de 22 de Setembro de 1789, 13º da Lei 16-24, de Agosto de 1790 e 3º
da Constituição de 1789, proibiam os tribunais judiciais de interferir na
esfera da Administração, o que se revelou bastante importante, impulsionando esta ocorrência noutros países.
Os princípios da
Revolução Francesa expandiram-se por toda a Europa, desencadeando diversas reformas
no mesmo sentido. Nesta medida, cabe agora ver esta reforma, especificamente no
caso português, impulsionada pelas Revoluções Liberais.
Primeiramente,
a constituição de 1822 determinou no título II a separação tripartida dos
poderes, sendo, desta forma, o poder legislativo atribuído às cortes; o
executivo ao rei e o judicial aos juízes, estabelecendo-se a sua independência
(artigo 30º da Constituição de 1822).
Não obstante,
a Carta Constitucional de 1826 também proclamava a divisão e harmonia de
poderes políticos (artigo 10º) e garantia a independência do poder judicial
(artigo 118º).
Desta forma,
deve destacar-se uma personalidade que ficou célebre na história do direito e
da administração pública portuguesa: Mouzinho da Silveira, que elaborou e fez
aprovar um conjunto de diplomas que modificaram a Administração portuguesa. Foram
estes, os Decretos nº 22, 23, 24, de 16 de Maio de 1832, que precederam a
reforma da justiça, administração e fazenda. Nos seus fundamentos jurídicos e
doutrinais, mantém-se o essencial dessas reformas: Separação entre a
Administração e a Justiça. Mouzinho da Silveira referiu que a descoberta mais
útil da Revolução Francesa foi a diferença entre “administrar e julgar” e que
em Portugal tal não acontecia, pois, as “atribuições diferentes eram dadas
indiferentemente, e sobre o mesmo individuo eram acumuladas jurisdições não só
incompatíveis, mas destruidoras umas das outras”.
Nas suas reformas, Mouzinho da
Silveira estabelece que “a Administração é a cadeia que liga as partes do corpo
social e forma delas um todo”, a justiça, porém, “é a inspectora que impede que
os anéis da cadeia se rompam, corrigindo os vícios e abusos”. Por isso
administrar é a regra geral e julgar a regra particular.
Na Administração, a Autoridade
Pública para execução das leis está na deliberação e na acção: a deliberação é
atribuída a um conselho de cidadãos e a acção atribuída aos Magistrados
Administrativos.
A novidade fundamental das
reformas de Mouzinho da Silveira, aprovadas em 1832, foi esta diferenciação das
funções administrativa e jurisdicional, bem como a correspondente separação
entre órgãos administrativos e tribunais, sendo que a inovação se consolidou e
perdurou, mantendo-se até aos nossos dias.
Depois da evolução possibilitada
pela Revolução Francesa houve um retrocesso nesta matéria no Estado Comunista e
o Estado Fascista.
O Estado Comunista
caracteriza-se, no plano de organização administrativa, pela completa
centralização, sem entidades públicas menores e pela concentração, com o poder
de decisão situado no topo das hierarquias aliado a um rigoroso dever de
obediência. Os tribunais e juízes não são independentes, devendo obediência à
interpretação da lei feita pelo Governo ou pelo Partido Único e servem
sobretudo para dirimir litígios entre particulares. Pode dizer-se que os
tribunais estavam, por isso, subordinados à construção e expansão revolucionária
do socialismo.
Finalmente, o Estado Democrático é
profundamente descentralizado e desconcentrado. No caso especifico de Portugal,
na Primeira República e no Estado Novo manteve-se o principio geral da
separação entre a Administração e a Justiça, embora em certas zonas políticas
tenha retrocedido em relação à Primeira República.
O 25 de Abril corresponde ao
Estado democrático onde a Administração inicia uma nova fase da sua existência. Na garantia dos
particulares centra actos da Administração criou-se o Provedor de Justiça, uma maior
jurisdicionalização do Supremo Tribunal Administrativo, reforço do sistema de
execução das sentenças dos Tribunais Administrativos.
Actualmente, e fora dos regimes
totalitários, a Administração está submetida ao Direito, sujeita a normas
jurídicas obrigatórias e públicas que têm como destinatários tanto os próprios
órgãos e agentes da administração como os particulares, os cidadãos em geral.
Estabeleceu-se o principio da
submissão da Administração Pública à lei. Decorre deste principio que toda a
actividade administrativa e não apenas parte dela, se deve subordinar à lei.
A actividade da Administração
está sujeita ao controlo dos Tribunais, pois a ordem jurídica deve atribuir aos
cidadãos e garantias que lhes assegurem o cumprimento da lei pela administração
pública.
Em Portugal, vigora o sistema administrativo
de tipo francês.
As razões que justificam a opção
pela subordinação da Administração Pública ao Direito Administrativo é o facto
da sua existência permitir que a Administração Pública prossiga o interesse
público. A salvaguarda do Interesse público, implica o respeito de variadas
restrições e o cumprimento de deveres a cargo da Administração.
Convém destacar o facto de que
nem todas as relações jurídicas estabelecidas entre a Administração e os particulares
são da competência dos tribunais administrativos, pois questões relativas ao
Estado e capacidade das pessoas, bem como questões de propriedade ou posse, são
das atribuições dos tribunais comuns. A fiscalização dos actos e actividades
que a Administração pratica sob a égide do direito privado não é, em regra,
entregue aos tribunais administrativos.
Para o professor Diogo Freitas do
Amaral, “a razão de ser dos Tribunais Administrativos não reside hoje em dia no
privilégio do foro privativo da Administração, mas na vantagem de uma
especialização material dos órgãos jurisdicionais”.
A separação de poderes está
presente essencialmente na Constituição da República Portuguesa, destacando os
artigos 202º, 203º, 205º, 209º, 212º, 216º, 268º.
Em suma, a
evolução da Administração Pública ao longo dos séculos, aliada às Revoluções
Liberais, desencadeou a separação entre a administração e os órgãos
jurisdicionais, o que, a meu ver, foi um passo decisivo e bastante importante,
que nos permite ter a organização administrativa actual. Caso contrário, a
realidade administrativa e jurisdicional, poderia ser bastante diferente e com
ela trazer inúmeras consequências. Olhe-se, por exemplo, para o Estado Medieval,
onde havia cumulação de poderes numa só pessoa, o Rei, e de onde emergiam inúmeras
injustiças e a procura de satisfazer os interesses próprios que se sobrepunham
aos interesses particulares ou comuns a todos os cidadãos. Além disso, o mesmo
ocorreu no Estado Comunista e no Estado Fascista, onde os órgãos jurisdicionais
eram utilizados de forma a satisfazer as necessidades do regime e dos ideais
dos mesmos. Tome-se como exemplo, o Estado Comunista, que através dos Tribunais
controlados pelo Estado ou Partido Único, das suas decisões e da sua actuação
totalitária, procurava expandir os ideias comunistas. Nesta medida, na minha
opinião, estes tipos de estados e esta indiferenciação da justiça e administração,
não contribuíam para a satisfação do interesse comum, sendo este um dos
factores desencadeador da percepção desta necessidade, e pelos quais se deve
dar importância a esta separação de poderes, como meio de garantir a
legalidade, a garantia dos direitos dos cidadãos, justiça e igualdade.
Bibliografia
Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015
Pereira da Silva, Vasco, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, 1. ed., reimpressão 2016, Almedina, Coimbra
Pereira da Silva, Vasco, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, 1. ed., reimpressão 2016, Almedina, Coimbra
Rebelo de Sousa, Marcelo e Salgado de Matos, André: Direito Administrativo Geral, tomo I – Introdução e princípios fundamentais, 3ª edição, Dom Quixote, 2008
Daniela Pais Lucas, subturma 10, nº 56727
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