sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Separação entre a Administração e a Justiça

 A estrutura da Administração pública e o conteúdo da Actividade Administrativa sofreram significativas alterações ao longo da história, sendo possível apontar contrastes determinantes.
A separação entre a Administração e a Justiça (órgãos jurisdicionais) foi um factor determinante e de enorme importância no percurso evolutivo da administração.
Desta forma, podem ter-se em conta os diversos tipos de Estados de forma a compreender melhor esta evolução.

Primeiramente, no Estado Romano, o Imperador era titular dos poderes legislativo, executivo e judicial, concentrando em si todos os poderes, sendo a justiça um dos pilares mais relevantes da administração pública. No Estado Medieval, também não havia indiferenciação entre a administração e a justiça, existindo cumulação de funções executivas e judiciais nos mesmos órgãos. O rei é aqui o supremo legislador e o supremo juiz. Porém, a cumulação de poderes teria bastantes consequências, para além de inúmeras injustiças e satisfação de interesses próprios (como mandar matar quem se oponha ao poder do Rei), o Rei poderia subtrair quem quisesse do cumprimento da lei, conceder privilégios, subtrair deveres gerais, subtrair-se ele próprio às regras gerais.

No Estado Moderno, no qual se define o aparecimento do conceito de Estado na acepção actual e pela centralização do poder político, distingue-se o Estado corporativo, Absoluto e Liberal. No Estado Corporativo (meados do século XV) são postas em vigor, em Portugal, as Ordenações Afonsinas das quais é possível concluir-se que a justiça continuava confundida e misturada, organicamente, com a administração. No Estado Absoluto ocorre a centralização completa do poder real. As garantias individuais do estado não eram elevadas e a protecção conferida, nos termos das Ordenações, pelos tribunais comuns não era bem recebida pelo poder politico, sendo exemplo disso o alvará do tempo do Marquês de Pombal (1751) que retira a esses tribunais a competência para conhecer dos decretos reais e outros actos da Administração central, confiando-a aos “tribunais régios”.
Com a Revolução Francesa, os cidadãos passam a ser titulares de direitos subjectivos públicos invocáveis perante o Estado. E estabelece-se, finalmente, o principio da separação de poderes: a coroa perde o poder legislativo que é entregue ao Parlamento e o poder judicial confiado aos Tribunais, ficando esta com o poder executivo, estabelecendo-se, também, o principio da legalidade que impede a administração de invadir a esfera dos particulares ou prejudicar os seus direitos sem ter por base uma lei emanada do poder legislativo.
Se os órgãos administrativos violam a lei e com isso ofendem a esfera subjectiva dos cidadãos, estes podem recorrer a tribunal para fazer valer os seus direitos face à Administração. Desta forma, está presente uma diferença significativa em relação aos outros Estados, pois os órgãos jurisdicionais deixam agora de servir os interesses apenas do Estado e do Monarca, para satisfazer o interesse público, tendo em conta os direitos dos cidadãos.
Foi instituído na Revolução Francesa a promiscuidade das tarefas de administrar e julgar, segundo o professor Vasco Pereira da Silva o “pecado original”. Destaca que os artigos 7º do Decreto de 22 de Setembro de 1789, 13º da Lei 16-24, de Agosto de 1790 e 3º da Constituição de 1789, proibiam os tribunais judiciais de interferir na esfera da Administração, o que se revelou bastante importante, impulsionando esta ocorrência noutros países.

Os princípios da Revolução Francesa expandiram-se por toda a Europa, desencadeando diversas reformas no mesmo sentido. Nesta medida, cabe agora ver esta reforma, especificamente no caso português, impulsionada pelas Revoluções Liberais.
Primeiramente, a constituição de 1822 determinou no título II a separação tripartida dos poderes, sendo, desta forma, o poder legislativo atribuído às cortes; o executivo ao rei e o judicial aos juízes, estabelecendo-se a sua independência (artigo 30º da Constituição de 1822).
Não obstante, a Carta Constitucional de 1826 também proclamava a divisão e harmonia de poderes políticos (artigo 10º) e garantia a independência do poder judicial (artigo 118º).
Desta forma, deve destacar-se uma personalidade que ficou célebre na história do direito e da administração pública portuguesa: Mouzinho da Silveira, que elaborou e fez aprovar um conjunto de diplomas que modificaram a Administração portuguesa. Foram estes, os Decretos nº 22, 23, 24, de 16 de Maio de 1832, que precederam a reforma da justiça, administração e fazenda. Nos seus fundamentos jurídicos e doutrinais, mantém-se o essencial dessas reformas: Separação entre a Administração e a Justiça. Mouzinho da Silveira referiu que a descoberta mais útil da Revolução Francesa foi a diferença entre “administrar e julgar” e que em Portugal tal não acontecia, pois, as “atribuições diferentes eram dadas indiferentemente, e sobre o mesmo individuo eram acumuladas jurisdições não só incompatíveis, mas destruidoras umas das outras”.
Nas suas reformas, Mouzinho da Silveira estabelece que “a Administração é a cadeia que liga as partes do corpo social e forma delas um todo”, a justiça, porém, “é a inspectora que impede que os anéis da cadeia se rompam, corrigindo os vícios e abusos”. Por isso administrar é a regra geral e julgar a regra particular.
        Na Administração, a Autoridade Pública para execução das leis está na deliberação e na acção: a deliberação é atribuída a um conselho de cidadãos e a acção atribuída aos Magistrados Administrativos.
     A novidade fundamental das reformas de Mouzinho da Silveira, aprovadas em 1832, foi esta diferenciação das funções administrativa e jurisdicional, bem como a correspondente separação entre órgãos administrativos e tribunais, sendo que a inovação se consolidou e perdurou, mantendo-se até aos nossos dias.
     Depois da evolução possibilitada pela Revolução Francesa houve um retrocesso nesta matéria no Estado Comunista e o Estado Fascista.
   O Estado Comunista caracteriza-se, no plano de organização administrativa, pela completa centralização, sem entidades públicas menores e pela concentração, com o poder de decisão situado no topo das hierarquias aliado a um rigoroso dever de obediência. Os tribunais e juízes não são independentes, devendo obediência à interpretação da lei feita pelo Governo ou pelo Partido Único e servem sobretudo para dirimir litígios entre particulares. Pode dizer-se que os tribunais estavam, por isso, subordinados à construção e expansão revolucionária do socialismo.
     Finalmente, o Estado Democrático é profundamente descentralizado e desconcentrado. No caso especifico de Portugal, na Primeira República e no Estado Novo manteve-se o principio geral da separação entre a Administração e a Justiça, embora em certas zonas políticas tenha retrocedido em relação à Primeira República.
     O 25 de Abril corresponde ao Estado democrático onde a Administração inicia uma nova fase da sua existência. Na garantia dos particulares centra actos da Administração criou-se o Provedor de Justiça, uma maior jurisdicionalização do Supremo Tribunal Administrativo, reforço do sistema de execução das sentenças dos Tribunais Administrativos.
      Actualmente, e fora dos regimes totalitários, a Administração está submetida ao Direito, sujeita a normas jurídicas obrigatórias e públicas que têm como destinatários tanto os próprios órgãos e agentes da administração como os particulares, os cidadãos em geral.
     Estabeleceu-se o principio da submissão da Administração Pública à lei. Decorre deste principio que toda a actividade administrativa e não apenas parte dela, se deve subordinar à lei.
     A actividade da Administração está sujeita ao controlo dos Tribunais, pois a ordem jurídica deve atribuir aos cidadãos e garantias que lhes assegurem o cumprimento da lei pela administração pública.
       Em Portugal, vigora o sistema administrativo de tipo francês.
   As razões que justificam a opção pela subordinação da Administração Pública ao Direito Administrativo é o facto da sua existência permitir que a Administração Pública prossiga o interesse público. A salvaguarda do Interesse público, implica o respeito de variadas restrições e o cumprimento de deveres a cargo da Administração.
    Convém destacar o facto de que nem todas as relações jurídicas estabelecidas entre a Administração e os particulares são da competência dos tribunais administrativos, pois questões relativas ao Estado e capacidade das pessoas, bem como questões de propriedade ou posse, são das atribuições dos tribunais comuns. A fiscalização dos actos e actividades que a Administração pratica sob a égide do direito privado não é, em regra, entregue aos tribunais administrativos.
      Para o professor Diogo Freitas do Amaral, “a razão de ser dos Tribunais Administrativos não reside hoje em dia no privilégio do foro privativo da Administração, mas na vantagem de uma especialização material dos órgãos jurisdicionais”.
     A separação de poderes está presente essencialmente na Constituição da República Portuguesa, destacando os artigos 202º, 203º, 205º, 209º, 212º, 216º, 268º.


Em suma, a evolução da Administração Pública ao longo dos séculos, aliada às Revoluções Liberais, desencadeou a separação entre a administração e os órgãos jurisdicionais, o que, a meu ver, foi um passo decisivo e bastante importante, que nos permite ter a organização administrativa actual. Caso contrário, a realidade administrativa e jurisdicional, poderia ser bastante diferente e com ela trazer inúmeras consequências. Olhe-se, por exemplo, para o Estado Medieval, onde havia cumulação de poderes numa só pessoa, o Rei, e de onde emergiam inúmeras injustiças e a procura de satisfazer os interesses próprios que se sobrepunham aos interesses particulares ou comuns a todos os cidadãos. Além disso, o mesmo ocorreu no Estado Comunista e no Estado Fascista, onde os órgãos jurisdicionais eram utilizados de forma a satisfazer as necessidades do regime e dos ideais dos mesmos. Tome-se como exemplo, o Estado Comunista, que através dos Tribunais controlados pelo Estado ou Partido Único, das suas decisões e da sua actuação totalitária, procurava expandir os ideias comunistas. Nesta medida, na minha opinião, estes tipos de estados e esta indiferenciação da justiça e administração, não contribuíam para a satisfação do interesse comum, sendo este um dos factores desencadeador da percepção desta necessidade, e pelos quais se deve dar importância a esta separação de poderes, como meio de garantir a legalidade, a garantia dos direitos dos cidadãos, justiça e igualdade. 

Bibliografia

Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015
Pereira da Silva, Vasco, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, 1. ed., reimpressão 2016, Almedina, Coimbra
Rebelo de Sousa, Marcelo e Salgado de Matos, André: Direito Administrativo Geral, tomo I – Introdução e princípios fundamentais, 3ª edição, Dom Quixote, 2008


Daniela Pais Lucas, subturma 10, nº 56727

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