A Administração Pública varia em função do tempo e do espaço, sendo que
a História e o Direito Comparado são ciências que nos ajudam a compreender
melhor tal particularidade.
A Administração Pública em França é semelhante à Administração Pública
Portuguesa, nos seguintes termos: pouca importância dada ao costume e a extrema
relevância dada à Lei como fonte de Direito; a distinção base entre direito
público e privado; uma maior influência da Doutrina jurídica do que a jurisprudência;
uma prevalência do poder executivo sobre o poder judicial. Ambas pertencem ao
mesmo sistema administrativo, isto é, ao executivo, uma vez que é reconhecida
autonomia ao poder executivo face aos tribunais. Porém, apresentam algumas
diferenças, que abordarei no seguimento deste post.
Mas especificando agora o sistema administrativo francês, temos que ter
consciência do contexto histórico. Como sabemos, a Revolução Francesa de 1789 –
que se deu com a tomada da Bastilha – levou a uma afirmação do princípio da
separação de poderes, contrastante com o absolutismo do Antigo Regime. Ou seja,
houve uma divisão do poder em três (poder legislativo, executivo e judicial) e
com isto, separou-se a Administração, que correspondia ao poder executivo, da
Justiça, ou seja, o poder judicial.
No mesmo ano, 1789, é publicada a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão, inspirada na Declaração de Independência dos Estados Unidos
da América (1799) e na filosofia da época, isto é, o liberalismo. Este defendia
princípios tais como a liberdade, a igualdade, a separação de poderes e o contrato
social. Este último conceito significa que os cidadãos aceitam ser
representados por quem escolhem como representantes, em troca de protecção e
garantia dos seus direitos. Neste contexto, e com a ajuda de Montesquieu e de
John Locke, surge o Estado de Direito em França, onde são assegurados os direitos
absolutos públicos (Artigo 16º DUDHC “garantia dos direitos”) “Liberté, Égalité,
Fraternité”.
Também é nesta altura que se dá a ascensão da burguesia. Para impor os
novos ideais e implementar as reformas racionalistas, Napoleão Bonaparte centraliza
o aparelho administrativo passando este a funcionar da seguinte maneira:
primeiramente, os funcionários são organizados hierarquicamente; depois divide
França em 80 departamentos chefiados por prefeitos (corresponde à Administração
Local do Estado); dá-se a perda da autonomia administrativa e financeira das
communes, uma vez que estas passam a estar submetidas ao controlo do Governo.
Resumindo, as autarquias locais são meros instrumentos administrativos do poder
central, apesar de terem personalidade jurídica autónoma.
Depois da Revolução Francesa,
definiu-se que o poder executivo não podia interferir no poder judicial, tal
como os tribunais não podiam interferir nos assuntos da Administração Pública.
Mais uma vez está manifestada a separação de poderes. Em 1799, surgem os
tribunais administrativos como órgãos que fiscalizavam a legalidade dos atos da
Administração e que ditavam a consequente responsabilidade civil. Deste modo,
percebemos que há uma sujeição da Administração Francesa aos tribunais
administrativos.
Com a evolução histórica e temporal, os
órgãos administrativos deixam de estar na mesma posição que os particulares,
visto que passam a exercer funções de interesse e utilidade públicos, em vez de
servir para controlar. Como tal, passam a poder sobrepor-se aos particulares
que atuavam contra as suas funções, o que faz com que nasça um conjunto de
normas jurídicas que regulem a relação entre a Administração Pública e os
particulares: c’est le droit administratif (direito público), ao qual está
subordinado a Administração. E é com isto que são conferidos à Administração
Francesa poderes sobre os cidadãos, tais como o privilégio da execução prévia;
executar as suas próprias decisões por autoridade própria. Isto é, se der uma
ordem a um particular e este não a cumprir, pode a Administração usar coacção para
impor o cumprimento da mesma, não precisando de recorrer ao poder judicial “quand
la maison brûle, on ne vas pas demander au juge l’autorisation d’y envoyer les
pompiers”. Na minha opinião, não devia ser usada a coacção, precisamente porque
poderia haver abuso de poder e as pessoas deviam ter a liberdade de se poderem
defender, quando prejudicadas injustamente. No fim de contas, estávamos na época
do liberalismo. Deste modo, os particulares não passam a ser vítimas. A estes também
são conferidas garantias jurídicas contra os abusos e as ilegalidades da
Administração Pública, efectivadas através dos tribunais administrativos, pois
claro está que há sempre o risco de haver abuso de poder. Assim se balança o
poder da Administração com a liberdade dos particulares. Mas os tribunais, como
órgãos independentes, só podem anular actos da Administração Pública, não podendo
sancioná-los. Essa função encontra-se na competência das autoridades
administrativas.
Em Portugal, também se deu a separação entre a Administração (órgãos administrativos)
e a Justiça (tribunais) com a Revolução Liberal Portuguesa e, consequentemente,
com a Constituição de 1822 (separação de poderes). Coube a Mouzinho da Silveira
aprovar diplomas fundamentais que modificaram completamente a Administração portuguesa.
Desde 1832, vigora em Portugal o sistema administrativo executivo.
Por poucos anos, também se copiou
o sistema centralizado de Napoleão para a Administração Pública portuguesa, em
1834. Contudo - e aqui se avista a principal diferença entre o sistema
administrativo francês e o português -, dois anos depois voltou a ser
descentralizada.
Através de Fontes Pereira de Melo, são criados serviços públicos nas
áreas dos transportes, telecomunicação e correios pelo Estado. Também são
reduzidos os municípios, de 826 para 351, aumentando a importância do poder
local e, consequentemente, da descentralização da Administração Pública. Surgem
códigos administrativos perceptíveis do ponto de vista dos funcionários, sendo
que o Estado começa a preocupar-se com funções de nível cultural e social, isto
é, com as garantias dos particulares perante a Administração, acentuando-se o
Estado de Direito. A partir de 1853, surge o Direito Administrativo em
Portugal; e em 1870, surge o Supremo Tribunal Administrativo.
Apesar de a Administração Pública Francesa e a Portuguesa serem ambas do
mesmo tipo de sistema administrativo – executivo -, apresentam algumas diferenças entre elas (isto no contexto das
Revoluções Liberais). A primeira é centralizada e a Portuguesa não (são então independentes),
pois as autarquias locais não passam de meros instrumentos da administração
central. Outra diferença consiste no facto de em França, a Administração estar
sujeita a tribunais administrativos (ao poder judicial) e em Portugal, a Administração
só pode atuar quando a Lei o dita. Em Portugal, também havia o princípio do
privilégio da execução prévia, mas o legislador do Código de Procedimento
Administrativo de 2015 erradicou esse princípio do Direito Administrativo
Português, afastando-se do sistema francês.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª edição,
Almedina, Coimbra, 2015
Maria Teresa Mendonça, TB10, nº 56696
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