sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Uma breve comparação entre a Administração Pública Portuguesa e a Administração Pública Francesa depois das Revoluções Liberais


   A Administração Pública varia em função do tempo e do espaço, sendo que a História e o Direito Comparado são ciências que nos ajudam a compreender melhor tal particularidade.
   A Administração Pública em França é semelhante à Administração Pública Portuguesa, nos seguintes termos: pouca importância dada ao costume e a extrema relevância dada à Lei como fonte de Direito; a distinção base entre direito público e privado; uma maior influência da Doutrina jurídica do que a jurisprudência; uma prevalência do poder executivo sobre o poder judicial. Ambas pertencem ao mesmo sistema administrativo, isto é, ao executivo, uma vez que é reconhecida autonomia ao poder executivo face aos tribunais. Porém, apresentam algumas diferenças, que abordarei no seguimento deste post.
   Mas especificando agora o sistema administrativo francês, temos que ter consciência do contexto histórico. Como sabemos, a Revolução Francesa de 1789 – que se deu com a tomada da Bastilha – levou a uma afirmação do princípio da separação de poderes, contrastante com o absolutismo do Antigo Regime. Ou seja, houve uma divisão do poder em três (poder legislativo, executivo e judicial) e com isto, separou-se a Administração, que correspondia ao poder executivo, da Justiça, ou seja, o poder judicial.
   No mesmo ano, 1789, é publicada a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, inspirada na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1799) e na filosofia da época, isto é, o liberalismo. Este defendia princípios tais como a liberdade, a igualdade, a separação de poderes e o contrato social. Este último conceito significa que os cidadãos aceitam ser representados por quem escolhem como representantes, em troca de protecção e garantia dos seus direitos. Neste contexto, e com a ajuda de Montesquieu e de John Locke, surge o Estado de Direito em França, onde são assegurados os direitos absolutos públicos (Artigo 16º DUDHC “garantia dos direitos”) “Liberté, Égalité, Fraternité”.
   Também é nesta altura que se dá a ascensão da burguesia. Para impor os novos ideais e implementar as reformas racionalistas, Napoleão Bonaparte centraliza o aparelho administrativo passando este a funcionar da seguinte maneira: primeiramente, os funcionários são organizados hierarquicamente; depois divide França em 80 departamentos chefiados por prefeitos (corresponde à Administração Local do Estado); dá-se a perda da autonomia administrativa e financeira das communes, uma vez que estas passam a estar submetidas ao controlo do Governo. Resumindo, as autarquias locais são meros instrumentos administrativos do poder central, apesar de terem personalidade jurídica autónoma.
Depois da Revolução Francesa, definiu-se que o poder executivo não podia interferir no poder judicial, tal como os tribunais não podiam interferir nos assuntos da Administração Pública. Mais uma vez está manifestada a separação de poderes. Em 1799, surgem os tribunais administrativos como órgãos que fiscalizavam a legalidade dos atos da Administração e que ditavam a consequente responsabilidade civil. Deste modo, percebemos que há uma sujeição da Administração Francesa aos tribunais administrativos.
    Com a evolução histórica e temporal, os órgãos administrativos deixam de estar na mesma posição que os particulares, visto que passam a exercer funções de interesse e utilidade públicos, em vez de servir para controlar. Como tal, passam a poder sobrepor-se aos particulares que atuavam contra as suas funções, o que faz com que nasça um conjunto de normas jurídicas que regulem a relação entre a Administração Pública e os particulares: c’est le droit administratif (direito público), ao qual está subordinado a Administração. E é com isto que são conferidos à Administração Francesa poderes sobre os cidadãos, tais como o privilégio da execução prévia; executar as suas próprias decisões por autoridade própria. Isto é, se der uma ordem a um particular e este não a cumprir, pode a Administração usar coacção para impor o cumprimento da mesma, não precisando de recorrer ao poder judicial “quand la maison brûle, on ne vas pas demander au juge l’autorisation d’y envoyer les pompiers”. Na minha opinião, não devia ser usada a coacção, precisamente porque poderia haver abuso de poder e as pessoas deviam ter a liberdade de se poderem defender, quando prejudicadas injustamente. No fim de contas, estávamos na época do liberalismo. Deste modo, os particulares não passam a ser vítimas. A estes também são conferidas garantias jurídicas contra os abusos e as ilegalidades da Administração Pública, efectivadas através dos tribunais administrativos, pois claro está que há sempre o risco de haver abuso de poder. Assim se balança o poder da Administração com a liberdade dos particulares. Mas os tribunais, como órgãos independentes, só podem anular actos da Administração Pública, não podendo sancioná-los. Essa função encontra-se na competência das autoridades administrativas.
   Em Portugal, também se deu a separação entre a Administração (órgãos administrativos) e a Justiça (tribunais) com a Revolução Liberal Portuguesa e, consequentemente, com a Constituição de 1822 (separação de poderes). Coube a Mouzinho da Silveira aprovar diplomas fundamentais que modificaram completamente a Administração portuguesa. Desde 1832, vigora em Portugal o sistema administrativo executivo.
   Por poucos anos, também se copiou o sistema centralizado de Napoleão para a Administração Pública portuguesa, em 1834. Contudo - e aqui se avista a principal diferença entre o sistema administrativo francês e o português -, dois anos depois voltou a ser descentralizada.
   Através de Fontes Pereira de Melo, são criados serviços públicos nas áreas dos transportes, telecomunicação e correios pelo Estado. Também são reduzidos os municípios, de 826 para 351, aumentando a importância do poder local e, consequentemente, da descentralização da Administração Pública. Surgem códigos administrativos perceptíveis do ponto de vista dos funcionários, sendo que o Estado começa a preocupar-se com funções de nível cultural e social, isto é, com as garantias dos particulares perante a Administração, acentuando-se o Estado de Direito. A partir de 1853, surge o Direito Administrativo em Portugal; e em 1870, surge o Supremo Tribunal Administrativo.
   Apesar de a Administração Pública Francesa e a Portuguesa serem ambas do mesmo tipo de sistema administrativo – executivo -, apresentam algumas  diferenças entre elas (isto no contexto das Revoluções Liberais). A primeira é centralizada e a Portuguesa não (são então independentes), pois as autarquias locais não passam de meros instrumentos da administração central. Outra diferença consiste no facto de em França, a Administração estar sujeita a tribunais administrativos (ao poder judicial) e em Portugal, a Administração só pode atuar quando a Lei o dita. Em Portugal, também havia o princípio do privilégio da execução prévia, mas o legislador do Código de Procedimento Administrativo de 2015 erradicou esse princípio do Direito Administrativo Português, afastando-se do sistema francês.

Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015


Maria Teresa Mendonça, TB10, nº 56696

Sem comentários:

Enviar um comentário

Administração pública online

Administração Pública online                     Com o avanço do mundo digital, tem-se procurado desenvolver os meios de trabalho e serviços...