quinta-feira, 7 de dezembro de 2017


A mutação do serviço público - Caracterização das atividades que devem ser prestadas pelo Estado

Contrariamente ao meu post anterior, pretendo apresentar um olhar crítico relativamente a esta temática.
Encontram-se consagrados na Constituição da República Portuguesa, entre os Artigos 58º e 79º os direitos e deveres económicos, sociais e culturais dos Portugueses.
Se preciso fosse existir uma positivação dos devedores do Estado Social, em Portugal encontraríamos ficaríamos imediatamente esclarecidos sobre a grande função do Estado enquanto protetor do seu povo.
O direito ao trabalho, direito à segurança social e solidariedade, direito à saúde, direito à proteção da família, direito à infância, à juventude, aos cidadãos portadores de deficiência e direito à terceira idade, direito à educação, ao ensino, à cultura, são apenas alguns exemplos.
As gerações mais recentes já nasceram com estes direitos, rejeitam completamente a possibilidade de não os ter, talvez como fosse inimaginável hoje, os tempos sem telemóvel. Mas onde estão?
Imaginamos as nossas ruas cobertas de lixo? As nossas crianças sem possibilidade de receberem a devida formação? Os nossos idosos sem assistência? Os nossos doentes sem cuidados primários? As estradas em que viajamos, que servem para chegarmos mais perto e com maior segurança ao nosso objetivo, por vezes ao nosso emprego? Imaginamos as nossas florestas, as nossas industrias e mesmo as nossas casas a arder sem ninguém para ajudar? Ou nenhuma entidade a ordenar e manter-nos em segurança, a fazer cumprir a lei?
Parece por demais evidente que tudo isto existe ao nosso redor, encontrando-se ao nosso dispor sem necessidade de suportar custos, pois a maioria dos Portugueses não teria como subsidiar esses custos.
Como união de todos esses serviços essenciais, temos a Administração, como que a grande mão que coordena tudo de modo a não nos falar nada. Acontece, porém, que tal função tem tido um enorme crescimento, deixando assim de ser possível uma coordenação exigia por parte do Estado, tendo passado a haver a necessidade de descentralizar a atividade. A descentralização é positiva, nomeadamente no que diz respeito à proximidade.
No entanto deparamo-nos com um novo fenómeno. Alguma da atividade público foi mutada, passando, em parte, para o sector privado. Serviços essenciais, cuidados primários, formação do futuro do nosso país passou a ser gerido como se tratassem de empresas, como o objetivo inerente de todas as empresas que é o de dar lucro.
Alguns hospitais foram integrados no sector empresarial do Estado e passou a ser controlado o número de seringas utilizadas, ou linha para suturas e analgésicos. Médicos especialistas ou número reduzido de enfermeiros nos serviços, como se tal pudesse ser poupado.
Não querendo esmiuçar todas as questões que fazem parte da atualidade e as quais são do conhecimento geral, não podemos deixar de mencionar a necessidade de certas atividades serem prestadas pelo próprio Estado. Sem dúvida que esta actividade tem obrigatoriedade de rigor e de permanente supervisão, no entanto a existência de atividades sensíveis do ponto de vista social, impedem que sejam geridas com uma perspetiva privatista.
Já não é novidade que um parto por cesariana é medicamente desaconselhável, sendo prejudicial para a mãe e para o bebé, ponto que eu particularmente concordo pois existe um vastíssimo leque de prós a vários níveis. Também sabemos que um parto por cesariana não acarreta os mesmos custos que um parto dito normal. Recentemente os “Termos de referência para contratualização de cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS) para 2018", o qual veio a público, "a Comissão Nacional para a Redução da Taxa de Cesarianas (CNRTC) propôs a definição de metas para a taxa de cesarianas nos hospitais do SNS que tivessem repercussão no financiamento hospitalar". Deste modo, e com o objetivo de reduzir o número de cesarianas, os hospitais com taxas de cesariana superiores a 29,5% ou 31,5%, consoante o grau de diferenciação, não irão receber do Estado o pagamento pelos respetivos episódios de internamento, no âmbito deste programa. Certíssimo!! Então, mas isto significa que, com o intuito de evitar atingir esse número pré-estabelecido, muitas das cesarianas necessárias não serão feitas, provocando um enorme risco e sofrimento para algumas parturientes.
Em suma, a intenção inicial do estado de direito tem sofrido uma enorme modificação, tendo melhorado em alguns aspetos, sendo que outros foram negligenciados e apartados da sua essência primária.
Deve o Estado exonerar-se de algumas das suas funções em prol de conceitos empresariais e financeiros?

Bibliografia
CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 8ª edição, Âncora Editora, Lisboa, 2005
AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, I, 4.ª ed, Almedina, Coimbra, 2016
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Aulas teóricas de Direito Administrativo I
REBELO DE SOUSA, Marcelo / SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo Geral- tomo I, 14ª edição, D. Quixote, Lisboa
CAETANO, Marcello, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, I, Almedina, Coimbra, 2003

Legislação
Constituição da República Portuguesa


Margarida Amaral Marques
Aluna nº 29.856, Subturma 10, Turma B

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