A mutação do serviço público - Caracterização das
atividades que devem ser prestadas pelo Estado
Contrariamente ao meu post anterior, pretendo apresentar um olhar crítico relativamente a esta temática.
Encontram-se consagrados na Constituição
da República Portuguesa, entre os Artigos 58º e 79º os direitos e deveres
económicos, sociais e culturais dos Portugueses.
Se
preciso fosse existir uma positivação dos devedores do Estado Social, em
Portugal encontraríamos ficaríamos imediatamente esclarecidos sobre a grande
função do Estado enquanto protetor do seu povo.
O
direito ao trabalho, direito à segurança social e solidariedade, direito à
saúde, direito à proteção da família, direito à infância, à juventude, aos
cidadãos portadores de deficiência e direito à terceira idade, direito à
educação, ao ensino, à cultura, são apenas alguns exemplos.
As
gerações mais recentes já nasceram com estes direitos, rejeitam completamente a
possibilidade de não os ter, talvez como fosse inimaginável hoje, os tempos sem
telemóvel. Mas onde estão?
Imaginamos
as nossas ruas cobertas de lixo? As nossas crianças sem possibilidade de
receberem a devida formação? Os nossos idosos sem assistência? Os nossos
doentes sem cuidados primários? As estradas em que viajamos, que servem para
chegarmos mais perto e com maior segurança ao nosso objetivo, por vezes ao
nosso emprego? Imaginamos as nossas florestas, as nossas industrias e mesmo as
nossas casas a arder sem ninguém para ajudar? Ou nenhuma entidade a ordenar e
manter-nos em segurança, a fazer cumprir a lei?
Parece
por demais evidente que tudo isto existe ao nosso redor, encontrando-se ao
nosso dispor sem necessidade de suportar custos, pois a maioria dos Portugueses
não teria como subsidiar esses custos.
Como
união de todos esses serviços essenciais, temos a Administração, como que a
grande mão que coordena tudo de modo a não nos falar nada. Acontece, porém, que
tal função tem tido um enorme crescimento, deixando assim de ser possível uma
coordenação exigia por parte do Estado, tendo passado a haver a necessidade de
descentralizar a atividade. A descentralização é positiva, nomeadamente no que
diz respeito à proximidade.
No
entanto deparamo-nos com um novo fenómeno. Alguma da atividade público foi
mutada, passando, em parte, para o sector privado. Serviços essenciais,
cuidados primários, formação do futuro do nosso país passou a ser gerido como
se tratassem de empresas, como o objetivo inerente de todas as empresas que é o
de dar lucro.
Alguns
hospitais foram integrados no sector empresarial do Estado e passou a ser
controlado o número de seringas utilizadas, ou linha para suturas e analgésicos.
Médicos especialistas ou número reduzido de enfermeiros nos serviços, como se tal
pudesse ser poupado.
Não
querendo esmiuçar todas as questões que fazem parte da atualidade e as quais
são do conhecimento geral, não podemos deixar de mencionar a necessidade de
certas atividades serem prestadas pelo próprio Estado. Sem dúvida que esta
actividade tem obrigatoriedade de rigor e de permanente supervisão, no entanto
a existência de atividades sensíveis do ponto de vista social, impedem que
sejam geridas com uma perspetiva privatista.
Já
não é novidade que um parto por cesariana é medicamente desaconselhável, sendo
prejudicial para a mãe e para o bebé, ponto que eu particularmente concordo
pois existe um vastíssimo leque de prós a vários níveis. Também sabemos que um
parto por cesariana não acarreta os mesmos custos que um parto dito normal.
Recentemente os “Termos de referência para
contratualização de cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS) para
2018", o qual veio a público, "a Comissão Nacional para a Redução da
Taxa de Cesarianas (CNRTC) propôs a definição de metas para a taxa de
cesarianas nos hospitais do SNS que tivessem repercussão no financiamento
hospitalar". Deste modo, e com o objetivo de reduzir o número de
cesarianas, os hospitais com taxas de cesariana superiores a 29,5% ou 31,5%,
consoante o grau de diferenciação, não irão receber do Estado o pagamento pelos
respetivos episódios de internamento, no âmbito deste programa. Certíssimo!!
Então, mas isto significa que, com o intuito de evitar atingir esse número
pré-estabelecido, muitas das cesarianas necessárias não serão feitas,
provocando um enorme risco e sofrimento para algumas parturientes.
Em suma, a intenção inicial do
estado de direito tem sofrido uma enorme modificação, tendo melhorado em alguns
aspetos, sendo que outros foram negligenciados e apartados da sua essência
primária.
Deve
o Estado exonerar-se de algumas das suas funções em prol de conceitos
empresariais e financeiros?
Bibliografia
CAUPERS, João, Introdução
ao Direito Administrativo, 8ª edição, Âncora Editora, Lisboa, 2005
AMARAL, Diogo Freitas, Curso
de Direito Administrativo, I, 4.ª ed, Almedina, Coimbra, 2016
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Aulas teóricas de Direito Administrativo I
REBELO DE SOUSA,
Marcelo / SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo Geral- tomo I,
14ª edição, D. Quixote, Lisboa
CAETANO, Marcello, Manual
de Ciência Política e Direito
Constitucional, I, Almedina, Coimbra, 2003
Legislação
Constituição da República Portuguesa
Constituição da República Portuguesa
Margarida
Amaral Marques
Aluna
nº 29.856, Subturma 10, Turma B
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