Princípio
da Proteção da Confiança e da Segurança Jurídica
Ana
Carolina Godinho Neves, aluna nº56901 da FDUL
Os Princípios da
Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança são considerados elementos constitutivos
do Estado de Direito, este que é definido como o Estado vinculado e limitado
juridicamente em ordem à proteção, garantia e realização efetiva dos direitos
fundamentais, que surgem como indisponíveis perante os detentores de poder e o
próprio Estado. Deste modo, é possível perceber que a ideia de fundo aqui é a
racionalização do Estado operada mediante uma limitação jurídica dirigida à
eliminação do arbítrio e à proteção de uma esfera indisponível de autonomia
individual.
Mas como ia a dizer, são
aqueles considerados elementos constitutivos do Estado de Direito porque a “proteção
da confiança dos cidadãos relativamente à ação dos órgãos do Estado é um
elemento essencial, não apenas da segurança da ordem jurídica, mas também da
própria estruturação do relacionamento entre Estado e cidadãos em Estado de Direito.
Sem a possibilidade, juridicamente garantida, de poder calcular e prever os
possíveis desenvolvimentos da atuação dos poderes públicos suscetíveis de se
refletirem na sua esfera jurídica, o indivíduo converter-se-ia, com violação do
princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, em mero objeto do
acontecer estatal”.
A Professora Maria Lúcia Amaral
entende que o Estado de Direito se concretiza em elementos formais e materiais.
Segundo a mesma, decorrem dos elementos formais os princípios da separação de
poderes, da constitucionalidade das leis, da legalidade da administração e da
independência do poder judicial, decorrendo dos elementos materiais a dignidade
da pessoa humana, a liberdade, a justiça, a igualdade e a segurança.
Tendo isto em conta, são
também todos estes Princípios que vinculam a atividade da Administração
Pública, sendo nesta medida que surge o art.266º/2 CRP, pois segundo o
Professor Vital Moreira, “Em maior ou menor medida os vários compartimentos do
direito, tanto (…) do direito público, como mesmo do direito privado, têm as
suas bases na Constituição” e “se existe um ramo do direito público com uma presença
significativa na Constituição esse é (…) o direito administrativo. A
‘constituição administrativa é o direito constitucional administrativo, ou o
direito administrativo constitucional. É nela que e encontram as bases do
direito administrativo. Sendo direito constitucional formal (e também
material), as normas constitucionais administrativas são direito administrativo
formal’”.
Com o referido artigo em
mente, analisemos uma vertente de um dos três subprincípios (Igualdade,
Proporcionalidade e Boa-fé) que decorrem do Princípio da Justiça (em sentido
amplo), sendo este a Boa-fé.
Apesar desta grande
figura ser originária do Direito Privado, a verdade é que, hoje em dia, ela se
estende a todo o ordenamento jurídico, sendo que uma prova disso será a exigência
de atuação de acordo com a boa-fé no exercício da atividade administrativa
consagrada no art.6º-A/1CPA e também no já referido art.266º/2CRP. Isto
aconteceu porque se sentiu a necessidade de “satisfazer a necessidade premente
de criar um clima de confiança e
previsibilidade no seio da Administração Pública”.
A Boa-fé concretiza-se através
de dois princípios: o da tutela da confiança e o da materialidade subjacente,
sendo que, para o trabalho em questão, apenas interessa desenvolver o da tutela da confiança legítima.
Este subprincípio visa
salvaguardar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente
imprevisíveis daqueles com que se relacionem, contudo, esta tutela da confiança
pressupõe a verificação de algumas circunstâncias, nomeadamente: “a atuação de
um sujeito de direito que crie a
confiança, quer na manutenção de uma situação jurídica, quer na adoção de outra
conduta; segunda, uma situação de
confiança justificada do destinatário da atuação de outrem, ou seja, uma
convicção, por parte do destinatário da atuação em causa, na determinação do
sujeito jurídico que a adotou quanto à sua atuação subsequente, bem como a
presença de elementos suscetíveis de legitimar essa convicção, não só em
abstrato mas em concreto; terceiro, a efetivação de um investimento de confiança, isto é, o desenvolvimento de ações ou
omissões, que podem não ter tradução patrimonial, na base da situação de
confiança; quarto, o nexo de causalidade
entre a atuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado, e
entre a situação de confiança e o investimento de confiança, por outro; quinto,
a frustração da confiança por parte
do sujeito jurídico que a criou.”.
O Homem necessita de
sentir segurança e confiança no Estado para poder viver e orientar a sua vida
em paz, ideia esta com que se fica ao ler a seguinte afirmação do Professor
Gomes Canotilho: “O homem necessita de segurança
para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida.
Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção
da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”.
Para o referido
Professor, estes dois Princípios andam tão intimamente interligados que alguns
autores chegam a pensar que o Princípio da Proteção da Confiança é um
subprincípio do Princípio da Segurança Jurídica, sendo que, no seu entendimento,
assim não o é.
Seguindo esse fio de
pensamento, a Segurança Jurídica
prende-se mais com elementos objetivos da ordem jurídica, esses que são a
garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do
Direito e a Proteção da Confiança prende-se
mais com os elementos subjetivos da nossa ordem jurídica, nomeadamente a
previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos
poderes públicos.
Segundo o Professor Gomes
Canotilho, estes dois Princípios exigem “(1) fiabilidade, clareza,
racionalidade e transparência dos atos de poder; (2) de forma que em relação a
eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos
efeitos jurídicos dos seus próprios atos.”.
No entendimento do autor
em questão, as pessoas têm o direito de confiar que aos seus atos e às decisões
de autoridades públicas relativamente aos seus direitos e posições jurídicas
com base em normas jurídicas vigentes e válidas vão ser produzidos efeitos
jurídicos previstos no ordenamento jurídico.
O referido Professor apresenta
como principais corolários do Princípio da Segurança Jurídica os seguintes: “(1)
relativamente a atos normativos – proibição
de normas retroativas restritivas de direitos ou interesses juridicamente
protegidos; (2) relativamente a atos jurisdicionais – inalterabilidade do caso julgado; (3) em relação a atos da
administração – tendencial estabilidade
dos casos decididos através de atos administrativos constitutivos de direitos.”.
Tendo em mente a
repartição apresentada, façamos uma breve análise e comecemos pela Proteção da
Segurança Jurídica relativamente a atos administrativos, vertente esta que se
divide em três pontos, nomeadamente no Princípio da precisão ou
determinabilidade das normas jurídicas, na proibição de pré-efeitos de atos
normativos e na proibição de normas retroativas.
Quanto ao primeiro ponto,
tem-se a dizer que este postula “a conformação material e formal dos atos
normativos em termos linguisticamente claros, compreensíveis e não
contraditórios”, isto é, as normas têm de ser claras e estar numa linguagem em
que o homem comum as possa perceber.
No que toca ao segundo
ponto, o que há a saber é que é proibido aos atos legislativos ou outros atos
normativos produzirem quaisquer efeitos jurídicos quando ainda não estão em
vigor.
Passando agora à última
matéria, há que entender que as normas retroativas, que consistem em “(1)
decretar a validade e vigência de uma norma a partir de um marco temporal
(data) anterior à data da sua entrada em vigor; (2) ligar os efeitos jurídicos
de uma norma a situações de facto existentes antes da sua entrada em vigor”,
são proibidas porque se tenta proteger ao máximo a confiança dos cidadãos, é
como diz o Professor Gomes Canotilho: “A mudança ou alteração frequente das
leis (de normas jurídicas) pode perturbar a confiança das pessoas, sobretudo
quando as mudanças implicam efeitos negativos na esfera jurídica dessas mesmas
pessoas. O princípio do estado de direito, densificado pelos princípios da
segurança e da confiança jurídica, implica, por um lado, na qualidade de
elemento objetivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria
ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por outro
lado, como dimensão garantística jurídico-subjetiva dos cidadãos, legitima a
confiança na permanência das respetivas situações jurídicas.”. Contudo, esta
proibição não é absoluta, pois isso inviabilizaria novas existências de
justiça.
Relembrando a repartição
feita anteriormente, continuemos a nossa análise com a Proteção da segurança
jurídica relativamente a atos jurisdicionais. A segurança jurídica neste âmbito
aponta para o caso julgado, o qual assenta na estabilidade definitiva das
decisões judiciais. Apesar de este princípio não estar previsto na CRP, decorre
de vários preceitos de textos nela incluídos, exs.: arts.29º/4 e 282º/3.
Contudo, há aqui que fazer notar que é diferente falarmos em segurança jurídica
quanto ao caso julgado e segurança jurídica quanto à estabilidade da
jurisprudência, pois nessa última vertente o cidadão não possui o direito em
pedir a uniformidade da jurisprudência dos Tribunais.
Por fim, resta-nos falar
sobre a Proteção da segurança jurídica relativamente a atos da administração.
Segundo o Professor Gomes
Canotilho, aqui, “o princípio geral da segurança jurídica aponta para a ideia
de força de caso decidido dos atos
administrativos. (…) entende-se que o ato administrativo goza de uma
tendencial imutabilidade que se traduz: (1) na autovinculação da administração na qualidade de autora do ato e
como consequência da obrigatoriedade do ato; (2) na tendencial irrevogabilidade
do ato administrativo a fim de salvaguardar os interesses dos particulares
destinatários do ato (proteção da confiança e da segurança).”, ou seja, a
Administração praticou determinado ato e como consequência disso a ele ficou
vinculada, sendo que há tendência para a irrevogabilidade desse ato, de forma a
proteger as expectativas dos particulares.
Concluindo, quero fazer
notar que, apesar de tudo o que foi dito, não podemos transformar a segurança
jurídica em certeza jurídica, pois, apesar do grande objetivo do Princípio da
Segurança Jurídica ser subtrair a atividade pública das áleas do arbítrio,
assegurando assim a estabilidade mínima no ordenamento jurídico de forma a
poder proporcionar aos cidadãos confiança quanto à sua atuação para que estes
possam orientar a sua vida, ou seja, é necessário que a atividade pública atue
de forma leal, tendo em conta que isso faz parte do interesse coletivo da
população e que foi para a população que o Direito foi criado, isto é, o
Direito está ao serviço da população, a verdade é que, hoje em dia, como diz o
Professor Gomes Canotilho, vivemos numa “sociedade
de risco” em que “cresce a necessidade de atos provisórios e de atos
precários a fim de a administração poder reagir à alteração das situações
fácticas e reorientar a prossecução do interesse público segundo os novos
conhecimentos técnicos e científicos. Isto tem de articular-se com a
salvaguarda de outros princípios constitucionais, entre os quais se conta a
proteção da confiança, a segurança jurídica, a boa fé dos administrados e os
direitos fundamentais.”.
Bibliografia
-
Novais,
Jorge Reis, Contributo para uma Teoria do
Estado de Direito, Almedina, Coimbra (2013);
- Sousa, Marcelo Rebelo
de & André Salgado de Matos, Direito
Administrativo Geral, I, Introdução e Princípios Fundamentais, Dom Quixote,
Lisboa (2008);
- Canotilho, José Joaquim
Gomes, Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, Almedina, Coimbra (2003);
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