quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Princípio da Proteção da Confiança e da Segurança Jurídica

Princípio da Proteção da Confiança e da Segurança Jurídica
Ana Carolina Godinho Neves, aluna nº56901 da FDUL

Os Princípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança são considerados elementos constitutivos do Estado de Direito, este que é definido como o Estado vinculado e limitado juridicamente em ordem à proteção, garantia e realização efetiva dos direitos fundamentais, que surgem como indisponíveis perante os detentores de poder e o próprio Estado. Deste modo, é possível perceber que a ideia de fundo aqui é a racionalização do Estado operada mediante uma limitação jurídica dirigida à eliminação do arbítrio e à proteção de uma esfera indisponível de autonomia individual.
          Mas como ia a dizer, são aqueles considerados elementos constitutivos do Estado de Direito porque a “proteção da confiança dos cidadãos relativamente à ação dos órgãos do Estado é um elemento essencial, não apenas da segurança da ordem jurídica, mas também da própria estruturação do relacionamento entre Estado e cidadãos em Estado de Direito. Sem a possibilidade, juridicamente garantida, de poder calcular e prever os possíveis desenvolvimentos da atuação dos poderes públicos suscetíveis de se refletirem na sua esfera jurídica, o indivíduo converter-se-ia, com violação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, em mero objeto do acontecer estatal”.
           A Professora Maria Lúcia Amaral entende que o Estado de Direito se concretiza em elementos formais e materiais. Segundo a mesma, decorrem dos elementos formais os princípios da separação de poderes, da constitucionalidade das leis, da legalidade da administração e da independência do poder judicial, decorrendo dos elementos materiais a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a justiça, a igualdade e a segurança.
       Tendo isto em conta, são também todos estes Princípios que vinculam a atividade da Administração Pública, sendo nesta medida que surge o art.266º/2 CRP, pois segundo o Professor Vital Moreira, “Em maior ou menor medida os vários compartimentos do direito, tanto (…) do direito público, como mesmo do direito privado, têm as suas bases na Constituição” e “se existe um ramo do direito público com uma presença significativa na Constituição esse é (…) o direito administrativo. A ‘constituição administrativa é o direito constitucional administrativo, ou o direito administrativo constitucional. É nela que e encontram as bases do direito administrativo. Sendo direito constitucional formal (e também material), as normas constitucionais administrativas são direito administrativo formal’”.
        Com o referido artigo em mente, analisemos uma vertente de um dos três subprincípios (Igualdade, Proporcionalidade e Boa-fé) que decorrem do Princípio da Justiça (em sentido amplo), sendo este a Boa-fé.
            Apesar desta grande figura ser originária do Direito Privado, a verdade é que, hoje em dia, ela se estende a todo o ordenamento jurídico, sendo que uma prova disso será a exigência de atuação de acordo com a boa-fé no exercício da atividade administrativa consagrada no art.6º-A/1CPA e também no já referido art.266º/2CRP. Isto aconteceu porque se sentiu a necessidade de “satisfazer a necessidade premente de criar um clima de confiança e previsibilidade no seio da Administração Pública”.  
           A Boa-fé concretiza-se através de dois princípios: o da tutela da confiança e o da materialidade subjacente, sendo que, para o trabalho em questão, apenas interessa desenvolver o da tutela da confiança legítima.
        Este subprincípio visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com que se relacionem, contudo, esta tutela da confiança pressupõe a verificação de algumas circunstâncias, nomeadamente: “a atuação de um sujeito de direito que crie a confiança, quer na manutenção de uma situação jurídica, quer na adoção de outra conduta; segunda, uma situação de confiança justificada do destinatário da atuação de outrem, ou seja, uma convicção, por parte do destinatário da atuação em causa, na determinação do sujeito jurídico que a adotou quanto à sua atuação subsequente, bem como a presença de elementos suscetíveis de legitimar essa convicção, não só em abstrato mas em concreto; terceiro, a efetivação de um investimento de confiança, isto é, o desenvolvimento de ações ou omissões, que podem não ter tradução patrimonial, na base da situação de confiança; quarto, o nexo de causalidade entre a atuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado, e entre a situação de confiança e o investimento de confiança, por outro; quinto, a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou.”.
            O Homem necessita de sentir segurança e confiança no Estado para poder viver e orientar a sua vida em paz, ideia esta com que se fica ao ler a seguinte afirmação do Professor Gomes Canotilho: “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”.
            Para o referido Professor, estes dois Princípios andam tão intimamente interligados que alguns autores chegam a pensar que o Princípio da Proteção da Confiança é um subprincípio do Princípio da Segurança Jurídica, sendo que, no seu entendimento, assim não o é.
            Seguindo esse fio de pensamento, a Segurança Jurídica prende-se mais com elementos objetivos da ordem jurídica, esses que são a garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do Direito e a Proteção da Confiança prende-se mais com os elementos subjetivos da nossa ordem jurídica, nomeadamente a previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos.
            Segundo o Professor Gomes Canotilho, estes dois Princípios exigem “(1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos de poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios atos.”.
            No entendimento do autor em questão, as pessoas têm o direito de confiar que aos seus atos e às decisões de autoridades públicas relativamente aos seus direitos e posições jurídicas com base em normas jurídicas vigentes e válidas vão ser produzidos efeitos jurídicos previstos no ordenamento jurídico.
            O referido Professor apresenta como principais corolários do Princípio da Segurança Jurídica os seguintes: “(1) relativamente a atos normativos – proibição de normas retroativas restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos; (2) relativamente a atos jurisdicionais – inalterabilidade do caso julgado; (3) em relação a atos da administração – tendencial estabilidade dos casos decididos através de atos administrativos constitutivos de direitos.”.
           Tendo em mente a repartição apresentada, façamos uma breve análise e comecemos pela Proteção da Segurança Jurídica relativamente a atos administrativos, vertente esta que se divide em três pontos, nomeadamente no Princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, na proibição de pré-efeitos de atos normativos e na proibição de normas retroativas.
           Quanto ao primeiro ponto, tem-se a dizer que este postula “a conformação material e formal dos atos normativos em termos linguisticamente claros, compreensíveis e não contraditórios”, isto é, as normas têm de ser claras e estar numa linguagem em que o homem comum as possa perceber.
            No que toca ao segundo ponto, o que há a saber é que é proibido aos atos legislativos ou outros atos normativos produzirem quaisquer efeitos jurídicos quando ainda não estão em vigor.
            Passando agora à última matéria, há que entender que as normas retroativas, que consistem em “(1) decretar a validade e vigência de uma norma a partir de um marco temporal (data) anterior à data da sua entrada em vigor; (2) ligar os efeitos jurídicos de uma norma a situações de facto existentes antes da sua entrada em vigor”, são proibidas porque se tenta proteger ao máximo a confiança dos cidadãos, é como diz o Professor Gomes Canotilho: “A mudança ou alteração frequente das leis (de normas jurídicas) pode perturbar a confiança das pessoas, sobretudo quando as mudanças implicam efeitos negativos na esfera jurídica dessas mesmas pessoas. O princípio do estado de direito, densificado pelos princípios da segurança e da confiança jurídica, implica, por um lado, na qualidade de elemento objetivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado, como dimensão garantística jurídico-subjetiva dos cidadãos, legitima a confiança na permanência das respetivas situações jurídicas.”. Contudo, esta proibição não é absoluta, pois isso inviabilizaria novas existências de justiça.
           Relembrando a repartição feita anteriormente, continuemos a nossa análise com a Proteção da segurança jurídica relativamente a atos jurisdicionais. A segurança jurídica neste âmbito aponta para o caso julgado, o qual assenta na estabilidade definitiva das decisões judiciais. Apesar de este princípio não estar previsto na CRP, decorre de vários preceitos de textos nela incluídos, exs.: arts.29º/4 e 282º/3. Contudo, há aqui que fazer notar que é diferente falarmos em segurança jurídica quanto ao caso julgado e segurança jurídica quanto à estabilidade da jurisprudência, pois nessa última vertente o cidadão não possui o direito em pedir a uniformidade da jurisprudência dos Tribunais. 
           Por fim, resta-nos falar sobre a Proteção da segurança jurídica relativamente a atos da administração. 
           Segundo o Professor Gomes Canotilho, aqui, “o princípio geral da segurança jurídica aponta para a ideia de força de caso decidido dos atos administrativos. (…) entende-se que o ato administrativo goza de uma tendencial imutabilidade que se traduz: (1) na autovinculação da administração na qualidade de autora do ato e como consequência da obrigatoriedade do ato; (2) na tendencial irrevogabilidade do ato administrativo a fim de salvaguardar os interesses dos particulares destinatários do ato (proteção da confiança e da segurança).”, ou seja, a Administração praticou determinado ato e como consequência disso a ele ficou vinculada, sendo que há tendência para a irrevogabilidade desse ato, de forma a proteger as expectativas dos particulares.
          Concluindo, quero fazer notar que, apesar de tudo o que foi dito, não podemos transformar a segurança jurídica em certeza jurídica, pois, apesar do grande objetivo do Princípio da Segurança Jurídica ser subtrair a atividade pública das áleas do arbítrio, assegurando assim a estabilidade mínima no ordenamento jurídico de forma a poder proporcionar aos cidadãos confiança quanto à sua atuação para que estes possam orientar a sua vida, ou seja, é necessário que a atividade pública atue de forma leal, tendo em conta que isso faz parte do interesse coletivo da população e que foi para a população que o Direito foi criado, isto é, o Direito está ao serviço da população, a verdade é que, hoje em dia, como diz o Professor Gomes Canotilho, vivemos numa “sociedade de risco” em que “cresce a necessidade de atos provisórios e de atos precários a fim de a administração poder reagir à alteração das situações fácticas e reorientar a prossecução do interesse público segundo os novos conhecimentos técnicos e científicos. Isto tem de articular-se com a salvaguarda de outros princípios constitucionais, entre os quais se conta a proteção da confiança, a segurança jurídica, a boa fé dos administrados e os direitos fundamentais.”.  

Bibliografia
- Novais, Jorge Reis, Contributo para uma Teoria do Estado de Direito, Almedina, Coimbra (2013);
- Sousa, Marcelo Rebelo de & André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, I, Introdução e Princípios Fundamentais, Dom Quixote, Lisboa (2008);
- Canotilho, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra (2003);

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