Ainda assim, por toda a história do Direito Administrativo, temos assistido a uma vagarosa e tímida imposição da Doutrina da Relação Jurídica.
Vasco Pereira da Silva aponta quatro grandes formas
de encarar a Relação Jurídica pela história:
- Os positivistas, como os seus pais fundadores Kelsen
e Merkl, rejeitam a existência de uma Relação Jurídica no Direito
Administrativo. Rejeitam, pois, vêm o Direito Administrativo através da noção
clássica de Administração Autoritária, ou seja, partem do pressuposto que a
Administração é sempre agressiva dos direitos dos cidadãos e para isso tem de
atuar de forma unilateral e autoritária negando os direitos subjetivos dos particulares.
Assim sendo, o particular assume a função de mero objeto da função
Administrativa, ou seja, assume a forma de Administrado. Sendo o objeto da
Administração, o particular não tem condições de assumir o papel de parte numa
relação jurídica com a Adiminstração.- Há também quem fale na relação jurídica como uma simples relação de poder, qualificando o particular como mero sujeito passivo. Assim, autores como Otto Mayer e Marcello Caetano não rejeitam a existência de uma relação jurídica no âmbito do D. Administrativo, mas esvaziam-na de importância prática e até teórica. Nesta teoria, faz-se uso da expressão “relação jurídica” mas será mais pela facilidade linguística pois para esta corrente esta relação jurídica era ainda uma relação geral de poder, já que aqui se partilha, com a primeira tese, a visão clássica do Direito Administrativo da Administração Pública agressiva.
Quando se fala em relação jurídica ainda numa visão clássica do Direito Administrativo, fala-se de uma relação de poder em que o particular surge como objeto da administração, ou, sendo considerado parte, era apenas um sujeito passivo de uma relação desequilibrada.
Ainda assim, podemos olhar para esta segunda corrente, apresentada pelo
professor Vasco Pereira da Silva, como uma muito tímida introdução do conceito
de Relação Jurídica no âmbito do Direito Administrativo.
- Outros autores admitem que o conceito de relação
jurídica poderia ter até alguma relevância, mas a sua aplicabilidade tinha de
ser circunscrita ao domínio da Administração Prestadora. Muarer, apologista desta
tese, concedia uma importância ao conceito de relação jurídica, mas sem nunca
por em causa o ato administrativo como conceito central de todo o ramo de
direito. O autor considerava assim, que o conceito de relação jurídica devia
apenas ser aplicado em certos domínios como o Direito da Segurança Social ou o
Direito das Subvenções, pois apenas aqui o particular tinha condições para ser
parte numa relação jurídica equilibrada com direitos e deveres de ambas as
partes. Adota-se já aqui uma noção material de relação jurídica, por oposição à
noção meramente formal da tese anterior, pois aqui já temos, tanto particular
como administração, a atuar como sujeitos de direito com direitos e deveres
recíprocos.A posição de Maurer mostra a crescente vontade de começar a adotar o conceito de relação jurídica no âmbito do Direito Administrativo.
- Finalmente temos autores como Bachof e até o professor Vasco Pereira da Silva que veem de facto a relação jurídica como o novo conceito central do Direito Administrativo.
A Doutrina Clássica, a que correspondem as 3 teses
acima apresentadas, via no Ato Administrativo a chave para trabalhar todo o
ramo do direito, pois concebiam o direito Administrativo numa lógica Liberal de
Administração Agressiva.
Este entendimento rapidamente se revelou desatualizado
e inadequado com o surgimento do Estado Social e do Estado pós-Social. O ato
administrativo, conceito central do Direito Administrativo para os autores
clássicos, passa a ser insuficiente e deixa até de ser a forma mais frequente
da atuação administrativa. Esta adota novas formas de atuação mais genéricas e
não autoritárias.Assim, para ultrapassar as limitações que o conceito central do Direito Administrativo, proposto pela doutrina clássica, impunha, surge a Doutrina da Relação Jurídica, que pretende estabelecer nesta o novo “coração” do Direito Administrativo. A adoção deste instituto mais amplo e abrangente permitia explicar os novos vínculos jurídicos existentes entre a administração e o particular. Dizia Bachof que era imperativa a adoção deste conceito para que o Direito Administrativo se pudesse adequar às novas tarefas administrativas, pois só com a adoção deste conceito se podiam desenvolver e densificar os institutos e formas de atuação necessários para o efeito.
Cabe ainda referir que a adoção do conceito de relação
jurídica não exclui o conceito de ato administrativo. Acontece que este é
integrado no primeiro. Nas palavras do professor Vasco Pereira da Silva: “(…)
passagem do mundo do ato para o universo da relação jurídica (…)”. A adoção
deste conceito ajuda também a fazer a ponte com matérias de Contencioso
Administrativo onde já há muito é utilizado. A Relação Jurídica é também
importante pois é o modo mais apropriado de entender a relação entre
Administração e Particulares no contexto de um Estado de Direito. Esta não pode
ser entendida como uma relação de poder da Administração sobre um administrado,
mas sim como uma verdadeira relação jurídica entre o Cidadão e o Estado, já que
ambos estão submetidos ao Direito e a Administração não possui nenhum poder que
anteceda a Constituição do Estado, até porque está adstrita ao princípio da
legalidade.
Assim, pode ainda dizer-se que a adoção do conceito de
Relação Jurídica é sempre benéfica, pois acentua a importância dos Direitos
Individuais, tornando invariavelmente mais forte a posição dos cidadãos E é
também vantajosa do ponto de vista técnico, pois permite a compreensão e
integração de todas as formas de atuação que a teoria clássica do ato administrativo
não podia comportar, já que existirá sempre uma relação jurídica,
independentemente da forma de atuação usada pela administração.
Para reforçar necessidade da adoção deste conceito, é
ainda de referir que ele encontra fundamento na Constituição da República
Portuguesa e na restante legislação, já que, todo o ordenamento é, e tem de
ser, construído na noção de que ao país corresponde um Estado de Direito
Democrático que deve respeitar impreterivelmente a Dignidade da Pessoa Humana,
e a Doutrina da Relação Jurídica potencia esse respeito mais do que qualquer
outra, já que impede que o particular seja tratado como um “objeto” da
Administração. A Constituição atribui ainda diretamente ao indivíduo uma série
de Direitos Fundamentais, todos eles oponíveis a atos administrativos,
eliminando assim a possibilidade de se considerar que a administração tenha uma
qualquer posição pré-estabelecida de supremacia, pois esta está sempre adstrita
ao princípio da legalidade que a obriga a perseguir o interesse público sempre
no respeito dos direitos dos particulares.
Ainda atualmente, são feitas inúmeras críticas e apontadas inúmeras desvantagens ao uso da Relação Administrativa como conceito central do Direito Administrativo.
A principal crítica apontada ao uso deste conceito
será a de que a relação jurídica entre particular e administração será, muitas
vezes, uma relação desequilibrada pois estaria sempre subjacente a ela a
relação de poder, baseada na ideia de que o interesse da administração será
superior ao do particular pois trata-se de um interesse público, ou seja, temos
nesta relação jurídica um interesse particular contra um interesse geral, e que
por isso a relação é sempre desequilibrada. Ainda atualmente, são feitas inúmeras críticas e apontadas inúmeras desvantagens ao uso da Relação Administrativa como conceito central do Direito Administrativo.
O professor Freitas do Amaral reconhece a existência e
a importância das relações jurídicas no Direito Administrativo. Diz que será de
fácil entendimento a existência de relações da vida social tuteladas pelo
direito no âmbito do Direito Administrativo e que devem estas ser qualificadas
como relações jurídico-administrativas. E assim, aceitando esta base teórica e
verificando que as relações entre administração e particulares são de facto
reguladas e protegidas pelo direito, afirma não haver qualquer razão ou
fundamento para negar a existência da Relação Jurídica. Porém, o professor faz
uma distinção entre dois tipos de relação jurídica: A Relação de Supremacia
Pública, na qual identificamos a clássica relação de poder, recusada pelo
Professor Vasco Pereira da Silva. E aponta depois a Relação Paritária, que se
assemelha já ao conceito de relação apresentado pelo Professor Pereira da
Silva.
Posto isto, Freitas do Amaral avança com uma definição para Relação Jurídica: “a relação jurídica administrativa é toda a relação entre sujeitos de direito, públicos ou privados, que atuem no exercício de poderes ou deveres públicos, conferidos por normas de direito administrativo.” Apesar desta construção teórica, Freitas do Amaral não aceita frontalmente a adoção da Relação Jurídica como conceito central do Direito Administrativo. Juntando-se à crítica acima exposta.
Porém, o professor Vasco Pereira da Silva, facilmente desmonta o fundamento desta crítica. Diz o professor que “(…) Administração e particulares encontram-se numa posição equivalente. Se a primeira pode invocar a prossecução do interesse geral, os segundos podem invocar o seu estatuto jurídico-constitucional que decorre dos direitos fundamentais.” Ou seja, o particular pode sempre invocar os seus direitos fundamentais fazendo ceder o interesse geral da Administração, já que, diz também o professor Pereira da Silva, que “(…) a realização do interesse público não pode fazer-se à custa dos direitos dos particulares (…)”.
Assim se pode deitar por terra uma das maiores
críticas à adoção da Relação Jurídica como conceito central do Direito
Administrativa.Posto isto, Freitas do Amaral avança com uma definição para Relação Jurídica: “a relação jurídica administrativa é toda a relação entre sujeitos de direito, públicos ou privados, que atuem no exercício de poderes ou deveres públicos, conferidos por normas de direito administrativo.” Apesar desta construção teórica, Freitas do Amaral não aceita frontalmente a adoção da Relação Jurídica como conceito central do Direito Administrativo. Juntando-se à crítica acima exposta.
Porém, o professor Vasco Pereira da Silva, facilmente desmonta o fundamento desta crítica. Diz o professor que “(…) Administração e particulares encontram-se numa posição equivalente. Se a primeira pode invocar a prossecução do interesse geral, os segundos podem invocar o seu estatuto jurídico-constitucional que decorre dos direitos fundamentais.” Ou seja, o particular pode sempre invocar os seus direitos fundamentais fazendo ceder o interesse geral da Administração, já que, diz também o professor Pereira da Silva, que “(…) a realização do interesse público não pode fazer-se à custa dos direitos dos particulares (…)”.
A este respeito, cabe também dizer que a razão pela qual surge a doutrina da Relação Jurídica é exatamente para equilibrar as posições jurídicas da Administração e Particulares, para que ambos se encontrem em posições equivalentes à partida.
Bibliografia:
DA SILVA, Vasco Dias Pereira, Em Busca do Ato Administrativo Perdido, 1ª Edição, Reimpressão,
Coimbra, 2016, Almedina, pp.43 a 122, pp.149 a 212DO AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª Edição, Reimpressão, 2017, Almedina, pp.59 a 64, pp.131 a 141
Turma B, Subturma 10
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