Diogo Freitas
do Amaral afirma que o Tribunal de Contas é “um órgão fundamental de
fiscalização da Administração Pública do nosso País”. Na verdade, o Tribunal de
Contas é um órgão independente, que, apesar de integrar constitucionalmente o
poder jurisdicional, exerce funções de outra natureza, sendo uma das mais
importantes e influentes instituições quando se trata de escrutinar a atividade
da Administração portuguesa.
O Tribunal de
Contas é herdeiro de uma rica tradição apresentando uma imensa evolução
histórica. Já no século XIII havia a preocupação de uma certa fiscalização,
existindo, ainda que pouco desenvolvida, uma contabilidade pública.
Posteriormente, com D. Fernando, em 1370, surgiram os Vedores da Fazenda, cuja
função consistia em fiscalizar localmente as receitas e despesas efetuadas, cabendo-lhes
a administração superior do Património Real e da Fazenda Pública. O antecessor
do Tribunal é o denominado Concelho da Fazenda, constituído a 20 de novembro de
1591, que converteu num único os três tribunais do Reino (Índia, África e
Contos), com o fim de alcançar um maior rigor administrativo e uma maior rapidez
no despacho das partes. Este organismo veio mais tarde a ser transformado por
Marquês de Pombal no Erário Régio (que simbolizava o regime de centralização
absoluta: todas as rendas da Coroa ali davam entrada e dela saiam os fundos
para todas as despesas), o qual viria a ser reformado pelos decretos de
Mouzinho da Silveira, que o transformariam no Tribunal do Tesouro Público no
qual, contrariando o anterior secretismo das contas públicas, foi estabelecida
a obrigatoriedade da publicitação das contas de receita e despesa do Estado. Por
fim, é constituído o Tribunal de Contas pelo Decreto de 10 de novembro de 1849.
Curiosamente, o nome não foi sempre mantido, visto que em 1911 o Tribunal foi
momentaneamente extinto e substituído pelo Conselho superior da Administração
Financeira do Estado, depois chamado Conselho Superior de Finanças.
A Constituição
da República Portuguesa incluiu, no seu artigo 209º, o Tribunal de Contas no
elenco dos Tribunais, definindo a sua natureza como um Tribunal financeiro
integrado no aparelho judiciário, a par de todos os outros tribunais, dotando-o
assim, no plano dos princípios, das características de real independência e da
superioridade das suas decisões relativamente às da Administração, no que diz
respeito à aplicação do Direito, que são requisitos do estatuto de qualquer
Tribunal. De igual modo, a CRP no artigo 110º/1 qualifica-o como um órgão de
Soberania, juntamente com o Presidente da República, o Governo e a Assembleia
da República.
Tratando-se de
um verdadeiro Tribunal, a ele se aplicam os princípios gerais
constitucionalmente estabelecidos para os Tribunais, designadamente o princípio
da independência e da exclusiva sujeição à lei (artigo 203º CRP), o direito à
coadjuvação das outras entidades (artigo 202º CRP), os princípios da
fundamentação, da obrigatoriedade e da primazia das suas decisões (artigo 205º
CRP), o princípio da publicidade das suas audiências (artigo 206º CRP), entre
outros.
Este órgão
integra um Presidente e 16 Juízes, que são equiparados a Juízes do Supremo
Tribunal de Justiça, sendo que o artigo 29º/1 e 2 da Lei n.º 98/97 afirma que o
Ministério Público é representado, junto da sua sede, pelo Procurador-Geral da
República, diretamente ou por intermédio de um dos seus ajudantes, e, que nas
secções regionais, o Ministério Público é representado pelo magistrado
designado para tal efeito pelo Procurador-Geral da República. Com efeito, o
Tribunal de Contas não exerce somente a função Jurisdicional, na medida em que
uma parte significativa das suas competências são administrativas consultivas e
de controlo, não obstante, o seu respetivo exercício retire proveito da
independência e imparcialidade que caraterizam este órgão como um todo. Segundo
o artigo 214º/1 da CRP, o Tribunal de Contas é o “órgão supremo de fiscalização
da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar
submeter-lhe”. Desta forma, este Tribunal especializado em matérias financeiras,
órgão supremo de controlo, fiscalização e de auditoria das contas públicas, tem
como principais funções:
- Dar parecer sobre a Conta Geral do Estado, incluindo a da segurança social e das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores;
- Fiscalizar prévia, concomitante ou sucessivamente a legalidade financeira e a eficiência económica na gestão dos recursos públicos, por parte do conjunto das entidades públicas e privadas sujeitas à sua jurisdição;
- Efetivar a responsabilidade de dirigentes e funcionários por infrações financeiras, nos termos da lei;
- Elaborar pareceres sobre projetos legislativos em matéria financeira, solicitados pela Assembleia da República ou pelo Governo, e apresentar propostas legislativas;
- Emitir instruções indispensáveis ao exercício das suas competências, a observar pelas entidades sujeitas à sua jurisdição.
A primeira
função é uma função consultiva, de natureza jurídica e financeira, que tem como
fim apoiar o Parlamento no controlo político que faz sobre a ação do Governo.
Anualmente, o Governo prepara e encerra a Conta Geral do Estado, e, antes de o
enviar à Assembleia da República para efeitos de discussão e aprovação, tem que
o mandar para o Tribunal de Contas, que o estuda do ponto de vista da
legalidade administrativa e da regularidade financeira, terminando por emitir
um parecer sobre a vida financeira do Estado em matéria de receitas, despesas,
tesouraria, crédito público, sistemas de controlo interno e património.
A segunda
função, a mais relevante no campo de ação do Direito Administrativo, é uma
função de fiscalização: o Tribunal de Contas pronuncia-se sobre a legalidade
Administrativa e financeira da generalidade das despesas públicas, antes,
durante ou depois de serem efetuadas. Seguindo o enquadramento fornecido pela
Constituição da República e pela Lei de Organização e Processo do Tribunal de
Contas, a função de fiscalização ou controlo financeiro compreende:
- Fiscalização preventiva: o Tribunal intervém numa dupla perspetiva de legalidade administrativa e regularidade financeira. Designadamente, o Tribunal de Contas verifica se os atos, contratos e outros instrumentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras diretas e indiretas tipificados estão conformes com as leis em vigor e se os respetivos encargos têm cabimento em verba orçamental própria, como é possível comprovar a partir da leitura do artigo 44º/1 da Lei nº 98/97, de 26 de agosto. A competência atinente ao exercício desta modalidade de fiscalização é exercida mediante a concessão ou recusa do visto nos atos jurídicos a ela sujeitos ou através da declaração de conformidade. Desta maneira, se estiver tudo correto o Tribunal concede o visto, caso não seja esse o caso, o visto é recusado tendo como consequência a ineficácia do respetivo ato ou contrato.
- Fiscalização concomitante: esta modalidade de fiscalização realiza-se através de auditorias aos procedimentos e atos não sujeitos a visto prévio. O controlo concomitante é aquele que enquanto entidade controladora e não enquanto entidade jurisdicional, o Tribunal de Contas vocacionalmente assume. Acompanha a execução de atos, contratos, orçamentos, programas e projetos e, em geral, a atividade financeira desenvolvida antes do encerramento da respetiva gerência. A esta fiscalização estão sujeitas todas as entidades indicadas no artigo 2º da Lei n.º 98/97 detalhadamente, as entidades que integram o Sector Público Administrativo, quer as que fazem parte do Sector Público Empresarial, bem como as demais entidades que tenham a seu cargo a gestão de recursos públicos.
- Fiscalização sucessiva: exercida depois de terminado o exercício ou a gerência e elaboradas as contas anuais, traduz-se num controlo intenso, não apenas de legalidade escrita, mas de economia, eficácia e eficiência, de todos os procedimentos e operações que envolvam dinheiros públicos, não apenas do Estado e das demais entidades públicas nacionais, mas de igual forma dos diferentes fundos da União Europeia a que o País tem acesso. A verificação das contas pode ser interna ou externa, com recurso a empresas de auditoria, terminando com um relatório que atesta ou não a conformidade das contas com a lei e com as boas práticas de gestão financeira. a auditoria é o meio fundamental da ação controladora deste Tribunal.
A terceira
função corresponde a uma função jurisdicional, procedendo ao julgamento dos
processos de efetivação de responsabilidades financeiras e de multa, a
requerimento das entidades competentes. Trata-se do julgar as pessoas, desde
titulares de órgãos, funcionários ou agentes do setor público administrativo ou
empresarial, até sujeitos privados encarregues da gestão de dinheiros públicos,
por ações ou omissões que estejam na origem de responsabilidade financeira.
Neste âmbito, dentro da responsabilidade financeira é possível distinguir a
responsabilidade financeira reintegratória e a responsabilidade financeira
sancionatória. A primeira que obriga à reposição dos montantes indevidamente
pagos ou recebidos ou de receitas não cobradas, e, a segunda que resulta no
pagamento de multas pecuniárias. É necessário ter em atenção que a responsabilidade
sancionatória não é uma alternativa à responsabilidade reintegratória, isto é,
a aplicação de multas não prejudica a efetivação da responsabilidade pelas
reposições devidas, se for esse o caso.
Finalmente, as
últimas duas funções do Tribunal de Contas têm uma natureza consultiva e
normativa.
As competências
essencialmente administrativas do Tribunal de Contas encontram-se genericamente
previstas no artigo 6º da Lei nº 98/97, de 26 de agosto, nomeadamente a
aprovação do Regulamento do Tribunal, a emissão das instituições indispensáveis
ao exercício das suas competências, a elaboração e publicação do relatório
anual da sua atividade, a proposta das medidas legislativas e administrativas
necessárias ao exercício das suas competências e a abonação aos responsáveis de
diferenças de montante não superior ao salário mínimo nacional, quando provenham
de erro involuntário. Também aqui devem incluir-se as aptidões da aprovação do
seu orçamento anual, a definição das linhas gerais de organização e
funcionamento dos seus serviços de apoio técnico, e ainda a capacidade de
publicar instruções dirigidas às entidades sujeitas à fiscalização do Tribunal
de Contas.
O Tribunal de
Contas tem assim funções diversas que vão desde a capacidade para fazer
apreciações nos vários domínios das Finanças Públicas e do Direito Orçamental,
até ao exercício de diversos tipos de fiscalização e à aplicação de sanções que
a lei manda aplicar com vista a apurar responsabilidades financeiras. Perante a
necessidade de ver assegurada a disciplina financeira e orçamental, e de
garantir o rigor e a transparência na gestão dos dinheiros públicos, o Tribunal
de Contas é confrontado com desafios diversos e complexos devido aos novos
modos de gestão dos serviços públicos, à transformação do Estado Social num
Estado Regulador, à adoção pela Administração Pública de formas
jurídico-privadas de atuação, bem como às exigências de qualidade acrescida das
despesas públicas. Neste sentido, o Tribunal não pode deixar de assumir um
papel, no dia a dia, que vise contrariar a imprevisibilidade, a instabilidade,
a complexidade, e incerteza, fatores que favorecem a evasão fiscal e a
corrupção.
Em suma, o
Tribunal de Contas, com competências amplas e complexas, não apenas
jurisdicionais, mas também de auditoria e controlo da legalidade dos atos
financeiros relacionados com a atividade administrativa, desempenha uma função
que cada vez mais tem vindo a ganhar importância, sobretudo em razão da sua
inserção no sistema europeu de órgãos superiores de fiscalização e auditoria.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume
I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015
CABRAL, Nazaré da Costa; MARTINS,
Guilherme Waldemar D’Oliveira. Finanças Públicas e Direito Financeiro – Noções
Fundamentais, AAFDL Editora, 2016
SAMPAIO, Carlos de Almeida, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues,
Volume II, Coimbra Editora, 2001
Mariana Nunes
N.º de aluno 56984
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