O direito administrativo é um ramo do direito composto por regras e princípios que dizem respeito à função administrativa. É, segundo o critério de classificação do “interesse prosseguido”, um direito público, pelo facto de a função administrativa prosseguir interesses públicos. Este é o núcleo essencial do direito administrativo. Após a exposição do seu âmbito de aplicação e características gerais, abre-se o caminho para de seguida analisar as relações e distinções entre o direito administrativo e os outros ramos do
direito.
O seu âmbito de aplicação abrange não só o
funcionamento da administração pública enquanto órgão, como também a atuação de
todos os sujeitos jurídicos no exercício da função administrativa.
Abrange ainda todos os setores do direito administrativo que
não tenham uma regulação especial (designada de direito administrativo
especial, em razão dos seus objetos específicos e divergências de regime face
ao direito administrativo comum). Além disso, subsidiariamente, pode ser
aplicada a vários outros ramos de direito, como por exemplo o direito privado,
não sendo um direito exclusivo da função administrativa.
O professor Marcelo Rebelo de
Sousa aponta ainda outras características do direito administrativo: é fortemente
condicionado pelas conceções políticas, económicas, culturais e até constitucionais
do momento (o que se afigura natural, visto que integra o direito público); é
fragmentário (uma vez que não regula globalmente o exercício da função
administrativa, facto explicável pela lenta separação do direito administrativo
ao direito privado e pelo surgimento de novos setores da vida social que
requerem um regime próprio); apresenta lacunas e uma razoável margem de
liberdade à administração pública, devido às diferentes configurações que o
interesse público pode tomar casuisticamente; não é codificado na sua
totalidade, devido a fatores como a sua natureza fragmentária, juventude e
mutabilidade conjuntural (tal como mencionada anteriormente).
De seguida, apresentam-se as relações e distinções
entre o direito administrativo e os outros ramos do direito.
Direito administrativo
e Direito constitucional
Durante o Estado liberal, a Constituição tinha uma
menor importância para o direito administrativo, uma vez que esta limitava-se a
estabelecer os órgãos políticos estaduais e alguns direitos fundamentais dos
indivíduos.
A partir do Estado social até à atualidade, o
direito constitucional, enquanto base de todo o direito público do Estado,
encontra-se indissociavelmente ligado ao direito administrativo, acabando este último
por expressar o modelo concretizado numa Constituição. Tanto até, que Fritz
Werner afirma que o “direito administrativo é o direito constitucional
concretizado”.
Por exemplo, opções constitucionais como a
centralização, descentralização, o sistema económico e o regime político, influenciam
marcadamente o direito administrativo.
De facto, e na nossa ordem jurídica, existem vários
pontos de convergência entre estes dois ramos do Direito:
·
Várias normas constitucionais, presentes na Constituição
da República Portuguesa (doravante “CRP”) são formalmente consideradas como
apenas pertencentes ao direito constitucional, por estarem plasmadas nesse
texto constitucional. No entanto, tendo em conta a sua natureza e conteúdo,
rapidamente se conclui que materialmente são normas de Direito administrativo.
o É
o caso de muitas normas referentes à organização e a atividade da Administração
Pública, ao poder local, à polícia e às forças armadas, à intervenção
económica, social e cultural por parte do Estado, e aos tribunais
administrativos (veja-se, por exemplo, a parte II, e os títulos VIII, IX e X da
Parte III).
·
A CRP também consagra órgãos políticos, que são
alvo de regulação pelo direito administrativo, contribuindo para a execução e
garantia da Constituição. A título de exemplo, o Governo, embora com o seu
estatuto de órgão político expresso na CRP, tem funções administrativas,
reguladas em leis administrativas avulsas.
Direito administrativo
e Direito internacional
O Direito internacional é, simplicissimamente definido,
um direito que provém de fontes internacionais.
Frequentemente o direito internacional não vigente
em ordens jurídicas estaduais, como o que vigora nas organizações
internacionais, aproxima-se com o direito administrativo: é o caso do “direito
administrativo internacional”, que regula a estrutura e o funcionamento desses
sujeitos internacionais não estaduais, bem como o exercício da sua função
administrativa.
Não obstante, muitas das normas de direito
internacional têm vigência interna nos Estados, podendo deste modo
simultaneamente constituir normas de direito administrativo.
De facto, é regular a prática dos Estados de se
vincularem internacionalmente a tratados com normas jurídicas aplicáveis às
administrações públicas internas das partes (“Direito Internacional
Administrativo”).
Inversamente, o direito administrativo interno
contribui efetivamente para o desenvolvimento e depuração normativa,
jurisprudencial e científica do direito comunitário europeu.
Em Portugal, a CRP prevê no artigo 8.º a receção
automática e plena do direito internacional na ordem jurídica portuguesa e a
primazia do direito internacional face ao direito ordinário interno, que por
sua vez abrange normas de direito administrativo.
Direito administrativo
e Direito penal
O direito penal, enquanto ramo de direito público
que estabelece a responsabilidade criminal (ao qualificar certos factos como
crimes) e a consequente aplicação de penas criminais (as sanções mais graves
aplicáveis pela ordem jurídica em resposta aos factos ilícitos mais graves),
apresenta simultaneamente pontos de contacto como pontos divergentes em relação
ao direito administrativo.
Começando pelas distinções entre estes dois ramos do
direito, segundo a opinião do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o direito
penal é essencialmente repressivo (ou seja, pretende estabelecer as penas
aplicadas aos autores dos crimes) enquanto que o direito administrativo é
essencialmente preventivo (ou seja, pretende estabelecer precauções de modo a
evitar atos criminosos).
A título de exemplo, veja-se que o direito fundamental
da vida é salvaguardado pelo direito penal pela proibição do homicídio e pelo
estabelecimento da sua sanção penal correspondente. Por outro lado, as normas com
vista a evitar o acontecimento desse crime (exceto a função de prevenção da
própria sanção penal para o autor do crime) são do âmbito do direito
administrativo, através da atribuição de poderes à polícia para investigar
crimes, fiscalizar locais, entre outros.
O Professor Diogo Freitas do Amaral comenta esta
visão, conotando-a simplista, uma vez que ao direito penal não cabem apenas
finalidades repressivas, mas também preventivas, e ao direito administrativo
também cabem fins repressivos.
Quanto às proximidades, referem-se vários pontos,
nomeadamente a relação entre o direito de mera ordenação social e o direito
penal. A sua distinção é feita formalmente, uma vez que materialmente, as
normas de direito de mera ordenação social são não só idênticas às do direito
penal, como influenciadas por este. De facto, enquanto que o direito penal
aplica penas em resposta a crimes, o direito de mera ordenação social aplica
contraordenações, que se traduzem em coimas pecuniárias (embora nunca a
prisão).
Além disso, verifica-se a existência de alguma
sobreposição de objetivos: o direito criminal visa proteger os bens e valores
jurídicos essenciais à sociedade, que frequentemente correspondem aos
interesses públicos prosseguidos pela Administração Pública.
Direito administrativo
e Direito judiciário
O direito judiciário é um ramo do direito público
que regula a função jurisdicional do Estado, nomeadamente a orgânica e
funcionamento dos tribunais.
Logo, à partida é possível traçar a aproximação que
ambos têm como objeto regular o exercício de uma função do Estado em órgãos
específicos.
Existe um importante ramo do direito administrativo
que se aproxima do direito judiciário, especificamente do direito processual
judicial: o direito processual administrativo (ou direito do contencioso
administrativo), que regula os tribunais administrativos.
As suas relações verificam-se, por exemplo, em
normas jurídicas que mandem aplicar supletivamente, nos tribunais
administrativos, o direito processual civil.
Além disso, existem entre os tribunais judiciais e
os administrativos semelhanças de alguns atos praticados no seu funcionamento
interno: os tribunais judiciais realizam atos materialmente administrativos,
como promoções de funcionários, ordens e instruções de serviços.
Direito administrativo e Direito privado, nomeadamente o Direito civil
A relação do direito civil com o
direito administrativo é também composta tanto por divergências estruturais
como por influências mútuas.
Uma das divergências mais notória é a prevalência do
interesse público em sede de direito administrativo por oposição do princípio
da igualdade entre sujeitos, prevalente direito privado.
Outra trata-se do próprio enquadramento do direito
administrativo: enquanto que inicialmente era um direito excecional face ao
direito civil (este último sendo considerado o direito comum), hoje o direito
administrativo é o direito comum da função administrativa, sendo um complexo
normativo autónomo.
Apesar disso, note-se que existem ainda hoje
remissões para o direito civil, embora fortemente condicionadas.
Inversamente, ambos os ramos do direito realizaram
uma influência mútua no desenvolvimento dos seus regimes.
Por exemplo, como aponta o professor Diogo Freitas
do Amaral, o direito civil influenciou o direito administrativo nas bases do
conceito de contrato administrativo e da teoria da responsabilidade civil da
administração, bem como no princípio da boa fé. De facto, as semelhanças
técnicas justificam-se pela inicial extração de soluções, conceitos,
instrumentos e denominações ao direito civil, uma vez que o direito civil era
considerado o “repositório comum da tradição jurídica europeia”.
Já atualmente o direito administrativo influenciou o
direito civil na construção da figura do ato, e particularmente do negócio
jurídico unilateral, pela teoria do ato administrativo; pela construção do
instituto da alteração das circunstâncias, entre outros. Logo, nos dias de hoje
a tendência é inversa: o direito civil inspira-se no direito administrativo,
por ser também altamente depurado em termos de ciência jurídica.
Em suma, concluo que o direito administrativo, enquanto ramo de direito
inserido numa ordem jurídica que se pretende complexa, sistemática e conexa, tem
inevitavelmente (e como qualquer outro ramo de direito) pontos de contacto com
os demais ramos. Apesar da também inevitável existência de pontos divergentes
na comparação entre os ramos de direito, o crescimento das zonas em que se nota
alguma sobreposição de regimes, ou princípios, ou objetivos, permite-me
constatar que a distinção entre ramos de direito ou entre direito público e
privado é cada vez mais ténue e provavelmente falharia uma total dedução lógica
e racional, pelo que à luz da ciência jurídica atual justifica-se maioritariamente
apenas por motivos histórico-culturais.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª edição, Almedina, Coimbra,
2015
CAUPERS João, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª
edição, 2009
OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo I,
Almedina, Coimbra, 2015
CAETANO, Marcello. Manual De Direito
Administrativo. 4ª ed., Coimbra Editora, LDA, 1963.
REBELO DE SOUSA, Marcelo / SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo Geral- tomo I,
14ª edição, D. Quixote, Lisboa
Rafael Matias, subturma 10, nº 57046
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