sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Breve comparação entre os sistemas administrativos de tipo britânico e francês

   O Direito anglo-saxónico (common law) é diferente do romano-germânico, tendo aquele como principais características a lenta formação, o papel relevante do costume, a Constituição não formal, a importância das decisões dos tribunais para definir Direito e a grande independência dos juízes.
   O sistema administrativo de tipo britânico é, então, diferente daquele de tipo francês. Aqui apresentarei as principais características deste tipo de sistema administrativo. Na separação de poderes consagrado nos séculos XVll e XVlll, durante a Revolução Gloriosa, o Rei ficou proibido de se intrometer em questões de índole judicial, tendo John Locke tido um papel importante de influência neste princípio, através da sua filosofia política. Desde esta época, o poder judicial já se destacava dos outros poderes. Associado a isto de forma particularmente direta, vem a ideia de descentralização, distinguindo administração central de administração local. As autarquias locais tinham, contudo, bastante autonomia quanto ao controlo feito pela administração central, sendo estas encaradas como entidades independentes.
   Em 1215, consagraram-se na Magna Carta (sendo João de Inglaterra seu autor), os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos britânicos, sendo mais tarde, em 1689, adoptados pelo Bill of Rights, documento elaborado pelo Parlamento Inglês. Desde então que o Rei fica subordinado ao Direito, uma vez que se estabelecia que a todos os ingleses, sem exceção, era aplicável o Direito comum. Também a Administração Pública estava subordinada aos tribunais comuns, pelo que estavam proibidos de invocar imunidades e privilégios, pois havia igualdade perante a Lei, tanto para os entes públicos como para os particulares. Como tal, as soluções jurídicas eram as mesmas tanto para os problemas da Administração Pública, como para os da esfera privada. Consequentemente, e como já foi referido, tanto o Rei, como os órgãos administrativos, como os súbditos se encontravam todos submetidos ao mesmo direito, isto é, ao direito comum. Como tal, ninguém tem mais privilégios que os outros, encontrando-se todos no mesmo patamar legal. Na minha opinião, é este facto que devia estar a ser observado não apenas em teoria, mas principalmente na prática. É muito fácil redigir um texto, chamar-lhe de Constituição, e dizer que na prática, esta é inviolável. Contudo, o que se verifica é que a Constituição é o texto normativo mais violado, infelizmente, por todos e muitas vezes nem há consequências para aqueles que a violaram. Ou se as há, acabam por ser bastante atenuadas.
   Neste tipo de sistema administrativo, a Administração Pública não pode executar as suas decisões por sua própria autoridade. Ou seja, se a Administração central ou local tomar uma decisão desfavorável quanto a um particular e se este não a acatar, os órgãos administrativos não podem usar a coacção para ver a sua decisão realizada. Terá de recorrer ao tribunal comum para obter, ou não, deste uma sentença que torne imperativa a tal decisão. Aqui se encontra presente o princípio da execução judicial das decisões administrativas, estando este associado ao facto de os cidadãos disporem de um conjunto de garantias contra as ilegalidades e abusos da Administração Pública. Os particulares podem, se virem que os seus direitos estão a ser desrespeitados, recorrer ao tribunal superior (ao King’s bench), para que esta situação não ocorra e para que haja justiça. Daqui podem os juízes anular decisões ilegais e ordenar às autoridades administrativas que cumpram a Lei. Se mesmo assim estas a violarem, podem ser presos por desobediência.
   Concluímos, então, que este tipo de sistema administrativo é regido por um preponderante papel do poder judicial, sendo denominado também por sistema de administração judiciária. Para além de vigorar em Inglaterra, vigora também na generalidade dos países anglo-saxónicos, tais como os Estados Unidos da América, os países da América Latina e o Brasil (sem esquecer, pois claro, que cada um apresenta, no particular, características diferentes, apesar de, no geral, ter características comuns a todos).
   O sistema administrativo de tipo britânico nada tem a ver com o de tipo francês. Para começar, a separação de poderes em França deu-se ainda mais tarde do que em Inglaterra, uma vez que no primeiro país foi com a Revolução Francesa em 1789 e no segundo foi por força da lei de abolição de 1641. Contudo, o princípio estabelecido em França foi muito mais exato (tripartição de poderes) do que em Inglaterra. Talvez porque ao longo do tempo as mentes vão evoluindo.
   O Estado de Direito em Inglaterra foi iniciado com a Magna Carta em 1215, e em França este só foi estabelecido com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, visto que o seu artigo 16º ordena que sejam cumpridos os direitos. Mas a fim de contas, em ambos os países, se enunciaram os direitos do indivíduo contra o Estado.
   Uma diferença mais evidenciada entre estes dois sistemas é a descentralização no de tipo britânico e a centralização no de tipo francês. Como vimos, em Inglaterra e nos países de direito anglo-saxónico há uma rígida separação entre administração central e administração local, sendo que esta última tem uma autonomia grande. Enquanto em França, Napoleão procedeu a uma centralização hierarquizada dos órgãos administrativos, sendo que as autarquias locais, na prática, são apenas meros instrumentos da administração central.
   Outra particularidade que permite distinguir os dois é o facto de no sistema administrativo de tipo britânico a Administração se encontrar submetida a tribunais comuns, e no de tipo francês esta está subordinada aos tribunais administrativos, criados em 1799, que não sendo verdadeiros tribunais, eram órgãos administrativos. Também nos países de direito anglo-saxónico a Administração é subordinada ao direito comum e nos de direito romano-germânico submete-se ao direito administrativo. Tal particularidade advém do facto de nos países de família romano-germânica, a distinção entre direito público e privado estar melhor evidenciada.
   Em Inglaterra, por exemplo, existe a chamada execução judicial das decisões administrativas, e em França, há o chamado privilégio da execução prévia, que permite que a Administração execute as próprias decisões por sua autoridade, através de meios coativos. Como vimos anteriormente, no sistema de tipo britânico tal seria impensável, uma vez que são os tribunais que tornam imperativas as decisões.
   Por último, as garantias jurídicas dos particulares face à Administração são menores no sistema administrativo de tipo francês do que no britânico, visto que naquele são efectivadas por tribunais administrativos e não por tribunais comuns, trazendo como consequência e causa o facto de os tribunais serem independentes perante a Administração e vice-versa. Deste modo, o tribunal administrativo só pode anular o ato praticado se ele for ilegal.
   O sistema administrativo de tipo francês vigora hoje em todos os países continentais da Europa Ocidental e em muitos Estados que se formaram no século XX. Entre os países encontra-se Portugal, desde 1832, apesar de haver várias adaptações que distanciam a administração portuguesa da francesa.

Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, l, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015

Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 1ª Edição, Vol. I 

Mª Teresa Mendonça, nº 56696 TB10

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