Breve comparação entre os sistemas administrativos de
tipo britânico e francês
O Direito anglo-saxónico (common law) é diferente do romano-germânico,
tendo aquele como principais características a lenta formação, o papel
relevante do costume, a Constituição não formal, a importância das decisões dos
tribunais para definir Direito e a grande independência dos juízes.
O sistema administrativo de tipo
britânico é, então, diferente daquele de tipo francês. Aqui apresentarei as
principais características deste tipo de sistema administrativo. Na separação
de poderes consagrado nos séculos XVll e XVlll, durante a Revolução Gloriosa, o
Rei ficou proibido de se intrometer em questões de índole judicial, tendo John
Locke tido um papel importante de influência neste princípio, através da sua
filosofia política. Desde esta época, o poder judicial já se destacava dos
outros poderes. Associado a isto de forma particularmente direta, vem a ideia
de descentralização, distinguindo administração central de administração local.
As autarquias locais tinham, contudo, bastante autonomia quanto ao controlo
feito pela administração central, sendo estas encaradas como entidades
independentes.
Em 1215, consagraram-se na Magna
Carta (sendo João de Inglaterra seu autor), os direitos, liberdades e garantias
dos cidadãos britânicos, sendo mais tarde, em 1689, adoptados pelo Bill of
Rights, documento elaborado pelo Parlamento Inglês. Desde então que o Rei fica
subordinado ao Direito, uma vez que se estabelecia que a todos os ingleses, sem
exceção, era aplicável o Direito comum. Também a Administração Pública estava
subordinada aos tribunais comuns, pelo que estavam proibidos de invocar
imunidades e privilégios, pois havia igualdade perante a Lei, tanto para os
entes públicos como para os particulares. Como tal, as soluções jurídicas eram
as mesmas tanto para os problemas da Administração Pública, como para os da
esfera privada. Consequentemente, e como já foi referido, tanto o Rei, como os órgãos
administrativos, como os súbditos se encontravam todos submetidos ao mesmo
direito, isto é, ao direito comum. Como tal, ninguém tem mais privilégios que
os outros, encontrando-se todos no mesmo patamar legal. Na minha opinião, é
este facto que devia estar a ser observado não apenas em teoria, mas
principalmente na prática. É muito fácil redigir um texto, chamar-lhe de
Constituição, e dizer que na prática, esta é inviolável. Contudo, o que se
verifica é que a Constituição é o texto normativo mais violado, infelizmente,
por todos e muitas vezes nem há consequências para aqueles que a violaram. Ou se
as há, acabam por ser bastante atenuadas.
Neste tipo de sistema
administrativo, a Administração Pública não pode executar as suas decisões por sua
própria autoridade. Ou seja, se a Administração central ou local tomar uma decisão
desfavorável quanto a um particular e se este não a acatar, os órgãos administrativos
não podem usar a coacção para ver a sua decisão realizada. Terá de recorrer ao
tribunal comum para obter, ou não, deste uma sentença que torne imperativa a
tal decisão. Aqui se encontra presente o princípio da execução judicial das decisões
administrativas, estando este associado ao facto de os cidadãos disporem de um
conjunto de garantias contra as ilegalidades e abusos da Administração Pública.
Os particulares podem, se virem que os seus direitos estão a ser
desrespeitados, recorrer ao tribunal superior (ao King’s bench), para que esta
situação não ocorra e para que haja justiça. Daqui podem os juízes anular decisões
ilegais e ordenar às autoridades administrativas que cumpram a Lei. Se mesmo
assim estas a violarem, podem ser presos por desobediência.
Concluímos, então, que este tipo
de sistema administrativo é regido por um preponderante papel do poder
judicial, sendo denominado também por sistema de administração judiciária. Para
além de vigorar em Inglaterra, vigora também na generalidade dos países anglo-saxónicos,
tais como os Estados Unidos da América, os países da América Latina e o Brasil
(sem esquecer, pois claro, que cada um apresenta, no particular, características
diferentes, apesar de, no geral, ter características comuns a todos).
O sistema administrativo de tipo
britânico nada tem a ver com o de tipo francês. Para começar, a separação de
poderes em França deu-se ainda mais tarde do que em Inglaterra, uma vez que no
primeiro país foi com a Revolução Francesa em 1789 e no segundo foi por força
da lei de abolição de 1641. Contudo, o princípio estabelecido em França foi
muito mais exato (tripartição de poderes) do que em Inglaterra. Talvez porque
ao longo do tempo as mentes vão evoluindo.
O Estado de Direito em Inglaterra foi
iniciado com a Magna Carta em 1215, e em França este só foi estabelecido com a
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, visto que o seu artigo
16º ordena que sejam cumpridos os direitos. Mas a fim de contas, em ambos os
países, se enunciaram os direitos do indivíduo contra o Estado.
Uma diferença mais evidenciada
entre estes dois sistemas é a descentralização no de tipo britânico e a
centralização no de tipo francês. Como vimos, em Inglaterra e nos países de
direito anglo-saxónico há uma rígida separação entre administração central e
administração local, sendo que esta última tem uma autonomia grande. Enquanto em
França, Napoleão procedeu a uma centralização hierarquizada dos órgãos administrativos,
sendo que as autarquias locais, na prática, são apenas meros instrumentos da administração
central.
Outra particularidade que permite
distinguir os dois é o facto de no sistema administrativo de tipo britânico a
Administração se encontrar submetida a tribunais comuns, e no de tipo francês esta
está subordinada aos tribunais administrativos, criados em 1799, que não sendo
verdadeiros tribunais, eram órgãos administrativos. Também nos países de
direito anglo-saxónico a Administração é subordinada ao direito comum e nos de
direito romano-germânico submete-se ao direito administrativo. Tal particularidade
advém do facto de nos países de família romano-germânica, a distinção entre
direito público e privado estar melhor evidenciada.
Em Inglaterra, por exemplo, existe
a chamada execução judicial das decisões administrativas, e em França, há o
chamado privilégio da execução prévia, que permite que a Administração execute
as próprias decisões por sua autoridade, através de meios coativos. Como vimos
anteriormente, no sistema de tipo britânico tal seria impensável, uma vez que
são os tribunais que tornam imperativas as decisões.
Por último, as garantias jurídicas
dos particulares face à Administração são menores no sistema administrativo de
tipo francês do que no britânico, visto que naquele são efectivadas por
tribunais administrativos e não por tribunais comuns, trazendo como consequência
e causa o facto de os tribunais serem independentes perante a Administração e
vice-versa. Deste modo, o tribunal administrativo só pode anular o ato
praticado se ele for ilegal.
O sistema administrativo de tipo francês
vigora hoje em todos os países continentais da Europa Ocidental e em muitos
Estados que se formaram no século XX. Entre os países encontra-se Portugal,
desde 1832, apesar de haver várias adaptações que distanciam a administração portuguesa
da francesa.
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas,
Curso de Direito Administrativo, l, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015
Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo,
1ª Edição, Vol. I
Mª Teresa Mendonça, nº 56696 TB10
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