A
Administração Pública encontra-se subordinada a um conjunto de regras e
princípios orientadores da sua conduta. Não existem hoje áreas da Administração
Pública isentas de vinculação ao Direito – todos os órgãos e agentes
administrativos estão subordinados à Constituição e à lei.
É
importante salientar que de acordo com a visão liberal do século XIX do
princípio da legalidade administrativa, a discricionariedade consistia na
liberdade de atuar sempre que a lei não o proibia, porém, hoje em dia
entende-se como a liberdade de escolher
só quando e na medida que a lei o permitir. A discricionariedade não
constitui uma exceção, mas afirmação do princípio da legalidade.
O poder
discricionário é um poder-dever jurídico e, como tal, resulta necessariamente da
lei. Contudo, é da própria competência que resulta a discricionariedade - o
órgão está sempre vinculado a agir nos termos e dentro dos limites da
competência que lhe é conferida. Em matéria administrativa, segue-se também o princípio da competência (art. 36º do
CPA).
A lei não
regula sempre do mesmo modo os atos a praticar pela Administração Pública: umas
vezes pormenoriza, outras vezes não associa à situação jurídica por si definida
uma consequência jurídica, antes habilita a Administração a determinar por si
própria essa mesma consequência. Segundo o professor PAULO OTERO, há sempre um
espaço de criação do Direito, o qual confere protagonismo à Administração.
A norma
jurídica que concede a discricionariedade vem sempre associada a um interesse público que deverá ser aquele
a ser prosseguido. O interesse público está
interligado com o bem comum, que transcende o interesse de cada um de nós, pelo
que a Administração aplica a vontade da coletividade, segundo o professor PAULO
OTERO. Logo, é o interesse público que norteia a atividade da Administração Pública,
de acordo com o professor MARCELO REBELO DE SOUSA.
Na maioria
dos casos, a discricionariedade tem o seu fundamento não só em razões práticas, uma vez que o
legislador reconhece que não lhe é possível prever antecipadamente todas as
circunstâncias em que Administração vai ter de atuar, nem lhe é possível dispor
acerca das melhores soluções para prosseguir o interesse público; como também
em razões jurídicas, o poder
discricionário visa assegurar o tratamento equitativo de casos individuais e fundamenta-se
no princípio da separação de poderes. É a conjugação desta ordem de razões que
justifica uma abertura no grau de densidade das normas, através do qual se
confere à Administração competência para assegurar uma melhor adequação da
decisão às circunstâncias concretas.
A discricionariedade
resulta de uma opção do legislador. O legislador considerou que, para melhor
prosseguir um certo interesse público, a Administração Pública deveria escolher
um de vários interesses – aquele que, no entender do órgão decisor, seja o
melhor a prosseguir. O legislador quis que este dispusesse de uma margem de liberdade
de decisão, por forma a poder adaptar a sua decisão à diversidade das condições
de vida.
Ora, a vinculação
ao fim tem sido vista como a necessidade de confirmar o exercício da discricionariedade
com o interesse público visado pela norma que a concede.
A vinculação e a discricionariedade são os dois elementos que qualquer decisão administrativa comporta, em proporções variáveis.
A vinculação e a discricionariedade são os dois elementos que qualquer decisão administrativa comporta, em proporções variáveis.
Segundo o
professor DIOGO FREITAS DO AMARAL, não há atos totalmente vinculados, nem atos
totalmente discricionários. Os atos administrativos são sempre o resultado de
uma combinação, entre o exercício de poderes vinculados e de poderes
discricionários. Os atos administrativos são vinculados em relação a certos
aspetos e discricionários em relação a outros. Porém, existem certos aspetos no poder discricionário, tais
como a competência e o fim do ato administrativo, que são sempre vinculados.
O professor
VASCO PEREIRA DA SILVA considera que o poder discricionário é um poder
vinculado, é um poder de realizar as opções do ordenamento jurídico. A Administração
não tem poderes livres, está sempre submetida à lei. Apesar de ser concedida à Administração
uma mais ampla margem de escolha, essa margem não significa que esta seja livre.
Se a Administração violar os princípios a que está obrigada, essa violação é
controlada pelo juiz. O juiz controla todos os aspetos vinculados do exercício
do poder. E, por isso, a ideia de considerar que existem reservas de
administração, que existem situações que não podem, em caso algum, ser
controladas pelo juiz, é algo que não corresponde ao nosso ordenamento
jurídico. A Constituição da República Portuguesa estabelece o princípio da
legalidade, no seu artigo 266º, assim como o Código de Procedimento
Administrativo, no seu artigo 3º, que regula toda a atuação administrativa, quer
no quadro dos poderes vinculados, quer no quadro dos poderes discricionários. Todos
os domínios da administração estão sujeitos ao controlo jurisdicional, pelo que
não existem tais reservas. Esse controlo pode ser diferenciado, mais intenso no
quadro dos poderes vinculados e menos intenso no dos poderes discricionários,
mas abrange todos os poderes.
De acordo com
o professor DIOGO FREITAS DO AMARAL, para haver discricionariedade é necessário
que a lei atribua à Administração o poder de escolha entre várias alternativas
diferentes de decisão, quer estas sejam contraditoriamente opostas (como
conceder ou não uma autorização) ou estejam numa relação disjuntiva (como a
nomeação de um funcionário para um determinado posto de uma lista nominativa de
cinco). O órgão administrativo é obrigado a encontrar a melhor solução para o
interesse público, o que demonstra que o poder discricionário não é um poder
livre, dentro dos limites da lei, mas um poder jurídico, equivalendo à
obrigação de escolher a solução mais acertada e não apenas a uma livre escolha
entre várias soluções legalmente possíveis. A decisão administrativa tem de ser
racional e ponderada, não
deve ser fruto de um capricho ou emoção. A execução das leis (seja pelo
funcionário público, seja pelo juiz) envolve uma certa criação por parte do aplicador na definição da regra de decisão no
caso concreto.
Os
tribunais administrativos não podem anular uma decisão da Administração com o
fundamento de que tal decisão não é tecnicamente a mais acertada, nem podem
substituir as decisões tomadas por outras que lhes parecem mais convenientes na
prossecução do interesse público. Não há controlo jurisdicional de mérito - controlo com base numa ideia de
conveniência, oportunidade e eficiência da
conduta adotada, ou seja, a adequação do interesse publico específico e a necessidade
de harmonização deste com os demais interesses públicos eventualmente afetados
pelo ato. Salvo num caso limite: o de uma criação administrativa tomada com
base em erro manifesto, ou seja, com
base em situações de desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua
vertente de adequação. Nesse caso,
entende-se que a Administração excede os seus poderes e sai do campo de
discricionariedade para entrar no de ilegalidade, motivo pelo qual o tribunal
administrativo pode anular a decisão tomada pela Administração. Se a Administração
desrespeitar a vinculação a que está adstrita, a ordem jurídica tem três
respostas possíveis a dar: inconstitucionalidade (consubstanciando uma violação
direta e imediata de normas da Constituição), ilegalidade direta ou indireta
(violação de norma ordinária) ou ilicitude (violação de uma conduta
administrativa de forma intencional e consciente).
O que se entende como discricionário
num ato da administração?
Não só o momento de prática do ato, em que a Administração poderá ter a
faculdade de praticar o ato agora ou mais tarde, conforme entender; como a
decisão de praticar ou não certo ato administrativo, que pode ser um aspeto
discricionário; a determinação de factos e interesses relevantes para a
decisão, mediante avaliações próprias da situação concreta; a determinação do
conteúdo concreto da decisão a tomar; a forma a adotar para o ato
administrativo; as formalidades na preparação ou prática do ato administrativo;
a fundamentação ou não da decisão, visto que nem sempre a lei impor a
fundamentação do ato administrativo; e a faculdade de apor ou não no ato
administrativo condições, termos, modos e outras cláusulas acessórias.
A
discricionariedade é uma escolha parametrizada, ou seja, tem de ser feita
dentro de certos parâmetros, de acordo com o professor JOÃO CAUPERS. Pode ser limitada,
nomeadamente por limites internos,
como o fim visado pela norma que a confere, mas também pelo princípio da prossecução do interesse
público (art. 4º do CPA); pelo princípio da legalidade (art. 266º da CRP
e art. 3º do CPA), uma vez que a Administração
Pública existe para prosseguir o interesse público, em obediência à lei; pelo dever de boa administração (art. 5º do
CPA), isto é, o dever de a Administração prosseguir o bem comum da forma mais
eficiente possível; o princípio da
imparcialidade administrativa (art. 266°/2 da CRP e art. 9º do CPA), que
impõe a igualdade de tratamento, devendo a Administração ponderar os interesses
públicos envolvidos na decisão antes da adoção de um destes na solução do caso
concreto; o princípio da
proporcionalidade (art. 7º do CPA), através do qual a Administração deve
usar os meios adequados para a prossecução dos interesses públicos, de forma
equilibrada; pela sua própria autovinculação,
ou seja, a Administração Pública pode exercer o seu poder mediante ponderação
do caso concreto ou exercê-lo com base numa previsão ou experiência já
sedimentada, as quais ela própria obedecerá para eventuais futuros casos,
ao vincular-se a uma determinada norma, a Administração está obrigada a cumpri-la,
sob pena de ilegalidade. São igualmente relevantes o princípio da boa-fé (art. 10º do CPA) e o princípio da proteção da confiança dos particulares,
uma vez que reforçam o respeito pelos direitos e interesses legítimos dos
interessados e supõem a valoração da conduta administrativa tendo em conta os
valores do ordenamento jurídico, como os valores constantes dos princípios da
justiça e da igualdade.
A boa administração
implica que as próprias escolhas discricionárias da Administração sejam controladas
pelos tribunais, quando não são equitativas, quando não correspondem ao procedimento
adequado.
BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Diogo Freitas, Curso
de Direito Administrativo, II, 3ª edição, Almedina, 2016
ANDRADE, Vieira, Lições
de Direito Administrativo, 2ª edição, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011
CAUPERS, João, Introdução
ao Direito Administrativo, 5ª edição, Âncora Editora, Lisboa, 2000
CORREIA, Sérvulo, Legalidade
e Autonomia contratual no Contrato Administrativo, Lisboa, 1987
OTERO, Paulo, Legalidade e
Administração Pública - O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade,
Almedina, Coimbra, 2003
OTERO, Paulo, Manual de Direito
Administrativo, I, Almedina, Coimbra, 2013
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Aulas teóricas de Direito Administrativo I
REBELO DE SOUSA, Marcelo, Lições de Direito Administrativo, I, 2ª edição, Pedro Ferreira Editor, Lisboa, 1995
REBELO DE SOUSA, Marcelo; MATOS, André Salgado, Direito Administrativo Geral, I, 2ª edição, Dom Quixote, Lisboa, 2006
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LEGISLAÇÃO
Constituição da República Portuguesa
Código do Procedimento Administrativo
Constituição da República Portuguesa
Código do Procedimento Administrativo
Joana Cardoso,
subturma 10, nº 57075
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