“A relação entre o poder discricionário da A.P e a concretização de
conceitos indeterminados”
Numa primeira nota, cabe-nos
estabelecer uma situação conceitual sobre que tipo de poder é o da discricionariedade
da A.P.
Como sabemos a Administração está
subordinada à lei pelo Principio da legalidade, Art.3º CPA, no entanto essa
regulamentação por vezes é precisa, mas também é imprecisa. Isto significa que
a lei não regula do mesmo modo os atos que a A.P exerce.
Em certos casos a lei esgota
(quase) todos os aspetos da ação administrativa, pormenorizando ao máximo os
ditames em que esta vai atuar. São chamados atos
vinculados, porque o ato administrativo está totalmente sujeito ao que a
lei dispõe para ele, sem ter a opção de escolha nessa atuação – O Ato administrativo
é um ato vinculado.
Noutros casos a lei não esgota
todos os aspetos da ação administrativa, deixando espaço para a Administração
decidir, entre as escolhas existentes, a que melhor se adequa à prossecução do
interesse público, (o principal objeto de atuação da A.P), na sua atuação. São
chamados atos discricionários, porque
a lei deixa uma margem de autonomia à A.P, porque não regula determinada
situação nessa atuação administrativa, tendo neste caso a A.P que decidir tendo
em conta a sua experiência de gestão pública. – O Ato administrativo é um ato discricionário.
Quando se fala em
discricionariedade, podemos aludir a 4 tipos principais:
· Discricionariedade
de ação – liberdade da A.P em agir ou não agir desse modo
· Discricionariedade
de escolha – liberdade da A.P em escolher duas ou mais atuações possíveis definidas
pela lei
· Discricionariedade
criativa – liberdade da A.P para criar uma atuação concreta dentro dos limites
que a lei lhe confere ao caso concreto aplicáveis
· A cumulação
dos 3 tipos de discricionariedade – a junção da discricionariedade de ação, de escolha e criativa
Será mais evidente com exemplos
reais:
- Art.145º/3 CPA: “O autor da revogação pode, no próprio ato,
atribuir-lhe (OU NÃO) eficácia retroativa” – Discricionariedade de ação, porque a administração pode agir ou
não agir desse modo em relação ao ato administrativo;
- Art.100º/2 CPA: “O órgão instrutor decide, em cada caso, se a audiência
dos interessados é escrita ou oral” – Discricionariedade
de escolha, pois permite à administração escolher qual das duas
opções, (ou mais), dadas pela lei prefere proceder;
- Art.157º/1 CPA: “Em caso de execução para prestação de facto fungível,
a administração notifica o obrigado para que proceda à prática do ato devido,
fixando um prazo razoável para o seu cumprimento” – Discricionariedade criativa, porque é atribuída à administração
a liberdade de criar um prazo (embora razoável) para o cumprimento do ato
devido;
- Art.174º/2 CPA: “O órgão competente para decidir o recurso pode, se
for caso disso, anular, no todo ou em parte, o procedimento administrativo e
determinar a realização de nova instrução ou de diligencias complementares” –
Aqui temos a cumulação dos 3 tipos de discricionariedade, de ação, de
escolha e criativa:
ü
O poder
de anular ou não o procedimento é uma discricionariedade
de ação, pois pode o órgão competente querer agir ou não nesse sentido
ü
O poder de anular no todo ou em parte é uma discricionariedade de escolha, porque o órgão competente pode aqui
escolher entre 2 opções, assim como o poder de escolher entre realizar nova instrução ou de realizar
diligencias complementares
ü
O poder de realizar
diligencias complementares é uma discricionariedade
criativa porque permite ao órgão competente criar um critério que
complemente o procedimento
Importa, no entanto, perceber que
os atos não são totalmente vinculados nem totalmente discricionários. Quase
todos os atos são a combinação destas duas formas típicas pela qual a lei delineia
a atividade da administração.
Importa ainda referir que o processo
de discricionariedade que a A.P faz na sua atividade administrativa tem de ser
feito de um certo modo:
1.
A A.P tem de perceber se realmente está
vinculada à lei ou se existe espaço para que a sua atuação seja “autonomamente”
escolhida por si
2. A A.P tem de partir da situação concreta
para adequar a sua atuação nas possíveis escolhas conferidas pela lei
3.
A A.P tem de testar essa atuação que
escolheu tendo em conta a situação concreta e a sua normal ou habitual relevância
em relação à prossecução do interesse público
É um raciocínio que a A.P faz de “juízos de prognose”, ou seja, esta tem
de adequar a sua liberdade de escolha de atuação em todos os diferentes casos
concretos que se depara com a realidade mutatória da sociedade em que se
insere, de modo a escolher em consonância com o atual interesse público.
Como nos dizia Hartmut Maurer o “poder discricionário e conceito
indeterminado formam seguramente o domínio mais controverso do Direito
administrativo” e é neste sentido que pretendemos continuar a nossa exploração
sobre o poder discricionário.
Será a interpretação de conceitos
indeterminados uma atividade vinculada ou discricionária?
É verdade que quando se procede à
interpretação da lei temos de ter em conta a vontade do legislador, o mesmo é
dizer que neste aspeto a administração está vinculada e obrigada a descobrir o
verdadeiro significado destes conceitos decorrentes da vontade da lei e por
isso não dispõe de um poder discricionário e há espaço até para que os
tribunais possam controlar essa vinculação, procedendo também à determinação
desse conceito posteriormente.
Mas, o prof. Freitas Do Amaral explica que os conceitos indeterminados não
têm todos a mesma denotação e apresentam “liberdades de conceituar” diferentes,
ou seja, por um lado existem conceitos indeterminados que necessitam apenas de
ser sujeitos a operações de interpretação da lei (Conceitos descritivos como denomina ENGISCH e Rogério
Soares entende-os como conceitos-classificatórios),
por outro lado existem conceitos indeterminados que funcionam claramente como
um utensilio que a lei utiliza para atribuir à administração
discricionariedade.
Vejamos então estas duas
hipóteses de concretizar conceitos indeterminados:
Ø
São conceitos legais cuja indeterminação
apenas se resume a problemas de linguagem e por isso podem ser
concretizados através de “raciocínios
teorético-discursivos”, ou seja, é através da interpretação da lei que a
A.P terá de conceituar, aplicando ou conhecimentos jurídicos ou bases de
experiências comuns.
Como neste
caso a A.P está vinculada à lei e não existe espaço para poder exercer qualquer
tipo de discricionariedade nessa conceitualização, os tribunais podem
intervir posteriormente para avaliar a decisão administrativa, anulando-a ou
não conforme fosse a sua escolha se estivessem no lugar da A.P.
Ø
São conceitos legais cuja indeterminação
precisa de uma concretização valorativa por parte do órgão competente
administrativo.
No entanto,
existem casos e casos e por isso a valoração por vezes deve ser objetiva
e noutras vezes subjetiva:
- A valoração objetiva acontece quando a lei não pretende que a A.P
concretize esses conceitos de um modo pessoal, ou seja, pretende-se que aluda
ao que é normalmente aceite como eticamente válido na sua ordem jurídica e
estadual, tendo em conta as conceções morais dominantes.
Nestes casos a A.P está sujeita á
fiscalização judicial;
- A valoração subjetiva acontece quando a lei entende que é necessário
aludir a essa concretização de conceitos tendo a A.P como base a sua experiencia
e convicções para a melhor prossecução do interesse público.
Aqui, por se
entender ser uma atividade criadora de Direito pelo órgão competente
administrativo por vontade do legislador, o tribunal não detém o controlo desse
ato, mas pode sempre verificar se a atuação da A.P se adequa ao que foi imposto
pela lei. Neste caso o tribunal não pode anular o ato administrativo porque se
trata de um exercício de atuação discricionária, ou seja, foi assim que a lei o
previu e se o tribunal não o respeitar está a pôr em causa o Principio da
separação de poderes, pois estaria também a exercer a função administrativa
juntamente com a A.P.
Já os profs. Marcelo rebelo de sousa e André Salgado falam da
concretização de conceitos indeterminados a propósito da “margem de livre apreciação” que a A.P que também lhe é atribuída
por lei, mas que se distingue do poder de discricionariedade que esta também
pode ter, porque no primeiro caso o que a mesma tem é a liberdade de apreciar
as situações de facto que vão consubstanciar as suas decisões e no segundo caso
é uma liberdade de escolha entre as várias hipóteses que a lei lhe submete e
por isso juridicamente admissíveis.
Claro que nem todos os conceitos
por determinar estão sujeitos a que a A.P tenha uma margem de livre apreciação
para que sejam concretizáveis. É por isso necessário encontrar um critério que
distinga as situações onde essa margem de livre apreciação é necessária das que
não o é.
O.
Bachof, o autor que inicialmente formulou a teoria da margem de livre apreciação não apresentou uma resposta
conclusiva para este problema, já W.
Schmidt, que influenciou parte da doutrina portuguesa como Sérvulo Correia, distingue dois tipos de
conceitos, os conceitos classificatórios
que seriam aqueles que apenas são indeterminados na sua expressão linguística e
por isso seriam concretizáveis por raciocínios logico-dedutivos, por uma
interpretação da lei e da situação de facto, não tendo aqui lugar a A.P para
uma margem de livre apreciação da norma; Por outro lado os conceitos tipológicos seriam aqueles que apresentam tal
indeterminação e abertura para “albergar” tantas possibilidades conceituais que
a A.P teria de utilizar a sua margem livre de apreciação para apreciar e
concretizar o conceito, mas tendo em conta o caso concreto e a prossecução do
interesse público, os já referidos juízos
de prognose.
Assim, temos de respeitar 3
aspetos para poder haver essa “margem de
livre apreciação” pela A.P na concretização de conceitos indeterminados:
1)
A margem de livre apreciação só ocorre em conceitos tipológicos, ou seja, aqueles
que apresentam uma abertura demasiado grande de falta de exatidão, ao contrário
dos conceitos classificatórios que
apenas se prendem com um conflito linguístico que pode ser facilmente resolvido
2)
A margem de livre apreciação apenas tem lugar
quando a ação jurisdicional dos tribunais (de anular ou não esse ato)
implicasse ir contra o Principio da separação de poderes, porque também estaria
a exercer a função administrativa e por isso haveria uma usurpação do poder
administrativo
3)
Fazer uma ponderação entre a separação de
poderes e os direitos fundamentais dos particulares que poderão ser lesados com
a decisão administrativa
Se os últimos
aspetos prevalecerem sobre o primeiro, então podemos ver se existe necessidade
para haver o controlo jurisdicional do ato administrativo e se sim não se trata
de uma margem de livre apreciação da A.P.
Em síntese, podemos concluir que o poder de
discricionariedade que a administração tem atua de diferentes formas em relação
aos diferentes casos concretos e que nem todos os conceitos indeterminados
carecem de um exercício autónomo da A.P para a sua concretização, porque por vezes
o legislador assim não o pretendeu, mas existem casos em que é necessária essa
atuação autónoma e que podemos entende-la como um dos planos de incidência do
poder discricionário da A.P.
Matilde Ribeiro | Nº 56851
Bibliografia:
Rebelo de Sousa, Marcelo e Salgado de Matos, André - Direito Administrativo em geral - Tomo I -Introdução e principios fundamentais, 2ª Edição - pag.105 a 111.
Amaral, Diogo Freitas do - Curso de Direito Administrativo - Vol. II, Almedina, Coimbra, 2003 -pag.184 a 190.
García, Emerson - Discricionariedade administrativa, 2ª edição, 2013 - pag.23 a 28.
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