A Constituição
da República Portuguesa abrange princípios essenciais dos ramos do direito,
público ou privado, tendo estes as suas bases na Constituição, tal como refere o
professor Vital Moreira.
O artigo 266º
da CRP, refere princípios constitucionais da actividade administrativa material.
Na revisão do CPA em 2015, do qual surgiu o CPA de 2015, aponta-se uma atenção especial conferida aos princípios, que já constavam do CPA de 1991, mas que se traduziu numa reformulação dos mesmos.
Na revisão do CPA em 2015, do qual surgiu o CPA de 2015, aponta-se uma atenção especial conferida aos princípios, que já constavam do CPA de 1991, mas que se traduziu numa reformulação dos mesmos.
Posto isto,
cabe inicialmente, distinguir os conceitos de regras e princípios. Nesta medida,
as regras são normas que, tendo em conta certos pressupostos, proíbem, permitem
ou exigem algo. Por outro lado, os princípios exigem a realização de algo de
acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas, impondo a optimização de um
direito ou de um bem jurídico.
Deste modo, são vários os princípios
que a Constituição da República Portuguesa abrange, sendo que, do artigo 266º
se destaca o Princípio da Prossecução do Interesse Público. A Administração actua,
assim, com vista a satisfazer o interesse público e tendo este como principal fim.
Nesta medida, torna-se importante
determinar ou tentar determinar o que é o interesse público, sendo que há
divergência doutrinária quanto a esta matéria, sendo que, segundo o Professor Sérvulo
Correia é um conceito no qual a intuição e a evidência intuitiva não facilitam
muito.
Deste modo, o Professor Freitas
do Amaral refere que pode definir-se interesse público, como o “interesse
colectivo, o interesse geral de uma determinada comunidade, o bem comum”, sendo
que o interesse público é já definido desde São Tomás de Aquino como aquilo que
é necessário para que os homens não vivam apenas, mas vivam bem (quod homines
non solum vivant, sed bene vivante).
Por outro lado, segundo Jean
Rivero, o interesse público “representa a esfera das necessidades a que a
iniciativa privada não pode responder e que são vitais para a comunidade na sua
totalidade e para cada um dos seus membros”, o que concretiza a ideia de
satisfação das necessidades colectivas.
Segundo o Professor Rogério
Soares, pode distinguir-se o interesse público primário dos interesses públicos
secundários, sendo que o interesse público primário é aquele cuja definição e
satisfação compete aos órgãos governativos do Estado, no desempenho de funções políticas
e legislativa: é o bem comum. Por outro lado, os interesses secundários, são aquela
cuja definição é feita pelo legislador, mas cuja satisfação cabe, num plano
subordinado, à Administração publica, no desempenho da função administrativa. Veja-se os seguintes exemplos: segurança pública, educação, saúde pública, cultura, transportes
colectivos, etc.
Segundo o Professor João Caupers,
o interesse público é o interesse de uma comunidade, ligado à satisfação das
necessidades colectivas desta (o “bem comum”).
Tendo em conta as várias posições
adoptadas, pode concluir-se que o interesse público é na realidade o ponto
fulcral e essencial na Administração Pública, funcionando como a alavanca de trabalho
da mesma, que denota a necessidade de sobrepor o interesse comum, o interesse
da comunidade aos interesses particulares e actuando de forma a satisfazer as
necessidades da comunidade e a defesa dos seus interesses. Segundo o Professor
Marcelo Rebelo de Sousa, a Administração pública só se pode compreender
realmente com recurso à ideia de interesse público.
A variabilidade e o crescimento das
necessidades que a Administração pretende satisfazer, constituem uma das
características do Estado social de Direito, determinando, por seu turno, a
expansão quantitativa e qualitativa dos interesses públicos, com a crescente
dificuldade da distinção entre estes e os interesses privados. Não obstante, a
realidade é que a Administração deve seguir a prossecução do interesse público dentro
de certos limites, com respeito por determinados valores, no interior de um
quadro definido por dados parâmetros, o que, de uma forma inevitável, vai culminar
no surgimento de mais princípios, dos quais se destacam dois: o principio da
legalidade, que determina que a
administração deve obedecer à lei e o principio do respeito pelos direitos e
interesses legalmente protegidos dos particulares, que obriga a Administração a
não violar as situações juridicamente protegidas dos particulares. Tendo em
conta o princípio da separação de poderes e da superioridade do poder
legislativo, tal como destaca o Professor João Caupers, cabe à lei a definição
dos interesses públicos que à administração cumpre prosseguir, sendo a
definição destes um “monopólio da lei”, mas a prossecução dos interesses
públicos não cabe em exclusivo ao Estado enquanto pessoa colectiva pública, destacando-se
aqui a possível actuação de particulares nesse sentido.
Segundo o Professor Marcelo
Rebelo de Sousa, o artigo 4º do CPA individualiza, tal como o artigo 266º da
CRP, o princípio da prossecução do interesse público. sendo que, visto que a
função administrativa é uma função secundária do Estado, o que se traduz na sua
subordinação ao principio da legalidade, não cabe à administração qualquer
papel na escolha dos interesses públicos a prosseguir, estando vinculada a
prosseguir o interesse público primariamente definido pela Constituição, identificando
os contornos da necessidade colectiva a satisfazer.
Posto isto, conclui-se que o princípio
da prossecução do interesse público constitui um dos mais importantes limites
da margem de livre decisão administrativa, assumindo um duplo alcance. Porém, a
Administração Pública é investida, em inúmeras situações, pela lei de um espaço
de autonomia, que corresponde ao poder discricionário, poder este que se
caracteriza por ser legal, jurídico, regulado e condicionado por lei.
Seguidamente, é relevante destacar
de que formas se manifesta a Administração Pública, tendo em conta o interesse
público, como verdadeiro fio condutor da actividade administrativa:
- A Administração Pública não deve modificar os interesses cuja prossecução a lei lhe confiou, embora tenha constantemente de proceder à respectiva concretização. A lei define os interesses públicos a cargo da Administração, sendo que não pode ser a Administração a defini-los, salvo se a lei a habilitar para o efeito, conferindo-lhe competência para aprovar regulamentos independentes ou para concretizar certo tipo de conceitos indeterminados.
- A Administração Pública tem o dever de prosseguir os interesses públicos, não podendo decair em tal prossecução, além disso, destaca-se o facto de a noção de interesse público ser de conteúdo variável e não de conteúdo rígido e inflexível, pois o que actualmente é considerado conforme interesse público, pode no futuro vir a ser contrário e vice-versa.
- As pessoas colectivas envolvidas na prossecução de interesses públicos, por força do princípio da especialidade, estão encarregadas da prossecução de interesses públicos específicos e pré-determinados, ou seja, o interesse público delimita a capacidade das pessoas colectivas e a competência dos respectivos órgãos.
- Definido o interesse público pela lei, a sua prossecução pela Administração é obrigatória, visto ser essa actividade que justifica a autonomização da administração no quadro das funções do Estado.
- Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo determinante de qualquer acto da Administração. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder e, por isso será um acto ilegal e inválido- 136º/1 CPA.
- A prossecução de interesses privados em vez do interesse público, por parte de qualquer órgão ou agente administrativo no exercício das suas funções, acarreta um conjunto de sanções, quer administrativas, quer penais, para quem assim proceder.
- A obrigação de prosseguir o interesse público exige da Administração que adopte em relação a cada caso concreto as melhores soluções possíveis, do ponto de vista administrativo (técnico e financeiro), identificando aqui o dever de boa administração.
No caso em que
o desrespeito do estabelecido pela lei, bem como os interesses que a lei
definiu que deveriam ser seguidos pela Administração resulte da promiscuidade
entre os interesses públicos que deveriam, em obediência à lei ter sido
prosseguidos e interesses de natureza privada que influenciaram ilegitimamente
a decisão administrativa ocorre uma violação do princípio da imparcialidade.
Tendo em conta
os diversos pontos de caracterização da prossecução do interesse público
apresentados, destaca-se a ideia de que a administração só pode prosseguir o
interesse público, estando consequentemente proibida de prosseguir ainda que
acessoriamente, interesses privados. Não obstante, uma concreta decisão da
administração pode envolver vantagens para interesses particulares, mas estes
não podem ser a meta da actuação administrativa. O Professor Marcelo Rebelo de
Sousa, apresenta o exemplo de uma licença de construção, que representa uma
vantagem para o seu destinatário, mas quando o emite o órgão competente não
visa atingir esse objectivo e sim prosseguir o fim de interesse público
traduzido na conformidade do projecto de construção com as normas jurídicas
aplicáveis, bem como, eventualmente, na sua oportunidade e conveniência.
Acrescentando a esta ideia, destaca-se também, que a administração só pode
prosseguir os interesses públicos especificamente definidos por lei para cada concreta
actuação administrativa, complementando-se o exemplo: “uma licença de construção
não pode validamente ser emitida visando um donativo particular a um orfanato
municipal, que o requerente se comprometeu a fazer”. Neste caso, a finalidade
prosseguida de interesse público, mas não visaria prosseguir o concreto
interesse público normativamente definido para o exercício da competência em
causa.
Nesta medida, uma actuação
administrativa que prossiga interesses privados ou interesses públicos alheios
à finalidade normativa do poder exercido é ilegal e está viciada de desvio de
poder, acarretando a invalidade.
Noutro sentido, no momento
anterior à actuação administrativa, o princípio da prossecução do interesse
público denota a delimitação das atribuições das pessoas colectivas
administrativas, que existem para a prossecução de interesses públicos
determinados e, indirectamente, para a delimitação das competências dos seus
órgãos.
O princípio da prossecução do
interesse público não permite definir qual é, em cada caso concreto, a melhor
forma de prosseguir o interesse público. Com efeito, o conceito de interesse
público reveste-se de um elevado grau de indeterminação, pelo que a
administração goza de uma ampla margem de livre decisão quanto ao modus faciendi
da sua prossecução. Tome-se como exemplo um tribunal, este pode anular um acto
da administração por ele prosseguir um interesse privado ou um interesse
público diferente do definido por lei para o exercício da competência em causa,
mas não pode anulá-lo, com fundamento no mesmo princípio, por considerar que
ele não prossegue da melhor maneira o interesse público legalmente definido.
Não significa isto que a administração não esteja sujeita ao dever de boa
administração, ou seja ao dever de prosseguir os interesses públicos legalmente
definidos da melhor maneira possível.
É fundamental conjugar a
prossecução do interesse legalmente protegido com o dever de boa administração,
este dever decorre mesmo, no que toca ao sector empresarial do Estado do 81º c)
da CRP e encontra projecções evidentes no princípio da eficiência, tal como
decorre do art.10º CPA. O cumprimento do dever de boa administração não pode,
sob pena de violação do princípio da separação de poderes, ser sindicado pelos
tribunais; será, portanto, dentro da esfera do mérito da actuação
administrativa.
A violação do dever de boa
administração pode dar lugar à revogação, modificação ou substituição de actos
ou regulamentos administrativos pelos órgãos para tal competentes (ex:
superiores hierárquicos), bem como fundamentar a utilização de meios administrativos
de impugnação por parte dos particulares. Além disso, pode também ter
consequências extrajurídicas, por exemplo, a responsabilidade política de um
concreto órgão administrativo perante um colégio eleitoral ou outro órgão
público.
Em suma, a prossecução dos
interesses públicos é uma das bases em que a Administração Pública se apoia e pela qual justifica a sua existência. A prossecução é limitada pela lei, tendo,
porém, espaços de actuação pautados pela discricionariedade. A lei fixa os
interesses públicos a prosseguir pela administração pública, estabelece
igualmente as regras a que deve obedecer tal prossecução. Esta determinação da
lei relativamente à actividade administrativa pública relaciona e delimita a
actuação e o espaço de decisão da administração pública.
Cabe então reflectir sobre esta
matéria, no sentido de concluir que a prossecução dos interesses públicos é sem
dúvida bastante importante no âmbito da Administração Pública.
Bibliografia:
SOUSA, Marcelo Rebelo de e Matos, André Salgado de- Direito Administrativo Geral III, 1ª edição, Dom Queixote, 2006;
Amaral, Diogo Freitas do- Curso de Direito Administrativo- Vol. II, Almedina, Coimbra, 2016
Caupers, João; Introdução ao Direito Administrativo; Âncora Editora, Lisboa, 2013
Daniela Lucas, 56727
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