quinta-feira, 29 de março de 2018

O Princípio da Prossecução do Interesse Público


A Constituição da República Portuguesa abrange princípios essenciais dos ramos do direito, público ou privado, tendo estes as suas bases na Constituição, tal como refere o professor Vital Moreira.
O artigo 266º da CRP, refere princípios constitucionais da actividade administrativa material.
Na revisão do CPA em 2015, do qual surgiu o CPA de 2015, aponta-se uma atenção especial conferida aos princípios, que já constavam do CPA de 1991, mas que se traduziu numa reformulação dos mesmos.
Posto isto, cabe inicialmente, distinguir os conceitos de regras e princípios. Nesta medida, as regras são normas que, tendo em conta certos pressupostos, proíbem, permitem ou exigem algo. Por outro lado, os princípios exigem a realização de algo de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas, impondo a optimização de um direito ou de um bem jurídico.

Deste modo, são vários os princípios que a Constituição da República Portuguesa abrange, sendo que, do artigo 266º se destaca o Princípio da Prossecução do Interesse Público. A Administração actua, assim, com vista a satisfazer o interesse público e tendo este como principal fim.

Nesta medida, torna-se importante determinar ou tentar determinar o que é o interesse público, sendo que há divergência doutrinária quanto a esta matéria, sendo que, segundo o Professor Sérvulo Correia é um conceito no qual a intuição e a evidência intuitiva não facilitam muito.

Deste modo, o Professor Freitas do Amaral refere que pode definir-se interesse público, como o “interesse colectivo, o interesse geral de uma determinada comunidade, o bem comum”, sendo que o interesse público é já definido desde São Tomás de Aquino como aquilo que é necessário para que os homens não vivam apenas, mas vivam bem (quod homines non solum vivant, sed bene vivante).

Por outro lado, segundo Jean Rivero, o interesse público “representa a esfera das necessidades a que a iniciativa privada não pode responder e que são vitais para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos seus membros”, o que concretiza a ideia de satisfação das necessidades colectivas.

Segundo o Professor Rogério Soares, pode distinguir-se o interesse público primário dos interesses públicos secundários, sendo que o interesse público primário é aquele cuja definição e satisfação compete aos órgãos governativos do Estado, no desempenho de funções políticas e legislativa: é o bem comum. Por outro lado, os interesses secundários, são aquela cuja definição é feita pelo legislador, mas cuja satisfação cabe, num plano subordinado, à Administração publica, no desempenho da função administrativa. Veja-se os seguintes exemplos: segurança pública, educação, saúde pública, cultura, transportes colectivos, etc.

Segundo o Professor João Caupers, o interesse público é o interesse de uma comunidade, ligado à satisfação das necessidades colectivas desta (o “bem comum”).

Tendo em conta as várias posições adoptadas, pode concluir-se que o interesse público é na realidade o ponto fulcral e essencial na Administração Pública, funcionando como a alavanca de trabalho da mesma, que denota a necessidade de sobrepor o interesse comum, o interesse da comunidade aos interesses particulares e actuando de forma a satisfazer as necessidades da comunidade e a defesa dos seus interesses. Segundo o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, a Administração pública só se pode compreender realmente com recurso à ideia de interesse público.

 A variabilidade e o crescimento das necessidades que a Administração pretende satisfazer, constituem uma das características do Estado social de Direito, determinando, por seu turno, a expansão quantitativa e qualitativa dos interesses públicos, com a crescente dificuldade da distinção entre estes e os interesses privados. Não obstante, a realidade é que a Administração deve seguir a prossecução do interesse público dentro de certos limites, com respeito por determinados valores, no interior de um quadro definido por dados parâmetros, o que, de uma forma inevitável, vai culminar no surgimento de mais princípios, dos quais se destacam dois: o principio da legalidade, que determina que  a administração deve obedecer à lei e o principio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, que obriga a Administração a não violar as situações juridicamente protegidas dos particulares. Tendo em conta o princípio da separação de poderes e da superioridade do poder legislativo, tal como destaca o Professor João Caupers, cabe à lei a definição dos interesses públicos que à administração cumpre prosseguir, sendo a definição destes um “monopólio da lei”, mas a prossecução dos interesses públicos não cabe em exclusivo ao Estado enquanto pessoa colectiva pública, destacando-se aqui a possível actuação de particulares nesse sentido.

Segundo o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o artigo 4º do CPA individualiza, tal como o artigo 266º da CRP, o princípio da prossecução do interesse público. sendo que, visto que a função administrativa é uma função secundária do Estado, o que se traduz na sua subordinação ao principio da legalidade, não cabe à administração qualquer papel na escolha dos interesses públicos a prosseguir, estando vinculada a prosseguir o interesse público primariamente definido pela Constituição, identificando os contornos da necessidade colectiva a satisfazer.

Posto isto, conclui-se que o princípio da prossecução do interesse público constitui um dos mais importantes limites da margem de livre decisão administrativa, assumindo um duplo alcance. Porém, a Administração Pública é investida, em inúmeras situações, pela lei de um espaço de autonomia, que corresponde ao poder discricionário, poder este que se caracteriza por ser legal, jurídico, regulado e condicionado por lei.

Seguidamente, é relevante destacar de que formas se manifesta a Administração Pública, tendo em conta o interesse público, como verdadeiro fio condutor da actividade administrativa:
  •   A Administração Pública não deve modificar os interesses cuja prossecução a lei lhe confiou, embora tenha constantemente de proceder à respectiva concretização. A lei define os interesses públicos a cargo da Administração, sendo que não pode ser a Administração a defini-los, salvo se a lei a habilitar para o efeito, conferindo-lhe competência para aprovar regulamentos independentes ou para concretizar certo tipo de conceitos indeterminados.
  • A Administração Pública tem o dever de prosseguir os interesses públicos, não podendo decair em tal prossecução, além disso, destaca-se o facto de a noção de interesse público ser de conteúdo variável e não de conteúdo rígido e inflexível, pois o que actualmente é considerado conforme interesse público, pode no futuro vir a ser contrário e vice-versa.
  •  As pessoas colectivas envolvidas na prossecução de interesses públicos, por força do princípio da especialidade, estão encarregadas da prossecução de interesses públicos específicos e pré-determinados, ou seja, o interesse público delimita a capacidade das pessoas colectivas e a competência dos respectivos órgãos.
  •  Definido o interesse público pela lei, a sua prossecução pela Administração é obrigatória, visto ser essa actividade que justifica a autonomização da administração no quadro das funções do Estado.
  •  Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo determinante de qualquer acto da Administração. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder e, por isso será um acto ilegal e inválido- 136º/1 CPA.
  •  A prossecução de interesses privados em vez do interesse público, por parte de qualquer órgão ou agente administrativo no exercício das suas funções, acarreta um conjunto de sanções, quer administrativas, quer penais, para quem assim proceder.
  • A obrigação de prosseguir o interesse público exige da Administração que adopte em relação a cada caso concreto as melhores soluções possíveis, do ponto de vista administrativo (técnico e financeiro), identificando aqui o dever de boa administração.

No caso em que o desrespeito do estabelecido pela lei, bem como os interesses que a lei definiu que deveriam ser seguidos pela Administração resulte da promiscuidade entre os interesses públicos que deveriam, em obediência à lei ter sido prosseguidos e interesses de natureza privada que influenciaram ilegitimamente a decisão administrativa ocorre uma violação do princípio da imparcialidade.

Tendo em conta os diversos pontos de caracterização da prossecução do interesse público apresentados, destaca-se a ideia de que a administração só pode prosseguir o interesse público, estando consequentemente proibida de prosseguir ainda que acessoriamente, interesses privados. Não obstante, uma concreta decisão da administração pode envolver vantagens para interesses particulares, mas estes não podem ser a meta da actuação administrativa. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, apresenta o exemplo de uma licença de construção, que representa uma vantagem para o seu destinatário, mas quando o emite o órgão competente não visa atingir esse objectivo e sim prosseguir o fim de interesse público traduzido na conformidade do projecto de construção com as normas jurídicas aplicáveis, bem como, eventualmente, na sua oportunidade e conveniência. Acrescentando a esta ideia, destaca-se também, que a administração só pode prosseguir os interesses públicos especificamente definidos por lei para cada concreta actuação administrativa, complementando-se o exemplo: “uma licença de construção não pode validamente ser emitida visando um donativo particular a um orfanato municipal, que o requerente se comprometeu a fazer”. Neste caso, a finalidade prosseguida de interesse público, mas não visaria prosseguir o concreto interesse público normativamente definido para o exercício da competência em causa.

Nesta medida, uma actuação administrativa que prossiga interesses privados ou interesses públicos alheios à finalidade normativa do poder exercido é ilegal e está viciada de desvio de poder, acarretando a invalidade.

Noutro sentido, no momento anterior à actuação administrativa, o princípio da prossecução do interesse público denota a delimitação das atribuições das pessoas colectivas administrativas, que existem para a prossecução de interesses públicos determinados e, indirectamente, para a delimitação das competências dos seus órgãos.

O princípio da prossecução do interesse público não permite definir qual é, em cada caso concreto, a melhor forma de prosseguir o interesse público. Com efeito, o conceito de interesse público reveste-se de um elevado grau de indeterminação, pelo que a administração goza de uma ampla margem de livre decisão quanto ao modus faciendi da sua prossecução. Tome-se como exemplo um tribunal, este pode anular um acto da administração por ele prosseguir um interesse privado ou um interesse público diferente do definido por lei para o exercício da competência em causa, mas não pode anulá-lo, com fundamento no mesmo princípio, por considerar que ele não prossegue da melhor maneira o interesse público legalmente definido. Não significa isto que a administração não esteja sujeita ao dever de boa administração, ou seja ao dever de prosseguir os interesses públicos legalmente definidos da melhor maneira possível.

É fundamental conjugar a prossecução do interesse legalmente protegido com o dever de boa administração, este dever decorre mesmo, no que toca ao sector empresarial do Estado do 81º c) da CRP e encontra projecções evidentes no princípio da eficiência, tal como decorre do art.10º CPA. O cumprimento do dever de boa administração não pode, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, ser sindicado pelos tribunais; será, portanto, dentro da esfera do mérito da actuação administrativa.

A violação do dever de boa administração pode dar lugar à revogação, modificação ou substituição de actos ou regulamentos administrativos pelos órgãos para tal competentes (ex: superiores hierárquicos), bem como fundamentar a utilização de meios administrativos de impugnação por parte dos particulares. Além disso, pode também ter consequências extrajurídicas, por exemplo, a responsabilidade política de um concreto órgão administrativo perante um colégio eleitoral ou outro órgão público.

Em suma, a prossecução dos interesses públicos é uma das bases em que a Administração Pública se apoia e pela qual justifica a sua existência. A prossecução é limitada pela lei, tendo, porém, espaços de actuação pautados pela discricionariedade. A lei fixa os interesses públicos a prosseguir pela administração pública, estabelece igualmente as regras a que deve obedecer tal prossecução. Esta determinação da lei relativamente à actividade administrativa pública relaciona e delimita a actuação e o espaço de decisão da administração pública.
Cabe então reflectir sobre esta matéria, no sentido de concluir que a prossecução dos interesses públicos é sem dúvida bastante importante no âmbito da Administração Pública.

Bibliografia:
SOUSA, Marcelo Rebelo de e Matos, André Salgado de- Direito Administrativo Geral III, 1ª edição, Dom Queixote, 2006;
Amaral, Diogo Freitas do- Curso de Direito Administrativo- Vol. II, Almedina, Coimbra, 2016
Caupers, João; Introdução ao Direito Administrativo; Âncora Editora, Lisboa, 2013 

Daniela Lucas, 56727



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