sexta-feira, 30 de março de 2018

Acórdão JSTA00067530 e o direito de audiência prévia


Ora, para melhor compreendermos a temática do procedimento administrativo e, em concreto, a audiência prévia, cabe analisar o Acórdão JSTA000067530, do Supremo Tribunal Administrativo.
Embora este caso trate de mais pontos, do que meramente o da audiência prévia, é este aquele em que nos iremos focar neste trabalho, de modo a melhor compreender o procedimento administrativo.
Ora, neste caso, os autores do recurso alegaram ter sido violado o seu direito de audiência prévia, como previsto no art. 100º ss CPA. Entendem estes que, ao não ser realizada audiência prévia antes de proferida a decisão objeto de impugnação, foi violado o direito de participação.
Porém, o Tribunal vem defender que, na verdade, ainda não havia qualquer decisão suscetível de ser apresentada aos Autores para que estes se pronunciassem, pelo que não é censurável o facto de a Entidade Recorrida não ter procedido à audiência dos interessados previamente à decisão objeto de recurso.
Os recorrentes entendem que a sentença incorreu em erro de julgamento ao não censurar a falta de promoção de audiência prévia, visto não haver qualquer situação que permitisse que a formalidade fosse dispensada, e a sua falta implicar a anulabilidade do ato (art. 267º, n.º4 CRP e art. 100º e 135º CPA).
Ora, o STA entendeu que, e conforme ao art. 100º CPA, a questão da audiência prévia só se coloca antes de ser tomada a decisão final, e não qualquer outra decisão administrativa.

Porque releva então este acórdão? Porque suscita uma temática relevante no seio do Direito Administrativo, que é a do procedimento administrativo, e da audiência prévia, e de quando esta pode ou não ser dispensada.
O procedimento administrativo é uma sequência, a “sequência juridicamente ordenada de atos e formalidades tendentes à preparaçao e exteriorização da prática de um ato da Administração ou à sua execução[1].
O aprofundamento do estudo do procedimento administrativo justifica-se, na medida em que a atividade da Administração Pública é processual, faseada.
Tem por objeto um ato da Administração. O que dá caráter administrativo ao procedimento é, precisamente, o envolvimento nele da Administração Pública e o facto de o seu objeto ser um ato da Administração.
É na parte III do CPA que podemos encontrar as disposições aplicáveis à generalidade dos procedimentos administrativos (art. 53º a 95º) e disposições especificamente aplicáveis ao procedimento do regulamento e do ato administrativo (art. 96º a 134º).
De acordo com o Senhor Professor Doutor Freitas do Amaral, as fases do procedimento decisório de 1º grau são seis:
1.      Fase inicial: esta é a fase que dá início ao processo, que pode ser desencadeado pela Administração ou pelo particular. Nesta fase podem ainda ser tomadas medidas provisórias, cf. art. 89º, n.º1 CPA;
2.      Fase de instrução: esta fase destina-se a averiguar os factos que interessam à decisão final e a recolher provas que se mostrem necessárias (art. 115º a 120º CPA). Nesta fase impera o princípio do inquisitório (art. 58º CPA);
3.      Fase da audiência: esta fase será analisada de seguida;
4.      Fase da preparação da decisão: esta é a fase em que a Administração pondera adequadamente o quadro traçado na fase inicial, recolhidas as provas e os argumentos aduzidos pelos particulares (art. 125º e 126º CPA);
5.      Fase da decisão: o procedimento geralmente termina com a decisão (art. 93º CPA). De um modo geral, aplicam-se à fase da decisão final as regras dos art. 135º ss CPA. O procedimento pode também terminar por desistência do pedido ou renúncia por parte dos interessados (art. 131º CPA), deserção dos interessados (art. 132º CPA), impossibilidade ou inutilidade superveniente do procedimento (art. 95º CPA), falta de pagamento de taxas ou despesas devidas (art. 133º CPA) e formação de deferimento tácito (art. 130º CPA);
6.      Fase complementar: é a fase em que são praticados atos e formalidades posteriores à decisão final.
Quanto, em concreto, à fase da audiência dos interessados, cabe dizer:
A audiência dos interessados (art. 121º a 125º CPA) concretiza dois grandes princípios: o princípio da colaboração da Administração com os particulares (art. 11º, n.º1 CPA) e o princípio da participação (art. 12º CPA). A audiência prévia tem dignidade constitucional, visto que é nesta que se concretiza o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito.
Em que consiste – fase que assegura aos interessados, num procedimento, o direito de participarem na formação das decisões que lhes digam respeito.
Inclui, em síntese, a notificação dos interessados antes de ser tomada a decisão final sobre o sentido provável desta, de modo a que estes possam “pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos” (art. 121º, n.º2 CPA); ao que se segue a ponderação.
O conteúdo da notificação vem previsto no art. 122º, n.º2 CPA.
A comunicação do “sentido provável” deve ser acompanhada de uma adequada fundamentação.
Em que casos pode ser dispensada - a dispensa em causa é legítima quando (art. 124º, n.º1): a decisão seja urgente; os interessados tenham solicitado o adiamento de audiência oral e, por facto que lhes seja imputável, não tenha sido possível acordar nova data; seja razoavelmente de prever que (certa) diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão; o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável; os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas; os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão inteiramente favorável aos interessados.
Como resolver as eventuais divergências entre o órgão instrutor e o órgão decisor? Há duas hipóteses: se o diretor do procedimento ouvir o interessado, o órgão competente para a decisão pode decidir a favor ou contra o interessado livremente; caso o órgão instrutor não tiver ouvido o particular, quando o processo chega às mãos do órgão decisor, se este quiser decidir de forma desfavorável ao particular, terá de o ouvir.
Modalidades – O CPA prevê duas formas de os interessados serem ouvidos: audiência escrita e oral. Compete ao diretor do procedimento escolher livremente (art. 122º, n.º1 CPA).
Na audiência escrita, tanto a notificação dos interessados como a resposta destes são efetuados por escrito; o interessado tem um prazo não inferior a 10 dias para responder (art. 122º, n.º1 CPA).
Na audiência oral, esta realiza-se presencialmente, podendo ter lugar por teleconferência (art. 123º, n.º1 CPA). A falta de comparência do interessado não constitui motivo de adiamento da audiência, mas, se for apresentada justificação da falta até ao momento fixado para a audiência, deve proceder-se ao adiamento desta (art. 123º, n.º2 CPA).
Consequências da sua falta – Nos casos em que seja obrigatória por lei, a sua falta é uma ilegalidade, é um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial.
Diverge a doutrina quanto ao tipo de vício que causa (nulidade vs anulabilidade). O vício será gerador de nulidade se o direito à audiência for concebido como um direito fundamental (art. 161º, n.º2, al. d) CPA). Caso contrário, o vício será a anulabilidade (art. 163º, n.º1 CPA).
Para o Professor Freitas do Amaral, e em concordância com o exposto no acórdão previamente analisado e com a doutrina do Supremo Tribunal de Justiça, deve ser perfilhada a segunda conceção, da anulabilidade, visto não considerar o direito à audiência prévia um direito fundamental.

Bibliografia:
Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 3ª edição, 2016, Almedina, Coimbra.
Otero, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, 2016, Almedina, Coimbra.
Acórdão analisado:

Beatriz Pestana Canada, subturma 10, Turma B, 2ºano


[1] Freitas do Amaral, Diogo in Curso de Direito Administrativo II

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