Ora, para melhor
compreendermos a temática do procedimento administrativo e, em concreto, a
audiência prévia, cabe analisar o Acórdão JSTA000067530, do Supremo Tribunal
Administrativo.
Embora este caso
trate de mais pontos, do que meramente o da audiência prévia, é este aquele em
que nos iremos focar neste trabalho, de modo a melhor compreender o
procedimento administrativo.
Ora, neste caso,
os autores do recurso alegaram ter sido violado o seu direito de audiência
prévia, como previsto no art. 100º ss
CPA. Entendem estes que, ao não ser realizada audiência prévia antes de
proferida a decisão objeto de impugnação, foi violado o direito de
participação.
Porém, o Tribunal
vem defender que, na verdade, ainda não havia qualquer decisão suscetível de
ser apresentada aos Autores para que estes se pronunciassem, pelo que não é
censurável o facto de a Entidade Recorrida não ter procedido à audiência dos
interessados previamente à decisão objeto de recurso.
Os recorrentes
entendem que a sentença incorreu em erro de julgamento ao não censurar a falta
de promoção de audiência prévia, visto não haver qualquer situação que
permitisse que a formalidade fosse dispensada, e a sua falta implicar a anulabilidade
do ato (art. 267º, n.º4 CRP e
art. 100º e 135º CPA).
Ora, o STA
entendeu que, e conforme ao art. 100º
CPA, a questão da audiência prévia só se coloca antes de ser tomada a decisão final, e não qualquer outra
decisão administrativa.
Porque releva então este acórdão? Porque
suscita uma temática relevante no seio do Direito Administrativo, que é a do
procedimento administrativo, e da audiência prévia, e de quando esta pode ou não ser dispensada.
O procedimento administrativo é uma sequência, a “sequência juridicamente ordenada de atos e
formalidades tendentes à preparaçao e exteriorização da prática de um ato da
Administração ou à sua execução”[1].
O aprofundamento
do estudo do procedimento administrativo justifica-se, na medida em que a
atividade da Administração Pública é processual, faseada.
Tem por objeto um
ato da Administração. O que dá caráter administrativo ao procedimento é,
precisamente, o envolvimento nele da Administração Pública e o facto de o seu
objeto ser um ato da Administração.
É na parte III do
CPA que podemos encontrar as disposições aplicáveis à generalidade dos
procedimentos administrativos (art.
53º a 95º) e disposições especificamente aplicáveis ao procedimento do
regulamento e do ato administrativo (art.
96º a 134º).
De acordo com o
Senhor Professor Doutor Freitas do Amaral, as fases do procedimento decisório
de 1º grau são seis:
1.
Fase inicial: esta
é a fase que dá início ao processo, que pode ser desencadeado pela
Administração ou pelo particular. Nesta fase podem ainda ser tomadas medidas
provisórias, cf. art. 89º, n.º1 CPA;
2.
Fase de instrução:
esta fase destina-se a averiguar os factos que interessam à decisão final e a
recolher provas que se mostrem necessárias (art. 115º a 120º CPA). Nesta fase
impera o princípio do inquisitório (art. 58º CPA);
3.
Fase da audiência:
esta fase será analisada de seguida;
4.
Fase da preparação
da decisão: esta é a fase em que a Administração pondera adequadamente o quadro
traçado na fase inicial, recolhidas as provas e os argumentos aduzidos pelos
particulares (art. 125º e 126º CPA);
5.
Fase da decisão: o
procedimento geralmente termina com a decisão (art. 93º CPA). De um modo geral,
aplicam-se à fase da decisão final as regras dos art. 135º ss CPA. O
procedimento pode também terminar por desistência do pedido ou renúncia por
parte dos interessados (art. 131º CPA), deserção dos interessados (art. 132º
CPA), impossibilidade ou inutilidade superveniente do procedimento (art. 95º
CPA), falta de pagamento de taxas ou despesas devidas (art. 133º CPA) e
formação de deferimento tácito (art. 130º CPA);
6.
Fase complementar:
é a fase em que são praticados atos e formalidades posteriores à decisão final.
Quanto, em
concreto, à fase da audiência dos interessados, cabe dizer:
A audiência dos
interessados (art. 121º a 125º CPA)
concretiza dois grandes princípios: o princípio
da colaboração da Administração com os particulares (art. 11º, n.º1 CPA) e o princípio
da participação (art. 12º CPA).
A audiência prévia tem dignidade constitucional, visto que é nesta que se
concretiza o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que
lhes digam respeito.
Em que consiste
– fase que assegura aos interessados, num procedimento, o direito de
participarem na formação das decisões que lhes digam respeito.
Inclui, em
síntese, a notificação dos interessados antes de ser tomada a decisão final
sobre o sentido provável desta, de modo a que estes possam “pronunciar-se sobre
todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de
direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos” (art. 121º, n.º2 CPA); ao que se
segue a ponderação.
O conteúdo da
notificação vem previsto no art.
122º, n.º2 CPA.
A comunicação do
“sentido provável” deve ser acompanhada de uma adequada fundamentação.
Em que casos pode ser dispensada - a dispensa em causa é legítima quando (art. 124º, n.º1): a decisão seja
urgente; os interessados tenham solicitado o adiamento de audiência oral e, por
facto que lhes seja imputável, não tenha sido possível acordar nova data; seja
razoavelmente de prever que (certa) diligência possa comprometer a execução ou
a utilidade da decisão; o número de interessados a ouvir seja de tal forma
elevado que a audiência se torne impraticável; os interessados já se tiverem
pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as
provas produzidas; os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma
decisão inteiramente favorável aos interessados.
Como resolver as
eventuais divergências entre o órgão instrutor e o órgão decisor? Há duas
hipóteses: se o diretor do procedimento ouvir o interessado, o órgão competente
para a decisão pode decidir a favor ou contra o interessado livremente; caso o
órgão instrutor não tiver ouvido o particular, quando o processo chega às mãos
do órgão decisor, se este quiser decidir de forma desfavorável ao particular,
terá de o ouvir.
Modalidades
– O CPA prevê duas formas de os interessados serem ouvidos: audiência escrita e
oral. Compete ao diretor do procedimento escolher livremente (art. 122º, n.º1 CPA).
Na audiência
escrita, tanto a notificação dos interessados como a resposta destes são
efetuados por escrito; o interessado tem um prazo não inferior a 10 dias para
responder (art. 122º, n.º1 CPA).
Na audiência oral,
esta realiza-se presencialmente, podendo ter lugar por teleconferência (art. 123º, n.º1 CPA). A falta de
comparência do interessado não constitui motivo de adiamento da audiência, mas,
se for apresentada justificação da falta até ao momento fixado para a
audiência, deve proceder-se ao adiamento desta (art. 123º, n.º2 CPA).
Consequências da sua falta – Nos casos em que seja obrigatória por lei, a sua
falta é uma ilegalidade, é um vício de forma, por preterição de uma formalidade
essencial.
Diverge a doutrina
quanto ao tipo de vício que causa (nulidade vs anulabilidade). O vício será
gerador de nulidade se o direito à audiência for concebido como um direito
fundamental (art. 161º, n.º2, al. d)
CPA). Caso contrário, o vício será a anulabilidade (art. 163º, n.º1 CPA).
Para o Professor Freitas do Amaral, e
em concordância com o exposto no acórdão previamente analisado e com a doutrina
do Supremo Tribunal de Justiça, deve ser perfilhada a segunda conceção, da
anulabilidade, visto não considerar o direito à audiência prévia um direito
fundamental.
Bibliografia:
Freitas do Amaral, Diogo,
Curso de Direito Administrativo, Vol. II,
3ª edição, 2016, Almedina, Coimbra.
Otero, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, 2016,
Almedina, Coimbra.
Acórdão analisado:
Beatriz Pestana Canada,
subturma 10, Turma B, 2ºano
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