sexta-feira, 30 de março de 2018

Os princípios como limites do poder discricionário



A atividade administrativa encontra a sua base e os seus limites no Art. 266 da CRP. A Administração Pública tem assim como objetivo a prossecução do interesse público, mas encontra a sua atuação condicionada pela lei e os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. No entanto, a Administração Pública ao estar apenas sujeita à lei ainda dispõe de uma margem de livre decisão, um espaço de autonomia que decorre da interpretação e aplicação das normas e que corresponde ao que se designa como poder discricionário. Este não deve ser confundido com um poder arbitrário, pois trata-se de um poder jurídico regulado e condicionado por lei, encontrando ainda outros limites da atividade administrativa no principio da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
Encontramos estes e outros limites da atividade administrativa consagrados também no CPA. A revisão do CPA de 1991, que deu origem ao CPA de 2015 traduziu-se na reformulação de princípios que constavam do Código anterior – como os princípios da legalidade (Art. 3º), da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos (Art. 4º), da igualdade (Art. 6º), da proporcionalidade (Art. 7º), da justiça (Art. 8º), da imparcialidade (Art. 9ª), da boa-fé (Art. 10º), da colaboração com os particulares (Art. 11º), da participação dos particulares (Art. 12º), da decisão (Art. 13º) e da gratuitidade tendencial do procedimento (Art. 15º), quer na inclusão de novos princípios – como o principio da boa administração (Art. 5º), os princípios aplicáveis à administração eletrónica (Art. 14º), o principio da responsabilidade (Art. 16º), da administração aberta (Art. 17º), da segurança de dados (Art. 18º) e da cooperação leal da Administração Pública com a União Europeia (Art. 19º).
O principio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos (Art. 266/1 da CRP e Art. 4º do CPA) sujeita a Administração a atuar apenas no âmbito do interesse público respeitando os direitos e interesses dos cidadãos consagrados na lei e tutelados pelo Direito, mas sendo o interesse público um conceito indeterminado este tem de ser concretizado por lei.
Assim, surge o principio da legalidade (Art. 266/2 da CRP e Art. 3º do CPA) que sujeita a atividade de órgãos e agentes administrativos à Constituição, à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins. A doutrina clássica de Marcello Caetano entendia o principio da legalidade como a sujeição da atividade administrativa à lei e uma proibição de esta lesar os interesses dos particulares, no entanto a doutrina mais recente entende que os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos, acentuando aquilo que a Administração Pública deve fazer em detrimento daquilo que não deve fazer.
O principio da boa administração (Art. 81 da CRP e Art. 5º do CPA) traduz-se numa exigência de eficiência à atuação da Administração Pública na prossecução do interesse público, integrando assim exigências de celeridade nas decisões, economicidade na gestão dos recursos, desburocratização e aproximação dos serviços às populações.
O principio da igualdade (Art. 13 da CRP e Art. 6º do CPA) obriga a Administração Pública, na sua relação com os particulares, a tratar as situações iguais da mesma forma e as situações diferentes de forma diferente, o que se traduz na proibição de discriminação entre várias categorias mas também numa obrigação de diferenciação, na medida em que se pretende uma igualdade material com vista à proteção dos mais desprotegidos pela sociedade.
O principio da proporcionalidade (Art. 7º do CPA) constitui uma manifestação do principio do Estado de direito democrático (Art. 2 da CRP), segundo o qual a atuação da Administração Pública não deve exceder o necessário para a realização do interesse público, portanto a atividade administrativa deve ser dotada de adequação – conforme os meios e os fins prosseguidos -, necessidade - procurar lesar na menor medida os direitos e os interesses dos particulares – e o equilíbrio (ou da proporcionalidade em sentido restrito) – exige que os benefícios que espera alcançar com uma medida administrativa adequada e necessária sejam superiores aos custos materiais que poderá acarretar.
O principio da justiça e da razoabilidade (Art. 266/2 da CRP e Art. 8º do CPA) remete para a conformidade da atuação da Administração Pública com os valores do ordenamento jurídico, sendo esse o parâmetro de justiça em questão, mas o principio tem vindo a ser decomposto e constitucionalizado em vários como o principio da igualdade e da proporcionalidade (em 1989) e o principio da boa fé (em 1997), servindo como base de densificação de vários princípios pelo legislador e por isso útil à interpretação das normas no âmbito da atividade administrativa.
O principio da imparcialidade (Art. 266/2 da CRP e Art. 9º do CPA) exige que a Administração Pública nas relações com os particulares deve tomar decisões determinadas exclusivamente com base em critérios objetivos de interesse público, adequados ao cumprimento das suas funções especificas, não se tolerando que tais critérios sejam substituídos ou distorcidos por influência de interesses individuais ou pessoais, isto é, que “os órgãos e agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que devem decidir ou sobre as quais se pronunciem”, como densificado pelo STJ.
O principio da boa fé (Art. 266/2 da CRP e Art. 10º do CPA) condiciona a atividade administrativa e a relação da Administração Pública com os particulares, na medida em que as sujeita a uma atuação que seja objeto de ponderação dos valores fundamentais do Direito,  concedendo especial importância à tutela da confiança legítima – a proteção da confiança suscitada nos particulares pela atuação da Administração, impedindo atuações discricionárias – e à primazia da materialidade subjacente – a conformidade material, e não apenas formal, das condutas aos objetivos do ordenamento jurídico.
Os princípios aplicáveis á administração eletrónica (Art. 14 do CPA) surgiram na revisão do CPA de 2015 e “pretende ir de encontro à importância que os meios eletrónicos hoje assumem, tanto nas relações interadministrativas, como nas relações da Administração Pública com os particulares”, conforme o preâmbulo. Não se trata de impor o modelo de Administração eletrónica mas de regulamentar a utilização pela Administração de meios eletrónicos, sendo que o CPA reconhece as suas limitações atuais (Art. 61º/1, 63º, 64º e 112º).
O principio da responsabilidade já tinha consagração constitucional no Art. 22º da CRP, mas prevê-se agora no Art. 16º do CPA que “A Administração Pública responde, nos termos da lei, pelos danos causados no exercício da sua atividade”. A matéria da responsabilidade da Administração Pública encontra-se regulada na Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
O principio da cooperação leal da Administração Pública com a União Europeia (Art. 19º do CPA) traduz-se numa exigência da Administração Pública prestar todas as informações requeridas, apresentar propostas ou por outra forma colaborar com a Administração Pública de outros Estados-membros, cuja obrigação deve ser cumprida no prazo estabelecido. Este principio surge, tal como nos ordenamentos dos outros Estados-membros, como uma forma de aproximar a Administração Pública dos Estados-membros ao processo de decisão da União Europeia.

Bibliografia:
  • Freitas do Amaral, Diogo. Curso de Direito Administrativo, Volume II. Almedina, 2016 (3ª edição), Coimbra.
  • Rebelo de Sousa, Marcelo; Salgado de Matos, André. Direito Administrativo Geral - Tomo I - Introdução e princípios fundamentais. Dom Quixote, 2010 (3ª edição), Lisboa.
  • Caupers, João. Introdução ao Direito Administrativo. Âncora Editora, 2013 (12ª edição), Lisboa.
  • Aroso de Almeida, Mário. Teoria Geral do Direito Administrativo: O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo. Almedina, 2017 (4ª Edição), Coimbra.


Nuno Francisco
56814

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