quinta-feira, 29 de março de 2018

As conferências procedimentais


A figura da conferência procedimental corporiza uma das novidades da revisão de 2015 do Código do Procedimento Administrativo (doravante mencionado como CPA), consagrada atualmente num capítulo autónomo, na parte III (cf. artigos 77º e seguintes).
Esta integra-se no modelo de coordenação de inspiração italiana que, pela colaboração entre vários órgãos da Administração Pública, visa concretizar um dos objetivos da revisão do CPA – a simplificação administrativa. Assim, a conferência procedimental visa pela reunião (a dita conferência) das várias autoridades administrativas envolvidas no procedimento, a chegada a uma tomada de decisão única, ou a uma tomada de decisões conjugadas (cfr. artigo 77º/1).

Modalidades
Conforme disposto nos artigos 77º e seguintes, a conferência procedimental é exprime-se em diversas modalidades.
A primeira modalidade diz respeito ao procedimento simples (único), que visa a tomada de uma única decisão final, pela reunião do órgão competente para a tomada da decisão final e pelos órgãos competentes para a prática de atos pré-decisórios necessários à tomada de decisão. Neste caso aplicando-se paradigmaticamente o disposto no artigo 77º/5 relativamente aos órgãos consultivos competentes para a emissão de pareceres vinculativos, e por remissão o artigo 79º/7, quanto à forma do parecer.
A segunda modalidade ocorre no âmbito do procedimento complexo, que tem como objeto a tomada de mais do que uma decisão, ou no âmbito de procedimentos conexos entre si, que têm como objeto a tomada de decisões autónomas, mas referentes a vários aspetos de um mesmo projeto, atividade ou iniciativa).
Nesta segunda modalidade, o CPA distingue ainda duas configurações distintas:
a)      A conferência deliberativa (cfr. artigo 77º/3/a), consiste na reunião dos órgãos intervenientes num exercício em comum das suas competências (cfr. artigo 77º/1) através da tomada de uma única decisão (crf. artigo 77º/2). Deste modo, a tomada de decisão autónoma de cada órgão é substituída pela tomada de um ato único complexo. Isto primeiro significa que, visto que cada órgão tem o poder de tomar uma decisão própria, a deliberação para ser positiva tem de reunir a expressão unânime de todos os órgãos intervenientes, caso haja uma única posição divergente no sentido do indeferimento, a pretensão do interessado é indeferida por um ato complexo de indeferimento (cfr. artigo 81º/5). Contudo, na sequência de uma deliberação negativa, podem os órgãos intervenientes que não se objetaram à pretensão, podem dentro da sua competência, praticar individualmente um ato administrativo em sentido positivo, no prazo de 8 dias após a data da conferência (crf. artigo 81º/6).
Em segundo lugar, o facto de o ato ser único e complexo tem outras implicações: que só todos os órgãos em conjunto podem anular ou revogar o ato em causa; que só pode ser impugnado como um todo; e que a eventual invalidade da manifestação de vontade de um dos órgãos interveniente vicia o ato no seu conjunto, implicando a invalidade do todo.
b)      A conferência de coordenação (cfr. artigo 77º/3/b) destina-se ao exercício individualizado, mas simultâneo, das competências dos órgãos intervenientes, através da tomada de decisões autónomas e próprias de cada órgão, que são por fim conjugadas. Assim, concretiza a prática de um ato plural, constituído de atos contextuais, que por serem praticados no mesmo contexto são documentados na mesma ata (cfr. artigo 81º/3). Esta distinção, de ato plural em lugar de ato único complexo tem diferentes implicações: que cada um dos órgãos pode anular ou revogar o seu ato; que podem os atos ser autonomamente impugnados; e que a eventual invalidade de um destes atos não vicia os outros.  

Regime
O regime das conferências procedimentais encontra-se delineado nos artigos 78º e seguintes. O artigo 78º consagra a regra da necessidade da instituição das conferências procedimentais, pelo que a realização destas exige uma previsão específica, por lei, por regulamento ou por contrato interadministrativo a celebrar entre entidades públicas autónomas. No âmbito da Administração direta e indireta do Estado, a instituição da conferência procedimental pode ser feita por portaria do Ministro ou portaria conjunta dos Ministros competentes para a direção e tutela dos organismos envolvidos (crf. artifo 78º/2). O artigo 78º/3 acrescenta limitações ao conteúdo do ato instituidor das conferências procedimentais.

Iniciativa
A iniciativa das conferências procedimentais pode ser oficiosa ou resultar de requerimento de um ou mais interessados, sendo no segundo caso a dever do órgão competente a convocação da conferência no prazo de 15 dias (crf. artigo 79º/ 1 e 2). As seguintes alíneas do artigo 78º continuam o tratamento da matéria de iniciativa das conferências procedimentais.

Audiência dos interessados e audiência pública
O direito de audiência dos interessados, consagrado no artigo 121º, é exercido na conferência procedimental, oralmente, em sessão na qual devem estar presentes todos os órgãos que nela tomam parte (cfr. artigo 80º/1). Sendo que, no caso de conferência deliberativa realiza-se uma única audiência, reportada ao projeto de decisão respeitante ao ato complexo. Enquanto que, no caso de conferência de coordenação, a audiência é concretizada em simultâneo quanto às várias decisões a adotar.

Conclusão da conferência procedimental
O artigo 81º estabelece um prazo limite específico para a conferência procedimental, que se reporta ao fim da prática ou atos que visa preparar, ou ao termo do prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 30, se, até esse momento não forem praticados os referidos atos (sendo que neste último caso, pode a conferência ser repetida em casos excecionais, crf. artigo 81º/7).
Quando a conferência procedimental termina, o órgão que a ela presidiu elabora uma ata, na qual são registados os sucessivos passos da conferência, e por fim o ato final decisório. No caso das conferências deliberativas é inscrito o ato complexo, e no caso das conferências de coordenação são inscritos os atos contextualmente praticados por cada órgão interveniente.
No artigo 81º/4 prevê no caso de conferências deliberativas, na falta de acordo, os órgãos intervenientes emitem uma declaração para constar da ata, na qual fundamentam as razões da sua discordância, respeitando o dever de fundamentação exigível à Administração Pública, conforme o disposto nas alíneas a) e c) do artigo 152º/1.

Conclusão
Em suma, a utilização das conferências procedimentais como mecanismo de simplificação do exercício administrativo potencializa inúmeras vantagens das quais destaco a aceleração da emissão de uma decisão administrativa, e o enriquecimento dessa decisão pela interligação realizada pelos vários órgãos competentes que são deste modo chamados a discussão na mesma mesa.

Bibliografia: 
ALMEIDA, Mário de Aroso, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código de Procedimento Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2016, pp. 92-106
MONIZ, Ana Raquel Gonçalves, Direito Administrativo, Textos e casos práticos resolvidos, 2ª Edição, Almedina, 2015, pp. 212-214


Miriam Ferreira,
Nº de aluna: 56712

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