Atualmente, a Constituição de um
Estado é muito mais do que o estatuto desta Pessoa Coletiva, a partir do qual
são definidas as suas atribuições, organização e competência dos respetivos
órgãos. Na verdade, a Constituição da República Portuguesa de 1976 representou
um grande passo no que diz respeito à integração do Direito Administrativo,
sendo este uma presença significativa na mesma, tanto que nela se encontram as
suas bases.
O princípio da imparcialidade faz
parte dos princípios constitucionais da atividade administrativa material. Os
princípios consistem em normas que exigem a realização de algo, da melhor forma
possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas, não proíbem,
impondo a otimização de um direito ou bem jurídico. Este princípio em especial foi
durante muito tempo entendido apenas como uma imposição de tratamento isento
dos particulares pela administração, no sentido de que esta não podia favorecer
ou desfavorecer por razões ligadas aos titulares dos órgãos ou agentes
administrativos que estão em concreto na posição de decidir ou atuar. Contudo, atualmente
a imparcialidade deve ser entendida como um comando da Administração que lhe
permite considerar e ponderar os interesses públicos e privados relevantes para
cada atuação concreta da sua parte. Mormente, esta proíbe que os órgãos da
Administração intervenham em certos procedimentos administrativos, ou façam
determinadas escolhas para assim evitar a suspeita de que estejam a atuar com
parcialidade.
O princípio da imparcialidade encontra-se
primeiramente consagrado no artigo 266.º Nº2 da Constituição da República
Portuguesa: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à
Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito
pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade
e da boa-fé.” Neste âmbito, é possível afirmar que este princípio decorre do
poder discricionário, que deve ser limitado pela ordem jurídica. Igualmente, o
Novo Código de Procedimento Administrativo estipula o princípio no seu artigo
9.º, onde se pode inicialmente ler que a “Administração Pública deve tratar de
forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação”. Mas o que é que
significa ser imparcial? Ser imparcial significa não favorecer uma das partes
em detrimento da outra, ou seja, não tomar partidos. A Administração Pública
deve tomar decisões determinadas exclusivamente com base em critérios objetivos
de interesse público, adequados ao cumprimento das suas funções específicas,
sendo que não é tolerado que estes mesmos critérios sejam substituídos ou
distorcidos por influência de interesses alheios à função, sejam estes
interesses pessoais do órgão, do funcionário, do agente, ou de indivíduos,
grupos sociais, partidos políticos, ou até interesses políticos concretos do
Governo.
Todavia, tal como acontece com
qualquer outra norma jurídica, a mera prescrição do princípio da imparcialidade
não é suficiente para garantir o seu acatamento. A violação da imparcialidade
tem como características fundamentais a dificuldade da prova e, na sua dimensão
negativa, o facto de depender constantemente de circunstâncias relativas, isto
é, de pessoas singulares, especificamente agentes ou titulares de órgãos
administrativos. Tendo em apreciação estes dois aspetos, a ordem jurídica
estabelece mecanismos tendentes a assegurar que os titulares dos órgãos e
agentes administrativos não irão influenciar as decisões tomadas em
procedimentos nos quais seria de recear que se comportassem de modo parcial. Estes
mecanismos são as garantias preventivas de imparcialidade. Desta forma, o
princípio da imparcialidade abrange duas vertentes: negativa e positiva.
No que diz respeito à vertente negativa,
a imparcialidade traduz a ideia de que os titulares dos órgãos e os agentes da
Administração Pública estão impedidos de intervir em procedimentos, atos ou
contratos relativos a questões de interesse pessoal ou da sua família, ou de
pessoas com quem tenham relações económicas de especial proximidade, de maneira
a que não se suspeite da isenção ou retidão da sua conduta. Este dever é
aprofundado nomeadamente nos artigos 69.º a 76.º do CPA. Assim, a projeção
prática do princípio concretiza-se nos impedimentos e nas suspeições.
Designadamente, os casos de
impedimento consubstanciam-se em situações mais graves, de proibição de
intervenção. Nestes casos é obrigatória por lei a substituição do órgão ou
agente administrativo, normalmente competente, por outro que possa com
imparcialidade pronunciar-se sobre o assunto, tomando a decisão no seu lugar. Implica
desta maneira o impedimento dos titulares dos órgãos e agentes quanto à
participação em determinados procedimentos administrativos e na formulação das
respetivas decisões. O artigo 69.º do CPA enumera os casos de impedimento, e,
adicionalmente o artigo 70.º do CPA esclarece como é que se processa esta
situação: o órgão ou agente que se encontre numa posição de impedimento tem o
dever jurídico de “comunicar desde logo o facto ao respetivo superior
hierárquico ou ao presidente do órgão colegial, consoante os casos.” (Nº1 do
artigo referido). Posteriormente, se for declarado o impedimento o artigo 72.º
Nº1 do CPA estipula que o órgão ou agente é “imediatamente substituído no
procedimento pelo respetivo suplente”, ou seja, por aquele que a lei designar
como o seu substituto legal, salvo se o órgão competente para o efeito resolver
avocar a decisão. O Nº2 do artigo 72.º do CPA afirma que se tratando de um
órgão colegial, este funcionará sem o membro impedido.
De seguida, no que toca às suspeições, estas
constituem situações em que não existe proibição absoluta de intervenção, mas
em que esta deve ser excluída por iniciativa do próprio titular do órgão ou
agente ou do cidadão interessado. A lei dá ao órgão ou agente administrativo o
direito de pedir escusa no procedimento, bem como dá aos particulares
interessados no mesmo o direito de oporem suspeição ao órgão normalmente
competente, pedindo a sua substituição. Em ambos os casos, de acordo com a lei,
o órgão competente irá decidir se há ou não fundamento para a suspeição. Ao
encontro do que foi dito anteriormente temos o artigo 73.º do CPA que enumera
os casos de suspeição, menos numerosos. Se houver fundamento o artigo 75.º do
CPA remete para o regime do impedimento, declarando que deve ser feita uma
declaração de suspeição, seguindo-se a substituição do órgão ou agente por
aquele que o deva substituir no exercício da competência. Caso contrário, o
órgão ou agente em causa continua a exercer as suas funções, mantendo a sua
legitimidade para intervir no procedimento.
As garantias preventivas da
imparcialidade têm a grande vantagem de, do ponto de vista do controlo da
atuação administrativa, principalmente no que toca àquela atuação desenvolvida
ao abrigo da margem de livre decisão, dispensar os interessados da complicada
prova de verificação da concreta parcialidade de uma conduta da administração,
servindo a violação das garantias como seu indicador objetivo.
Quando estas garantias da
imparcialidade não são respeitadas há como consequência sanções, como observado
no artigo 76.º do CPA no seu Nº1, sendo que todos os atos administrativos e
contratos da Administração em que intervenha um órgão ou agente impedido de
intervir ou em relação ao qual tenha sido declarada suspeição serão anuláveis,
e no Nº2 que determina que a omissão por parte do órgão ou agente
administrativo do dever de comunicação constitui uma falta disciplinar grave.
Relativamente à dimensão positiva
do princípio, este impõe que, num momento anterior à decisão do caso concreto,
a administração tome em consideração e pondere todos os interesses públicos e
privados que à luz do fim legal a prosseguir sejam relevantes para a decisão. Devem
considerar-se parciais os atos ou comportamentos que manifestamente não
resultem de uma exaustiva ponderação dos interessados juridicamente protegidos.
A obrigação de ponderar comparativamente implica um limite à discricionariedade
administrativa, não só pela exclusão que comporta de qualquer valoração de
interesses estranhos à previsão normativa, mas principalmente porque o real
poder de escolha da autoridade pública só subsiste onde a proteção legislativa
dos vários interesses seja de igual natureza e medida. Deste modo, a ausência
de ponderação dos diferentes interesses em jogo constitui o vício em que o
princípio da imparcialidade aparece a suportar, juntamente com os restantes
princípios jurídicos, a injunção da racionalidade decisória caracterizando-se
por refletir a decisão que não é sustentada numa ponderação.
A combinação das referidas
dimensões negativa e positiva do princípio da imparcialidade tem como resultado
que a Administração, no exercício da sua margem de livre decisão, estude e
pondere todos os interesses públicos e privados importantes para a decisão, e
somente estes.
A propósito do tema é possível questionar
se o princípio da imparcialidade é ou não uma simples aplicação da ideia de
justiça, se a ideia de imparcialidade e a de justiça acabam por traduzir o
mesmo. De acordo com Diogo Freitas do Amaral tal não acontece uma vez que o
princípio da imparcialidade deve ser tido como a aplicação de uma ideia
distinta que é a proteção da confiança dos cidadãos na seriedade e honestidade
da Administração Pública na sua capacidade de tomar decisões justas. O que se
pretende com o princípio em análise não é a obtenção de decisões justas, até
porque para isso há o princípio da justiça, mas sim que não haja motivos para
duvidar da imparcialidade dos órgãos ou agentes competentes.
Em suma, do princípio da
imparcialidade resulta uma proibição da ponderação dos interesses irrelevantes,
bem como uma prescrição da ponderação dos interesses relevantes. A afirmação
deste princípio não contradiz a parcialidade enquanto característica inerente do
agir administrativo na medida em que a administração é necessariamente parcial
na prossecução do interesse público, mas é também necessariamente imparcial na
ponderação dos interesses públicos e privados sobre os quais a sua atuação se
repercute.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, II,
3ª edição, Almedina, Coimbra, 2016
CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª
edição, Âncora Editora, Lisboa, 2010
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS,
André Salgado de. Direito Administrativo
Geral, Introdução e princípios fundamentais, I, 2ª edição, Dom Quixote,
2006
Mariana Nunes
N.º de aluno 56984
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