quarta-feira, 25 de abril de 2018

A Audiência dos Interessados

De forma a perceber de que se trata a Audiência dos Interessados, é essencial adquirir um breve entendimento sobre o conceito de Procedimento Administrativo, e mais concretamente, as suas respectivas fases. Este, cuja noção encontra-se disposta no artigo 1º, nº1 do Código de Procedimento Administrativo, trata-se de uma actividade administrativa desenvolvida no âmbito jurisdicional que manifesta a preparação da prática ou execução de um acto. Para alcançar tal propósito, obedece a uma sequência juridicamente ordenada de actos e formalidades que, visando a garantia dos interesses e direitos legalmente protegidos dos particulares, acabam por se prolongar no tempo e desenrolar em diversas etapas.

No que respeita a estas referidas fases do procedimento administrativo, que nada mais são do que parâmetros organizados consoante a sua função, verifica-se uma divergência doutrinária respeitante ao seu número, não existindo contudo qualquer tipo de impacto negativo de tal divergência. Deste modo, para o professor Rogério Ehrhardt Soares, dever-se-à referir a três tipos de módulos: a fase preparatória, a fase constitutiva e a fase integrativa da eficácia. O professor Diogo Freitas do Amaral, por sua vez, argumenta que a divisão do procedimento dever-se-à suceder em seis fases: a fase inicial, a fase da instrução, a fase da audiência dos interessados, a fase da preparação da decisão, a fase da decisão e a fase complementar. Outros autores, como o professor Marcelo Rebelo de Sousa ou o professor Vasco Pereira da Silva, sem discordarem da existência de uma divisão tripartida, defendem, porém, que as formalidades que poderão ocorrer em qualquer momento do procedimento não deverão possuir o cariz ou destaque enquanto fases procedimentais. Assim, e segundo estes autores, deverá existir uma sistematização em três fases denominadas iniciativa, instrução e decisão.

Adoptando este último entendimento, a segunda fase, mais conhecida como instrução, é caracterizada por proceder a uma pormenorização das opções que a Administração possui ao reunir e tratar todos os dados e provas relevantes para a decisão final. Para tal, deverão ser efectuados actos e formalidades preparatórias, dos quais se destaca a audiência dos interessados pela importância que possui, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 121º, nº1 do CPA, a audiência poderá decorrer mesmo sem ter existido uma instrução, sendo-lhe reconhecido pelo próprio legislador um papel que ultrapassa a função de mera formalidade. De facto, esta possibilidade contraria a ideia restrictiva de que a audiência dos interessados só ocorre no final da instrução, após terem sido apreendidos todos os elementos tidos como essenciais para a decisão

O professor Marcelo Rebelo de Sousa define a audiência dos interessados, referida no artigo 267º, nº5 da Constituição da República Portuguesa, como “(...) o momento por excelência da participação dos particulares no procedimento administrativo (...)”. Por outras palavras, esta formalidade permite que o interessado tenha uma participação activa no processo, e que as suas alegações sejam tidas em consideração pela Administração quando esta reflecte sobre a decisão que irá tomar. Desta forma, ao conceder aos indivíduos a possibilidade de envolverem-se no procedimento e controlar preventivamente o seu desenrolar, constitui-se uma concretização do princípio da colaboração da Administração com os particulares (art. 11º, nº1 do CPA), do princípio da participação (art. 12º do CPA).

O confronto das perspectivas da Administração e dos interessados poderá ter uma forma escrita ou oral, e, apesar de normalmente ser o órgão responsável pela direção do procedimento encarregado de discricionariamente escolher, o interessado pode dizer justificar o porquê de preferir uma das opções em detrimento da outra. Por um lado, a audiência escrita pressupõe uma notificação escrita aos particulares, os quais têm de responder num prazo de no máximo 10 dias (art. 122º, nº1 do CPA). Por outro lado, a audiência oral requer a presença de ambas as partes (caso se mostre necessário pode ser realizada por tele-conferência), e, se um dos interessados não comparecer, só se verificará um adiamento se for apresentada uma justificação pela ausência (art. 123º, nº2 do CPA). Cabe também não esquecer que, para cumprir o princípio do carácter escrito, a audiência oral é lavrada em acta (art.102º, nº4 do CPA).

Efectivamente, a Administração está obrigada a ouvir os interessados e comunicar-lhes, fundamentadamente, o sentido provável da decisão antes desta ser tornada num documento fundamental (art. 121º, nº1 do CPA), oferecendo-lhes a possibilidade de se pronunciarem, mesmo que as partes decidam não fazê-lo. Não obstante, poderão existir situações em que a formalidade da audiência dos interessados pode ser dispensada, isto é, desde que se observe a sua justificação por parte do responsável pela direcção do procedimento. Por conseguinte, e segundo o disposto nas alíneas do artigo 124º, nº1 do Código de Procedimento Administrativo, os tais casos de dispensa legitimada são:
  • Perante circunstâncias de urgência.
  • Após os interessados pedirem o adiamento de uma audiência oral, não se tenha conseguido estipular uma nova data por um facto imputável aos mesmos.
  • Quando se tenha como concebível que a diligência pode comprometer a execução ou a utilidade da decisão final.
  • Quando o número de interessados seja tão elevado que irá interferir com o desenrolar da audiência, devendo assim proceder-se a uma consulta pública como alternativa, ou seja, um mecanismo que ampliar a possibilidade de participação e discussão sobre o assunto.
  • Se os particulares se tiverem já pronunciado, no decorrer do procedimento, não só sobre as matérias e as provas produzidas que relevem para a decisão, mas também sobre o sentido provável da decisão.
  • Se os elementos pertencentes ao procedimento conduzirem, só por si, a uma decisão favorável aos interessados
Todavia, quando a audiência dos interessados é tida como obrigatória ou não seja dispensada em concreto pela lei, a sua omissão constitui uma ilegalidade. Mais precisamente, a sua preterição irá traduzir-se num vício de forma e numa invalidade do acto administrativo que irá concretizar a decisão final, uma vez que a audiência é uma formalidade essencial para o procedimento. Relativamente a esta situação, coloca-se a questão de saber se a sanção aplicada para esta ilegalidade será a nulidade ou a anulabilidade.

Para o professor Diogo Freitas de Amaral e para o professor Pedro Machete, o direito a uma audiência dos interessados não é um direito fundamental, visto que não se refere à protecção da dignidade da pessoa humana. Assim, dever-se-à recorrer à anulabilidade, disposta no artigo 163º, nº1 do Código de Procedimento Administrativo. Os professores Sérvulo Correia, Vasco Pereira da Silva, David Duarte e Luísa Neto defendem, por sua vez, que a sanção deverá ser a nulidade, pois entendem que concretiza um direito fundamental de participação procedimental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, aplicando assim o artigo 161º, nº2, alínea d) do Código de Procedimento Administrativo e o artigo 17º da Constituição da República Portuguesa.

Importa ainda referir que, na eventualidade de após ser realizada a audiência dos interessados verificar-se a existência de certos aspectos que merecem um desenvolvimento mais aprofundado, a realização de diligências instrutórias complementares pode ser exigida pelo órgão responsável pela direção do procedimento ou requeridas pelos interessados (art. 125º do CPA). Para além disso, se o sentido provável de decisão for alterado devido aos dados adquiridos com a audiência, ou existirem novas diligências instrutórias no período ente a audiência e a decisão, deverá ser convocada uma nova audiência dos interessados.

Bibliografia
AMARAL, Diogo Freitas do. Curso De Direito Administrativo. 3ª ed., vol. 2, Almedina, 2016.

CAETANO, Marcello. Manual De Direito Administrativo - Tomo II. 8ª ed., Coimbra Editora, LDA, 1969.

GONÇALVES, Fernando, et al. Novo Código Do Procedimento Administrativo: Anotado e Comentado. 5ª ed., Almedina, 2017.

QUADROS, Fausto de, et al. Comentários à Revisão do Código do Procedimento Administrativo. Almedina, 2016.

SALDANHA, Ricardo Azevedo. Introdução Ao Procedimento Administrativo Comum. Coimbra Editora, 2013.

SOUSA, António Francisco de. Direito Administrativo. Prefácio, 2009.

SOUSA, Marcelo Rebelo de. Direito Administrativo Geral - Tomo III. Dom Quixote, 2009.


Carolina Fernandes Duarte, Subturma 10, Nº 57006

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